O trabalho prestado por menores à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), por meio de convênio firmado com entidades assistenciais, é legal, tendo em vista a natureza sócio-educativa das atividades exercidas pelos adolescentes, cujos programas sociais encontram amparo na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). A decisão foi tomada pela unanimidade dos integrantes da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho que, acompanhando o voto do ministro Renato de Lacerda Paiva, não conheceu de recurso do Ministério Público do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins).
A decisão diz respeito a uma ação civil pública ajuizada pelo MPT em abril de 1999, questionando a legalidade da contratação de menores pela ECT. A ação baseou-se na denúncia feita por um promotor de justiça da cidade de Miracema (TO), que acusou a ECT de utilização irregular de mão-de-obra de adolescentes na qualidade de “menores aprendizes”. A partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, a idade mínima para o trabalho passou a ser de 16 anos, permitido o trabalho de maiores de 14 anos apenas na qualidade de aprendiz.
Instaurado procedimento investigatório, a ECT defendeu a legalidade do programa apontando seu cunho social em benefício de menores carentes. Justificou o pagamento de meio salário mínimo alegando que a duração do trabalho é a metade da estabelecida para cálculo do salário mínimo legal. Segundo o Ministério Público, ficou comprovado que não se tratam de menores aprendizes, não havendo justificativa legal para o pagamento de meio salário mínimo, ainda que a jornada seja reduzida.
“Com a justificativa de promover um programa voltado para o menor carente, a ECT tem se beneficiado de mão-de-obra barata e sem concurso público”, destacou o MPT. “Qual a justificativa legal para se utilizar de mão-de-obra barata de adolescentes, quando pais de família sofrem com o desemprego?”, indagou o Ministério Público do Trabalho. Ainda segundo a denúncia do MPT, que defende a extinção do programa, a ECT mantém em seus quadros cerca de sete mil trabalhadores mirins, o que significa 10% da força total de trabalho da empresa, “que recebem salário ínfimo e com a qual a empresa só tem dois anos de responsabilidade”.
De acordo com a peça judicial, ainda que a ECT ajustasse sua conduta pagando aos adolescentes salário igual ao dos empregados adultos, persisitiria uma ilegalidade de natureza constitucional: a ausência de concurso público. Em contestação, a ECT afirmou que o programa de contratação de menores é destinado a adolescentes oriundos de famílias de baixa renda com objetivo de retirar da ociosidade das ruas os menores carentes, encaminhando-os a uma atividade benéfica.
Alegou que o ingresso dos adolescentes no programa ocorre por meio de instituições filantrópicas legalmente constituídas e conveniadas com a ECT, obedecendo os seguintes requisitos: renda familiar de até três salários mínimos, idade mínima de 16 anos e comprovação de freqüência no ensino regular, a partir da 5ª série. Disse, também, que a jornada de quatro horas diária de trabalho é compatível com o horário escolar.
Quanto à forma de remuneração, alegou que os adolescentes ganham 50% do salário mínimo em espécie, mais vale transporte, vale-cesta alimentação, uniforme, assistência médica e odontológica nos ambulatórios internos da ECT e atendimento de saúde na rede credenciada da empresa, em caso de acidente de trabalho. Afirmou que as instituições conveniadas recebem uma taxa de administração e o repasse de todos os encargos sociais devidos aos adolescentes.
Por fim, ressaltou que o programa de contratação de menores foi premiado pela Fundação Abrinq, na categoria “Direitos da Criança e do Adolescente”, como uma “Empresa Amiga da Criança”, premiação que conta com o apoio da Unicef. A 15ª Vara do Trabalho de Brasília julgou a ação improcedente. “O programa de apoio ao menor carente, ao inseri-lo na aprendizagem do mercado de trabalho, possui grande relevância social, mesmo porque o Estado, em seu sentido estrito, não vem cumprindo seu dever constitucional de garantir o direito social à educação”, destacou a sentença.
O MPT recorreu da decisão, insistindo que o programa desenvolvido pela ECT não atende aos requisitos legais da aprendizagem e que os adolescentes exercem atividades típicas de adultos, suprindo a falta de pessoal de apoio. Combateu, ainda, a contratação de mão-de-obra sem a realização de concurso público. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região manteve a decisão. Segundo o Acórdão, “dentre os objetivos fundamentais da República está a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais”.
“A valorização do trabalho e da livre iniciativa insere-se como um dos fundamentos do Estado democrático de direito. Nesse compasso, sendo dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização, dentre outros, ostentam validade convênios celebrados por empresa pública e entidades assistenciais destinados a conceder a adolescentes carentes frentes de trabalho”, registrou o Acórdão do TRT.
A discussão chegou ao TST por meio de recurso de revista. De acordo com o voto do ministro Renato Paiva, a contratação feita pela ECT ocorreu dentro dos parâmetros legais. “O TRT reconheceu a celebração válida de convênios destinados a fomentar a profissionalização de adolescentes carentes, a qual encontra amparo na Lei nº 8.069/90. Por esta razão, concluiu não ser a hipótese de provimento de emprego público, sem a realização de concurso”, afirmou o relator.
Segundo o ministro Renato Paiva, o TRT considerou que, embora a ECT se beneficie dos serviços, não há como reconhecer que se trata de vínculo empregatício, até porque os adolescentes foram contratados pelas entidades assistenciais responsáveis, que pagam a remuneração e demais vantagens, assumindo os encargos trabalhistas e previdenciários.
O TRT, de acordo com o relator, considerou comprovado o cunho sócio-educativo do programa, levando em conta, dentre outros, o documento, constante nos autos, de reconhecimento, pela Fundação Abrinq, de que o programa atendeu às garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda, o fato de as atividades externas terem sido autorizadas pela Vara de Infância e Juventude.