À frente da Transparência Internacional desde fevereiro, a brasileira Maíra Martini fez duras críticas à recente decisão dos Estados Unidos de aplicar a Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista ao Globo, a executiva afirmou que o episódio “desvirtua completamente” os objetivos da norma e inaugura um precedente de grande risco no cenário internacional.
“A Magnitsky era uma ferramenta para alcançar justiça em países cujo sistema está totalmente cooptado. Essa decisão não se enquadra em nenhum dos motivos pelos quais ela foi criada. É uma aberração e abre um precedente perigosíssimo”, disse.
Segundo Martini, a lei, concebida originalmente para responsabilizar indivíduos envolvidos em corrupção sistêmica e violações de direitos humanos em regimes autoritários, pode ser transformada em instrumento de perseguição política, corroendo a credibilidade de mecanismos de sanção internacional.
Riscos para o Direito Internacional
O caso reacende o debate sobre a extraterritorialidade da jurisdição norte-americana e seus reflexos sobre a soberania de outros Estados. Se a sanção contra Moraes se consolidar, analistas temem que a lei seja utilizada como arma política contra autoridades de sistemas democráticos.
Para Martini, “o risco de uso político sempre existiu, mas agora vemos o oposto do que a lei previa. Esse tipo de decisão mina a legitimidade da própria Magnitsky e fragiliza a proteção internacional contra a corrupção”.
Foro privilegiado e impunidade
A executiva também comentou discussões recentes no Congresso Nacional sobre mudanças no foro privilegiado. Para ela, a proposta de restringir a competência do STF não se traduz em maior eficiência:
“Os políticos sabem que, ao voltarem para a primeira instância, vão se beneficiar da morosidade. Sem reformas processuais, o resultado será impunidade”, alertou.
Corrupção e transparência orçamentária
A entrevista ainda trouxe críticas à falta de transparência no uso das emendas parlamentares. Martini lembrou que a alocação de recursos sem critérios técnicos aumenta o risco de corrupção e compromete a boa prática orçamentária.
Além disso, reforçou a importância de órgãos de inteligência financeira, como o Coaf, para prevenir crimes econômicos antes que se tornem estruturais.
Desafios à frente da COP30
Com o Brasil prestes a sediar a COP30, Martini defendeu que o país lidere a agenda de integridade e transparência nas negociações climáticas, evitando privilégios a grandes poluidores:
“Acesso privilegiado não pode existir na COP. Precisamos saber quem está na sala, quais são seus interesses e o que defendem”, afirmou.
Repercussão jurídica
A fala da CEO da Transparência Internacional reforça um debate crucial para a comunidade jurídica: até que ponto sanções internacionais de caráter unilateral, como a Lei Magnitsky, podem ser compatíveis com princípios clássicos do direito internacional público, como soberania, igualdade entre Estados e devido processo legal?
Se confirmada a sanção contra Moraes, o episódio pode se tornar um leading case na relação entre jurisdição estrangeira e autoridades de Estados soberanos, com impacto não apenas político, mas também jurídico e econômico.
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