Após 13 meses de intensas negociações e procedimentos jurídicos, a Justiça do Rio concluiu hoje (dia 20 de julho) mais uma etapa do processo de recuperação judicial da Viação Aérea Rio Grandense (Varig), com a realização do segundo leilão da companhia aérea, que foi vendida por US$ 24 milhões à VarigLog, que tem agora uma série de obrigações contratuais a cumprir. O preço mínimo pago pela arrematante foi de US$ 20 milhões. A empresa, única a participar do leilão, já tinha se comprometido a investir este valor até o dia da alienação judicial para que a Varig continuasse a operar. A Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Processamento de Dados (Cooper Data) tentou participar do leilão, porém foi desqualificada porque não fez o depósito no valor de US$ 24 milhões com 24 horas de antecedência.
A VarigLog já fez aportes no valor de US$ 20 milhões para a Varig e, caso a ex-subsidiária não vencesse o leilão, seria ressarcida em US$ 24 milhões, referente ao valor total depositado acrescido de 20% de multa. No leilão anterior, em que o Trabalhadores do Grupo Varig (TGV) arrematou a empresa, o preço mínimo para venda era de US$ 700 milhões para as rotas domésticas e US$ 860 milhões para as nacionais e internacionais.
O próximo passo, segundo o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial, será o depósito de US$ 75 milhões, em 48 horas, a fim de concretizar a arrematação e a compra da Nova Varig, ainda que, no mesmo prazo, a operação não seja autorizada pela Agência Nacional de Aviação (Anac). Também como parte do pagamento aos credores, a VarigLog emitirá duas debêntures com valor de face de R$ 50 milhões, cada uma, e validade de dez anos. Caso as debêntures sejam pagas à vista, o valor de cada uma delas cai para R$ 41.481.000,00.
Ayoub comentou também que o vencedor deverá entregar ao juízo todos os documentos do leilão, bem como a garantia bancária para que sejam juntados aos autos de recuperação judicial. “Com a realização do leilão, está encerrada a fase mais crucial do trabalho da Justiça. A inspiração do legislador foi manter a unidade produtiva. A decisão judicial que reconheceu a ilegitimidade dos votos da GE foi a responsável pela continuidade do processo, entregando ao mercado a decisão sobre o futuro das empresas em recuperação. A lei alcançou sua finalidade, na medida em que respeitou a vontade da maioria dos credores após ampla discussão com as empresas devedoras. Mas a ação judicial não pára aí. Será mantida a fiscalização das empresas que continuam em recuperação. O conjunto de bens e direitos foi, portanto, valorizado, porquanto o ativo em recuperação difere daquele em eventual falência, considerando o resultado da depreciação que da liquidação causaria”, assinalou.
Além dele, mais dois juízes trabalharam com excepcional empenho no caso Varig: Paulo Roberto Fragoso e Márcia Cunha. Para eles, a parceria com o Ministério Público, coordenada pelo promotor Gustavo Lunz, foi também fundamental para o sucesso do processo, que já tem cerca de 19 mil páginas. O primeiro leilão ocorreu em 8 de junho, mas foi considerado deserto pelo juiz Ayoub porque a NV Participações – que representava a associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV) – não apresentou as garantias necessárias exigidas no edital.
O consórcio não depositou os US$ 75 milhões referentes à primeira parcela do pagamento do acordo, de um total de R$ 1,010 bilhão. Ultrapassado o prazo conferido ao vencedor do leilão, uma nova proposta foi então apresentada pela VarigLog, com promessa de investimentos que chegam ao patamar de US$ 485 milhões, considerando não só o preço mínimo, mas também assumindo obrigações, tais quais, as milhas e passagens emitidas, dentre outras.
A assembléia dos credores foi marcada para o dia 17, e o leilão, para o dia 19 de julho. Durante a assembléia, a GE Capital votou contra as alterações no plano de recuperação da companhia aérea, sem legitimidade para fazê-lo, pois já havia cedido seus créditos a terceiros. Os votos contrários à aprovação da alteração do plano representavam 5,9% dos créditos de todas as classes e 1% do total dos credores. Ayoub, porém, determinou a nulidade dos votos e remarcou o leilão para o dia seguinte, 20 de julho.
Caso emblemático
A ação de Recuperação Judicial do grupo Varig teve início em 17 de junho de 2005, portanto, quatro meses depois da promulgação da Lei 11.101/05 – mais conhecida como Lei de Recuperação Judicial. “O processo Varig é complexo e difere dos demais porque, além de ser um caso emblemático, chegou junto com um novo instrumento legal, promulgado em fevereiro do ano passado. Por ser novo, é lógico que nós juízes e o MP tivemos momentos de dúvidas e de dificuldades, com discussão de numerosas horas apenas em cima de um único inciso, para que pudesse ser aplicado de forma correta”, disse o juiz Ayoub.
