Magistrado alega, na decisão, que chefe da Fundação Palmares ‘ofende’ a população negra, a quem deveria defender.
O juiz federal substituto Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal de Sobral (CE), suspendeu o ato de nomeação do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, alvo de críticas por declarações contrárias ao movimento negro. O magistrado atende pedido em ação civil pública contra União, que questionava os critérios de nomeação do jornalista ao cargo.
De acordo com o magistrado, a nomeação ‘contraria frontalmente os motivos determinantes para a criação’ da Fundação Palmares e põe a instituição ‘em sério risco’, visto que a gestão pode entrar em ‘rota de colisão com os princípios constitucional da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira’.
“Em face do todo o exposto acolho, em juízo de cognição sumária, típica à espécie, os argumentos trazidos pela parte autora, razão pela qual suspendo os efeitos do Ato 2.377, de 27 de novembro de 2019, da lavra do ministro-chefe da Casa Civil tornando sem efeito a nomeação do senhor Sérgio Nascimento de Camargo para o cargo de Presidente da Fundação Cultural Palmares”, decretou o magistrado.
A nomeação integra pacote de mudanças promovidas pelo novo secretário especial da Cultura, Roberto Alvim. O presidente Jair Bolsonaro afirmou ter dado carta branca ao secretário e disse que a cultura a tem de estar ‘de acordo com a maioria da população’.
A Advocacia-Geral da União, que defende o Planalto no caso, afirmou que ainda não foi notificada da decisão, mas irá recorrer ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) para derrubar a liminar.
Publicações
Nos autos, o juiz Emanuel Guerra afirma que não busca fazer qualquer ‘análise pessoal’ sobre o ministro-chefe substituto da Casa Civil responsável pela nomeação de Camargo, Fernando Wandscheer de Moura Alves, nem ao próprio presidente da Fundação Palmares.
“A análise, ao contrário, será limitada à existência de indícios ou provas que apontem para o possível desvio de finalidade no ato de nomeação ou no não atendimento ao interesse público em decorrência desta, evidenciado por manifestações apresentadas pelo Presidente nomeado, antes da sua indicação para ocupar o cargo e também de acordo com suas manifestações nestes autos”, afirmou.
De acordo com Emanuel Guerra, Camargo cometeu ‘excessos’ em publicações nas redes sociais. Em seu perfil no Facebook, o presidente da Fundação Palmares declarou que a escravidão foi ‘benéfica para os descendentes’, defendeu a extinção do feriado da Consciência Negra e e atacou personalidades como a ex-vereadora do Rio Marielle Franco e a atriz Taís Araújo.
“Menciono, a título ilustrativo, declarações do senhor Sérgio Nascimento de Camargo em que se refere a Angela Davis como ‘comunista e mocreia assustadora’, em que diz nada ter a ver com ‘a África, seus costumes e religião”, que sugere medalha a ‘branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo’, que diz que ‘é preciso que Mariele morra. Só assim ela deixará de encher o saco’, ou que entende que ‘Se você é africano e acha que o Brasil é racista, a porta da rua é serventia da casa’, anota o magistrado.
O juiz se negou a reproduzir outras publicações por serem ‘frontal ataque às minorias cuja defesa, diga-se, é razão de existir da instituição por ele presidida’.
“De tudo o que se disse acima resta evidenciado que a nomeação do senhor Sérgio Nascimento de Camargo para o cargo de Presidente da Fundação Palmares contraria frontalmente os motivos determinantes para a criação daquela instituição e a põe em sério risco, uma vez que é possível supor que a nova Presidência, diante dos pensamento expostos em redes sociais pelo gestor nomeado, possa atuar em perene rota de colisão com os princípios constitucional da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira”, afirma.
‘Racismo nutella’
No perfil de Sérgio Camargo no Facebook, o jornalista e novo presidente da Fundação Palmares afirmou que o ‘Brasil tem racismo nutella’.
“Racismo real existe nos EUA. A negrada [sic] daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, escreveu. Em outra publicação, Camargo defende o fim do feriado do Dia da Consciência Negra, lembrado todo dia 20 de novembro.
“O Dia da Consciência Negra é uma vergonha e precisa ser combatido incansavelmente até que perca a pouca relevância que tem e desapareça do calendário”, declarou.
Nas redes sociais, o presidente da Fundação Palmares se apresenta como ‘negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto’.
Fundação Cultural Palmares:
A reportagem entrou em contato com a Fundação Cultural Palmares e aguarda manifestação. O espaço está aberto a manifestações (paulo.netto@estadao.com).
Gabinete da Casa Civil:
“Cada pasta possui autonomia para propor o provimento de cargos e funções. A Casa Civil somente é responsável pelo ato formal da nomeação”.
Advocacia-Geral da União:
A Advocacia-Geral da União informa que ainda não foi intimada da decisão que suspendeu a nomeação do sr. Sérgio Camargo para o cargo de presidente da Fundação Zumbi dos Palmares. Contudo, a instituição já estuda o recurso cabível que irá apresentar com vistas à manutenção do ato.