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Importância para a formalização das relações comerciais entre os homens

Um dos meios mais eficientes de circulação de riquezas. O presente trabalho trata do estudo dos contratos atípicos, particularmente do preenchimento das lacunas geradas pela ausência de informações relativas às regras aplicáveis sobre a matéria, no novo Código Civil de 2002.

  1. Introdução
    2. Histórico e Conceito
    3. Classificação
    4. Exegese no novo Código Civil.
    5. Propostas de emendas.
    6. Conclusão

1. Introdução

Os contratos representam a formalização das relações comerciais entre os homens. Sem embargo, é um dos meios mais eficientes de circulação de riquezas. Hodiernamente, como é de iterativo conhecimento, a velocidade de comunicação e divulgação da informação representa relevante importância para o sucesso e eficiência dos contratos. Mencionada velocidade depende, sobretudo, das novas tecnologias de informação. O presente trabalho trata do estudo dos contratos atípicos, particularmente do preenchimento das lacunas geradas pela ausência de informações relativas às regras aplicáveis sobre a matéria, no novo Código Civil de 2002.

O histórico, o conceito doutrinário e a análise da complexa classificação sobre a tipologia dos contratos atípicos inauguram o presente. A dialética sobre a necessidade de utilização de princípios e cláusulas gerais que delimitam e norteiam o polêmico tema, já no novo diploma legal, integram a parte central do presente.

O advento da lei n. 10.406, de janeiro de 2002, exige uma análise detalhada das funções e das correspondentes conseqüências das aplicações dos princípios e cláusulas gerais balizadores dos contratos atípicos, sobremaneira: a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva.

A reflexão sobre a proporção ou adequação da regulamentação e a correspondente necessidade de aplicação de princípios e cláusulas gerais, como os citados anteriormente, provoca compulsoriamente relevantes e produtivos debates. Assim, por exemplo, o paradoxo sobre o grau de importância da obediência à função social do contrato, em confronto com a liberdade contratual; a justificativa da presença da boa-fé objetiva, na fase anterior ao fechamento do negócio, em sua execução, na produção continuada dos seus efeitos, bem como, na fase pós-contratual; a extensão da aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva consagrado pela teoria da imprevisão, inserida na legislação pátria pelo novel Código Civil, incluindo a interpretação da correspondente aceitação jurisprudencial dos egrégios tribunais brasileiros, não poderiam se ausentar de relevante debate.

A análise, ainda que superficial, sobre a exegese, de tão polêmico tema, encontrada no novo diploma legal de 2002, particularmente sob o aspecto do grau de inovação e aproveitamento do legislador, da oportunidade impar de positivar legalmente os antigos e legítimos anseios da comunidade jurídica, e da sociedade em geral, enriquece o presente estudo.

Por fim, julgou-se oportuno a apresentação de efetivas propostas de emendas, às redações dos atuais dispositivos presentes no novo diploma legal, para as quais se espera aceitação e a mais ampla divulgação, não apenas pelos meios tradicionais de informação, mas sobretudo, pelas novas formas introduzidas pela tecnologia da informação.

2. Histórico e Conceito

Os usos e costumes das sociedades onde nasceram delimitavam os primeiros contratos, que, certamente eram informais. Para os romanos os contratos que não figurassem expressamente no rígido sistema de Direito dos Quirites, não gozavam de proteção jurídica e eram chamados de pactos. Tal situação persistiu entre os romanos até a época do Imperador Justiniano.

O progresso, as inovações tecnológicas e as necessidades socioeconômicas forjaram o nascimento de várias espécies de contratos, algumas difíceis de serem regulamentadas representando o diverso e imprevisível cotidiano das relações humanas. Neste contexto evolutivo natural, a liberdade de contratar antecedeu o princípio da autonomia da vontade, que na esfera contratual revolucionou os meios jurídicos e amenizou os excessos de formalismo, herdados dos costumes romanos. Consolidou-se, destarte, um princípio geral, segundo o qual, quando duas pessoas contratavam obrigações mútuas e uma delas cumpria a sua, emergia, simultânea e naturalmente para a outra, a obrigação de contra prestar, devendo cumprir a sua parte da mesma obrigação.

O contrato inominado originou-se da condictio ob rem dati (ob causam datorum) ou causa data, causa non secuta do Direito Romano, que era uma ação destinada a obter a restituição do que se dava a outra parte, no cumprimento do contrato, que podia se estender àquela, em que ocorria doação, configurando assim os primeiros abrandamentos do rígido sistema romano, conferindo aos pactos força de contratos .