Além das novidades em relação ao rito processual, o juiz lembrou que também houve a necessidade de dar explicações ao público em geral e não apenas “falar no processo”, em razão do elevado interesse nacional que envolve a questão. “Fizemos em respeito à sociedade”, comentou.
Ele, os dois juízes e o promotor público que trabalham no caso Varig acham, porém, que os prazos processuais atuais devem ser flexibilizados, pois existem inúmeras exigências que precisam ser cumpridas de forma mais rápida e sem muita burocracia. Como exemplo, eles citaram os prazos de publicação de editais no Diário Oficial do Poder Judiciário do Estado e as convocações de assembléias. “A lei é boa, mas isto apenas não basta. Tem que ser interpretada e aplicada também no sentido social, para aí sim, ser considerada justa” enfatizou o promotor Gustavo Lunz.
Outro assunto por eles discutido foi “a blindagem trabalhista e tributária”, que, segundo o promotor público Gustavo Lunz, não foi pensada para livrar o devedor, mas para diminuir o chamado custo Brasil. “A Varig é credora de 4,6 bilhões de dólares, em valores não corrigidos. A solução mercadológica é a que perseguimos para que continue operando. E, depois, o mercado negociará débitos e créditos, até para ser evitado um precatório monstruoso. Isto terá que ser um dia encarado”, ressaltou o promotor.
Apoio nos momentos difíceis
O juiz Luiz Ayoub lembrou, juntamente com seus colegas, que existiram alguns momentos muito difíceis durante todo o processo. O primeiro deles aconteceu na hora da escolha do Administrador Judicial, pois deveria ser alguém que reunisse várias qualidades, já que o caso era de uma empresa que lidava com mais de cem mil empregos e com um passivo alto. “Teria que ser polivalente, com credibilidade e conhecimento técnico, embora a lei fosse nova. Foi difícil, mas escolhemos a Deloitte que mostrou conhecer bem os caminhos de uma empresa do tamanho da Varig”, lembra a juíza Márcia Cunha, titular da 2ª Vara Empresarial do Rio.
Outro momento que teve o total apoio do presidente do TJ do Rio, desembargador Sergio Cavalieri Filho, foi a ida da magistrada à Corte de Nova York, para falar com o juiz Robert Drain sobre o pedido de retomada das aeronaves da empresa naquele país, fato inédito. O trabalho da Justiça fluminense hoje é reconhecido internacionalmente graças a essa iniciativa pioneira.
Outro ponto crucial da ação foi o afastamento do acionista controlador, a Fundação Rubem Berta, que tentou agir, segundo o juiz Ayoub, de maneira indevida. A Fundação pretendia a desistência da recuperação judicial para passar a recuperação extrajudicial, mesmo após usar do privilégio legal dos seis meses de moratória. “Achamos que ela estava querendo tomar atitudes contrárias aos interesses da Varig, e resolvemos, então, afastá-la do processo, suspendendo os seus poderes políticos e administrativos, acolhendo a intervenção do MP”, rememora o juiz.
Os juízes que tratam da recuperação judicial da Varig comentaram ainda que, em março deste ano, ficaram bastante preocupados e desanimados quando a empresa passou a ter sérios problemas de caixa. Foi aí, acentuaram, que o Tribunal de Justiça do Rio designou uma audiência de conciliação com a Petrobras, onde acordaram o fornecimento dos combustíveis com garantias de vendas de passagens feitas com créditos de cartões que a companhia tinha a receber.
Relembraram o apoio dado pelo presidente Cavalieri, que abriu espaço em sua agenda e os acompanhou aos gabinetes ministeriais em Brasília, para encontros com o vice-presidente da República, ministros da Defesa e da Fazenda e outras autoridades, em busca de soluções para as empresas, considerando diversas questões sociais do caso.
“Estamos convencidos que o caso Varig, por sua complexidade, trouxe uma experiência ímpar a todos nós, juizes e promotores, e à Lei de Recuperação Judicial. Com certeza, vai criar jurisprudência. Quanto aos desacertos ocorridos no curso do processo, só o futuro poderá demonstrar a correção ou não dos aos praticados. O STJ irá definir se seguimos o rumo certo”, finalizou o juiz Luiz Roberto Ayoub.