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Pais podem importar substância extraída da Maconha para tratamento de filha que sofre de doença grave

O juiz federal Bruno César Bandeira Apolinário, da 3ª Vara da Seção Judiciária do DF (SJDF), antecipou os efeitos da tutela do caso da criança Anny de Bortoli Fischer, de apenas 5 anos, acometida de uma doença rara e muito grave, decorrente de mutações no gene CDLK5, denominada encefalopatia epiléptica infantil precoce tipo 2.

Anny sofre com crises convulsivas devido à enfermidade, mesmo já tendo passado por uma cirurgia para implante de marca-passo no nervo vago. A criança chegou a sofrer 80 convulsões por semana, conforme relatou nos autos o médico Wagner Afonso Teixeira, neurologista da Universidade de São Paulo. “Exauridas as terapias convencionais para a debelação das reiteradas crises convulsivas (…), decidiram os pais recorrer a um tratamento alternativo com o uso do Canabidiol, substância extraída da planta Cannabis Sativa, popularmente conhecida como maconha, em face das notícias veiculadas na literatura especializada sobre a eficácia dessa substância no controle dos sintomas da doença”, trecho da decisão.

No relatório, o neurologista confirma que a paciente apresentou melhora expressiva após a administração do medicamento feito à base do Canabidiol, chegando a se ver praticamente livre das crises convulsivas. “Com o sucesso da experiência, considerada pela genitora da paciente um milagre, o médico Wagner Teixeira recomendou a manutenção do medicamento, advertindo que sua retirada pode implicar o retorno das crises motoras e, consequentemente, a exposição da autora ao risco de morte”, parte extraída da decisão.

O problema é que o medicamento em questão não pode ser comercializado ou utilizado no Brasil, pois não está registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão detentor da atribuição de realizar o controle dos medicamentos em uso no território brasileiro. Com esse cenário, a autora da ação vem “se utilizando da substância de forma clandestina, ainda que com o devido acompanhamento médico, graças à iniciativa dos seus pais de importar o medicamento dos Estados Unidos e de internalizá-lo no território brasileiro sem o conhecimento das autoridades sanitárias. Porém, na última tentativa de importação da substância, a encomenda foi retida pela Anvisa para análise técnica”, narra o magistrado.

O juiz federal Bruno César adverte que “não se pretende com a presente demanda fazer apologia do uso terapêutico da Cannabis Sativa, a maconha, no tratamento da encefalopatia epiléptica infantil precoce tipo 2, menos ainda da liberação de seu uso para qualquer fim em nosso país”.

De acordo com o parecer elaborado pelo Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, de autoria do psiquiatra Antonio Zuardi, o Canabidiol, cuja importação se pretende, é apenas um dos 80 canabinóides presentes na Cannabis Sativa, precisamente aquele que não produz os efeitos típicos da planta (euforia, despersonalização, distorção sensorial, alucinações, delírios), que são resultantes, em verdade, de outro canabinóide, o Delta-9-Tetrahidrocanabinol (THC).

Na decisão, o juiz federal ressalta não haver “razões para criticar a atuação da Anvisa, pois, diante da circunstância de se tratar de importação de medicamento desconhecido no mercado brasileiro, não se poderia exigir da agência responsável pela vigilância sanitária conduta diversa da que adotou, num primeiro momento, com a retenção do produto, cautelarmente, para a colheita de informações que permitissem a conclusão sobre a possibilidade de liberação do medicamento para uso interno sem risco ao destinatário”.

Contudo, continua o magistrado em sua decisão, “uma vez esclarecido o grave estado de saúde da paciente a quem o medicamento se destina e demonstrada a premência da autora na sua obtenção com vistas à preservação dos ganhos obtidos até aqui com sua administração, inclusive com a drástica redução do risco de morte, entendo que não há justificativa para a permanência da retenção do produto pela Anvisa”.

Dessa forma, ficou determinado que a Agência se abstenha de impedir a importação, pela autora, da substância Canabidiol, sempre que houver requisição médica.