O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, falou hoje (04/02) por cinco horas à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal sobre a Proposta de Emenda à Constituição relativa à reforma do Judiciário (PEC 29/00).
Iniciada por volta das 10h30 da manhã, a audiência pública contou com a presença da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), relatora da matéria na Câmara dos Deputados. Jobim defendeu o “controle externo” do Judiciário, materializado no Conselho Nacional de Justiça, bem como a aplicação da súmula vinculante.
Ao falar da súmula vinculante, o minstro destacou o artigo 103 da PEC 29. Segundo o dispositivo, o STF poderá, com quorum de 2/3 de seu integrantes e depois de reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação, terá efeito vinculante [que obriga] em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública.
Jobim esclareceu que a súmula tem por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de norma específica produzida pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, sobre a qual haja controvérsia -, entre órgãos do judiciário ou entre esses órgãos e a administração pública -, que acarrete grave insegurança política. A súmula seria aplicada, ainda, no caso de multiplicação de processos que discutam questão idêntica.
Ao defender a súmula vinculante, o ministro lembrou quanto custa um processo judicial. Dividindo o orçamento de 2002 do STF, que foi de R$ 170 milhões, pelo número de processos solucionados, o custo de cada um seria de R$ 1.958,00. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse custo subiria para R$ 2.620,00.
Jobim também frisou a importância da vinculante ao fazer o balanço do número de processos julgados no STF em 2003. Disse que dividindo o total das 109.089 decisões proferidas no ano passado pela Corte, contabilizam-se 9.917 decisões por ministro em 10 meses (considerados os dois meses de recesso forense).
Referindo-se ao Conselho Nacional de Justiça previsto na PEC 29 – que seria formado por 15 membros e controlaria a atuação administrativa e financeira do Judiciário, além do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes -, Jobim disse que não se tratava de interferência. “É intervenção na autonomia do Judiciário apreciar a legalidade de atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Judiciário”, perguntou o ministro à platéia de senadores.
Para o ministro, não há o que temer quanto ao Conselho Nacional de Justiça. Ele entende que a independência do Judiciário está vinculada ao ato jurisdicional e que, nos atos administrativos e financeiros – estes ligados aos Tribunais de Contas, – não há independência. Jobim completou que não vê a possibilidade de que o Conselho não seja aprovado pela Câmara dos Deputados por ser uma “necessidade de consistência do Judiciário, para que se possa formular uma política nacional do Poder Judiciário”.
O grande número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo também foi tema da exposição de Jobim. O ministro destacou que enquanto o presidente da República e as Mesas da Câmara e do Senado nunca ajuizaram ADI no STF, os governadores propuseram nada menos do que 877 ADI de 1988 até hoje, num universo de 3.437 Ações dessa natureza.
No mesmo período, as Assembléias Legislativas dos estados propuseram apenas 36. Segundo Jobim, esses dados revelam que a ADI se transformou numa prolongação do debate político e da derrota congressual. Ele ressalta que, durante os oito anos do governo anterior, todas as ações foram ajuizadas pela oposição. Citou, ainda, um senador que na época lhe disse que, por pertencer a um partido pequeno, teria mais notoriedade se propusesse uma ADI do que se votasse contra uma decisão.
QUESTIONAMENTOS
A maioria dos comentários e questionamentos feitos ao ministro Nelson Jobim pelos senadores, durante a audiência pública de hoje (4/03) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), foram sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça. E, ainda, sobre a possibilidade, prevista no projeto de reforma do Judiciário oriundo da Câmara, de o colegiado do Conselho determinar a perda de mandato de magistrado ou promotor.
O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que inclusive pediu ao senador Edson Lobão (PFL-MA) a publicação da parte introdutória da fala do ministro Jobim, afirmou que o controle externo do Judiciário só é exigido pela sociedade porque os Tribunais carecem de bons corregedores.
“Quando se fala em controle externo, eu sinto que há divergências até no próprio Supremo Tribunal Federal. Até quanto a sua existência e, sobretudo, quanto a sua composição”, disse Antonio Carlos Magalhães. Ele frisou que a criação do Conselho Nacional teria de ser estudada pelo Senado e que, quanto menor for a sua composição, melhor.
Jobim respondeu aos comentários do senador Antonio Carlos Magalhães dizendo que, quanto à composição do Conselho, haverá sempre divergências. “Eu creio que se nós instalarmos esse Conselho e ele começar a funcionar, nós vamos discutir e vamos verificar, em concreto, as suas inconveniências funcionais, e, aí, resolveremos o problema”.
Ele argumentou que vê o Conselho como um órgão de natureza administrativa-nacional, para a formulação de uma política nacional para o Poder Judiciário, inclusive para a definição de prioridades nacionais. Segundo Jobim, o eixo básico do Judiciário é também a gerência, e citou experiência bem-sucedida implementada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde afirmou ter sido implantado um mecanismo de gestão e gerência modelar.
Para o ministro, um órgão da natureza do Conselho Nacional de Justiça será capaz de produzir um plano estratégico consensuado. “Inclusive, a minha idéia seria termos dentro do Poder Judiciário alguma coisa similar ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Ipea. Ou seja, que tivéssemos um instituto que pudesse pensar a administração do judiciário com quadros competentes”, sustentou.
O senador Antônio Carlos apontou, ainda, a possível subjetividade da expressão “após reiteradas decisões”, inserida no texto que define o mecanismo de aplicação da súmula vinculante. Perguntou a Jobim se a palavra não deveria ser modificada por uma mais clara.
De acordo com o vice-presidente do Supremo, há uma experiência já consolidada sobre o uso da expressão.“Nós temos que confiar ao próprio Tribunal que a reiteração significa a capacidade da sua manutenção de entendimento. Nós podemos ter cinco decisões sobre a mesma matéria e considerá-la reiterada, e podemos ter 20 decisões sobre uma outra matéria que ainda não se entendeu reiterada porque não se consolidou a maioria necessária para os 2/3 (do Tribunal)”, disse o ministro.
Quanto à previsão de que o Conselho Nacional de Justiça poderá determinar a perda de mandato de magistrado ou promotor, por diversas vezes o ministro Jobim sustentou que a supressão do dispositivo não vai prejudicar a promulgação da reforma do Judiciário, porque a questão tem autonomia temática. “Se este é o núcleo da dificuldade, suprima-se. Vejo isso mais da perspectiva administrativa, e não da perspectiva correcional. Só a existência da possibilidade (de punição) já induz a uma conduta de cumprimento de suas obrigações”, disse, ao responder ao senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN).