O consentimento da criança ou adolescente, ou o fato de ela exercer a prostituição, não descaracteriza o crime de submissão à prostituição ou exploração sexual previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para restabelecer a condenação de dois homens por submeterem adolescente de 15 anos à prostituição.
Em 2002, o proprietário e o gerente de uma boate, localizada em Westfália (RS), foram denunciados pela prática do crime previsto no artigo 244-A do ECA (Lei 8.069/90): submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual.
Em primeira instância, eles foram condenados à pena de quatro anos e nove meses de reclusão, em regime fechado. Contra essa decisão, a defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que absolveu os réus, com fundamento na anterior redação do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (CPP): não existir prova suficiente para a condenação.
Segundo aquele tribunal, para a caracterização do crime de submissão de menor à prostituição, é necessário que haja conduta comissiva dos réus no sentido de impor a prática sexual à vítima, mediante pagamento. O tribunal considerou as provas de que a menor, com 15 anos na data em que fazia programas na boate, exercia por vontade própria a prostituição desde os 12 anos de idade e que, depois da prisão dos acusados, continuou fazendo programas.
Incapacidade de escolha
O Ministério Público estadual interpôs recurso especial no STJ sustentando que, para configurar o crime previsto no artigo 244-A do ECA, não é necessário que a vítima se oponha aos atos de coerção ou submissão, uma vez que o estatuto protetivo já pressupõe sua hipossuficiência volitiva, a ensejar maior tutela estatal.
Argumentou que o Acórdão expressamente afirmou que os acusados mantinham estabelecimento comercial, onde propiciavam condições para a prostituição da menor, caracterizando os elementos constitutivos do crime.
A relatora do recurso especial, ministra Laurita Vaz, explicou que “o núcleo do tipo – ‘submeter’ – não exige que o sujeito ativo afronte a vítima com a possível utilização da força, para que ela seja submetida à prostituição ou à exploração sexual. Até porque, se fosse esse o caso, estar-se-ia diante do crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, no qual o constrangimento à conjunção carnal é feito ‘mediante violência ou grave ameaça’”.
Em seu entendimento, o fundamento de que a adolescente já exercia anteriormente a prostituição como meio de vida não exclui a tipificação do delito. “O bem juridicamente tutelado é a formação moral da criança ou do adolescente, para proteger a peculiar condição da pessoa em desenvolvimento”, disse a ministra.
Ela citou posicionamento do ministro Arnaldo Esteves Lima no julgamento de outro recurso especial referente ao mesmo caso: “É irrelevante o consentimento da vítima, que contava com 15 anos na data dos fatos, uma vez que a ofendida não tem capacidade para assentir.”