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Senado enterra PEC da Blindagem

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou, nesta quarta-feira (24), por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição nº 3/2021, conhecida como “PEC da Blindagem”. A proposta pretendia exigir autorização prévia da Câmara dos Deputados ou do Senado para que parlamentares pudessem responder a ações penais, além de instituir voto secreto para a decisão.

O relatório contrário foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que classificou a medida como um risco grave à legitimidade do Legislativo. Com 26 votos pela rejeição e nenhum favorável, a decisão da CCJ representa um revés imediato para o texto, que agora seguirá ao Plenário do Senado para análise final.

“Essa matéria absurda precisava ser rejeitada com a urgência devida. Confio que o Plenário rejeitará a ‘PEC da Blindagem’, virando uma página triste do nosso Legislativo e homenageando a nítida vontade popular”, — afirmou Alessandro Vieira.

O que previa a proposta

O texto aprovado na Câmara dos Deputados no dia 17 de setembro estabelecia que:

  • Processos criminais contra parlamentares só poderiam avançar com prévia autorização da respectiva Casa legislativa;
  • O julgamento dessa autorização se daria em até 90 dias, por voto secreto e maioria absoluta;
  • Prisão em flagrante de parlamentares também dependeria de confirmação secreta pelo plenário;
  • Presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso ganhariam foro privilegiado no STF.

A proposta, na prática, recriava — de forma ainda mais ampla — a chamada “imunidade processual” que existia até 2001, quando foi extinta pela Emenda Constitucional nº 35.

Reação da CCJ

O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), foi categórico ao afirmar que a medida representava um desrespeito à sociedade.

“Há mais de um mês, me posicionei contra essa PEC para preservar a credibilidade do colegiado e evitar que o Congresso se contaminasse com uma matéria dessa natureza.”

Outros senadores reforçaram o repúdio à proposta, muitas vezes recorrendo a termos duros:

  • Omar Aziz (PSD-AM) chamou o texto de “PEC da Picaretagem” e “PEC do Escudo da Corrupção”;
  • Eduardo Girão (Novo-CE) disse que os deputados “erraram na mão” ao aprová-la na Câmara;
  • Fabiano Contarato (PT-ES) pediu o sepultamento “por unanimidade” da medida, classificando-a como um escárnio;
  • Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou que a proposta criava um verdadeiro “muro de impunidade” entre a classe política e o povo brasileiro.

“Essa PEC não é de esquerda, de direita ou de centro. É um absurdo para o país”, — resumiu o senador Carlos Portinho (PL-RJ).

Críticas à legitimidade e ao contexto

Em seu voto, Alessandro Vieira sustentou que a PEC não buscava proteger a atividade parlamentar, mas sim blindar políticos envolvidos em crimes graves:

“Sob aparência de constitucionalidade, o que se pretende é blindar autores de crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Isso configura claro desvio de finalidade e, portanto, inconstitucionalidade.”

O senador destacou ainda que a própria tramitação da proposta na Câmara foi tumultuada, o que já motivou questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Pressão popular e resposta política

O tema mobilizou forte reação da opinião pública, com manifestações de especialistas, imprensa e sociedade civil. O próprio senador Jorge Seif (PL-SC) retirou pedido de voto em separado alegando pressão popular.

O ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) também reforçou que a aprovação da proposta significaria um retrocesso inaceitável:

“Não podemos retroceder. Essa mudança da Constituição de 2001 foi um avanço que permitiu que processos contra políticos tivessem prosseguimento. Aprovar essa PEC seria um retrocesso inaceitável.”

Próximos passos

Apesar da rejeição na CCJ, o compromisso firmado entre Otto Alencar e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, garante que o texto será apreciado em Plenário ainda hoje. A expectativa é que a rejeição se confirme de forma definitiva.

Enquanto isso, alguns senadores aproveitaram a sessão para cobrar pautas correlatas, como a PEC 71/2023, que busca acabar com o voto secreto em todas as deliberações legislativas, e até a instalação de uma CPI para investigar o Judiciário, proposta defendida por Rogério Marinho (PL-RN).

Contexto histórico

A rejeição da PEC 3/2021 reafirma uma decisão tomada em 2001, quando o Congresso decidiu limitar a imunidade processual parlamentar justamente para evitar que mandatos se transformassem em refúgio de impunidade.

A tentativa de restabelecer tal mecanismo em 2021 mostra como, em determinados momentos, parte da classe política busca recuperar privilégios já considerados superados. A reação firme e unânime da CCJ, porém, indica que a pressão popular e a consciência institucional continuam sendo barreiras importantes contra retrocessos democráticos.

👉 Comentário: A cobertura desse episódio mostra um raro momento de unidade no Senado, em que partidos de diferentes espectros políticos se alinharam contra uma proposta considerada nociva. A rejeição imediata na CCJ e a expectativa de repetição do resultado em Plenário revelam não apenas a força da mobilização popular, mas também o peso simbólico de proteger a imagem do Legislativo em tempos de forte desconfiança pública.

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