Lecionam os mais autorizados doutrinadores que a liberdade de contratar abriu novos horizontes às pessoas, que, por força das circunstâncias foram naturalmente criando novos contratos, conforme suas necessidades, ampliando assim, o elenco de convenções inéditas, paralelamente aos contratos tradicionais. Decorre de mencionadas lições, também, que a força contratual nasce do poder de uma das partes exigir da outra, o implemento de uma obrigação, desde que tenha cumprido a sua. Infere-se ainda que as obrigações integram a parte essencial dos contratos, a ponto de determinar sua natureza jurídica. Com efeito, pode-se definir obrigação como sendo a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, e deve cumprir determinada prestação pessoal positiva, ou negativa, cujo eventual inadimplemento enseja o credor a executar o patrimônio do devedor, a fim de satisfazer seu interesse .

Observa-se a necessidade de, ao aplicar a terminologia nominados ou inominados aos contratos, deve-se fazê-lo com a devida ressalva da doutrina, pois, muitas vezes, o contrato tem nome, no ambiente de sua utilização, e não é considerado nominado, em razão de não se encontrar devidamente regulamentado em lei. É preferível a referência aos contratos como típicos e atípicos, até porque os primeiros ajustam-se, ao contrário dos atípicos, em qualquer dos tipos contratuais estabelecidos em lei. O Código Civil italiano, por meio de seu artigo 1.322 §2º define, como inominados ou atípicos, todos os contratos que ainda não pertencem aos tipos que possuem disciplina particular, desde que realizem interesses merecedores de proteção pelo ordenamento jurídico.

Na dicção de Silvio Rodrigues nominados ou típicos são os contratos aos quais a lei dá denominação própria e submete a regras que pormenoriza. Por seu turno, são considerados inominados ou atípicos aqueles que a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude do princípio da autonomia privada. Surgem na vida cotidiana impostos pela necessidade do comércio jurídico.

A abundante diversidade da possibilidade de contratar dificulta a regulamentação das formas contratuais, originando, por conseqüência, o criativo e fértil exercício das partes no campo da liberdade, que se espera, condicionada a determinados princípios, a fim de não escravizar o homem, mas sim, garantir o equilíbrio e harmonia entre as relações sociais. A denominação doutrinária atribuída aos contratos não regulamentados por legislação específica, não nos parece a mais adequada. A razão preliminar e principal desta discordância fundamenta-se no termo inominados em virtude do fato que todas as espécies contratuais possuem nomes. Assim referidos contratos serão, por convenção, denominados de contratos atípicos.

Com efeito, contratos atípicos são aqueles não disciplinados pelo Código Civil ou qualquer outra legislação extravagante. Objetivamente carecem de regulamentação específica. Em nosso sistema, a fim de preencher as lacunas criadas em decorrência de mencionada ausência, a doutrina e a jurisprudência se utilizaram de princípios ou cláusulas gerais, expressamente introduzidos no novo Código Civil de 2002, com as seguintes denominações e artigos correspondentes: o da boa-fé objetiva, art.422; da função social do contrato, art. 421; e da vedação à onerosidade excessiva, art. 478.

Nesse diapasão sirva-nos de amparo a lição de Álvaro Villaça Azevedo , quando observa a importância da vontade dos contratantes na aplicação dos contratos atípicos, devendo as partes se acautelar na fixação das normas contratuais, principalmente pelo fato de não haver regulamentação legal, a fim de fazerem valer as mesmas, desde que não contrariem os princípios gerais de direito, os bons costumes e as normas de ordem pública.

3. Classificação

Tarefa das mais difíceis é a classificação dos contratos atípicos. A doutrina tem se mostrado tolerante às teses apresentadas, em reconhecimento ao esforço exercido pelos jurisconsultos de nível internacional. O tema é tão relevante que tem sido debatido no plano internacional gerando propostas científicas dignas de reflexão no mundo jurídico.

Francesco Messineo classifica os contratos atípicos em contratos inominados em sentido estrito, ou puro. Inclui entre eles aqueles que contenham conteúdo completamente estranho aos tipos legais, por exemplo, contrato de garantia, e aqueles que contenham apenas alguns elementos estranhos aos legais. Sem embargo, outros, com função prevalente, são legais, como, por exemplo, o contrato de bolsa simples. Outro tipo considerado por Messineo são os contratos inominados mistos, formados por elementos legais, todos conhecidos e dispostos em combinações distintas considerando-se várias figuras contratuais nominadas, podem estar entre si em relações de coordenação ou subordinação. Considerada esta última, segundo o autor italiano, a variação é mais numerosa, e é composta por contratos unitários. Por fim, Messineo apresenta também uma sistematização elaborada por Ludwing Enneccerus e acrescida por contribuições de Heinrich Lehmann, que de acordo com o autor italiano é a classificação mais rigorosa original e mais aceita. Na atividade empresarial são classificados, entre outros, como atípicos os contratos de publicidade, o de hospedagem, o de cessão de clientela, a joint venture, etc.

Na lição de Orlando Gomes , contrato misto é aquele que decorre da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na lei. