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Ophir: Senado Federal ou ilha da fantasia?

O artigo “Senado Federal ou ilha da fantasia? é de autoria do Diretor-tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Filgueiras Cavalcante Junior e foi publicado hoje (16) no jornal Correio Braziliense:

“A quebra ou não do decoro parlamentar pelo senador Renan Calheiros deixou de ser tema da economia interna do Senado, passando à opinião pública, que não mais tolera os arranjos, as trapalhadas, a chicana (renúncia de presidentes da Comissão Ética; renúncia e desconvite de relatores; devolução do processo à Mesa do Senado e desta à Comissão de Ética) que se está fazendo para postergar o início de um procedimento ético cujo objetivo será cassar ou não o presidente do Senado Federal.

Vivemos em um mundo carente de moralidade pública, com reflexos no campo da moral privada. As pessoas que deveriam servir de paradigma, aquelas que ocupam relevantes cargos públicos, nos surpreendem de forma negativa com atitudes que jamais pensávamos ver. Verdadeiras óperas-bufas vêm sendo protagonizadas por senadores da República com o intuito de preservar os mandatos do denunciado, esquecendo que todos que ali são, ou deveriam ser, representantes do povo brasileiro.

Os senadores, por conveniência, conivência ou covardia, estão participando de espetáculo de mau gosto, como se vivessem em uma ilha isolada do mundo, onde a palavra ética é puro exercício de retórica. O que dizer aos filhos, aos familiares e aos que lhes outorgaram o mandato, de estarem protegendo senadores que perderam, na opinião do povo brasileiro, a condição moral para se manter no Senado?

Não podem ficar reféns do corporativismo, na acepção mais pejorativa que essa palavra possa ter. Precisam reagir, mostrar à sociedade em geral que o cargo de senador da República é uma honra; uma referência de seriedade, devendo ser exercido por quem seja verdadeiramente honesto e que tenha, em suas atitudes, compromisso com essa mesma sociedade.

O senador Renam Calheiros por ter faltado com o decoro ao exibir documentos fiscais de negócios não realizados, com o objetivo de demonstrar possuir lastro para honrar a pensão alimentícia devida a uma filha fora do casamento e, com isso, afastar a acusação de que estava sendo patrocinado por uma empreiteira, não tem condições morais de permanecer no Senado. Deve-se, imediatamente, não só se dar início ao processo para apuração das infrações, mas também que as apurações sejam sérias, acompanhadas pela sociedade através da imprensa.

As manobras do senador Renam Calheiros agridem a todos nós por serem mais uma cena, mais uma produção, como se estivesse interpretando um personagem da ilha da fantasia ou dum circo, onde os palhaços somos nós, que pagamos todas as mordomias que usufrui e das quais não quer se afastar.

O Legislativo já foi palco de cenas quase tão dantescas e tão agressivas à moral quanto as que agora estamos assistindo, mas naquelas outras ocasiões nenhum senador ousou desafiar a importância para o Estado democrático de direito da entidade Senado Federal. Sempre houve uma reação dos demais componentes para preservar a integridade moral da Casa, o que, somente depois do clamor popular, se começa a ver nesse caso.

Ao mesmo tempo, não se consegue entender que uns sejam tratados de forma diferente de outros, em franco desrespeito ao princípio da isonomia contido na Constituição Federal. Explica-se: se um cidadão comum for flagrado tentando enganar o Fisco, imediatamente é alvo de rigorosa investigação pelas receitas estadual ou federal e do Ministério Público, quando esse cidadão é o presidente do Congresso Nacional, recai sobre o fato um silêncio sepulcral, como se investigar fosse crime de lesa-pátria.

O pacto silencioso de conveniências e de conivências está desacreditando não só Senado da República, mas também as instituições responsáveis pela apuração. Será que elas, no caso Calheiros, vão ficar esperando a absolvição do Senado para justificar a não investigação?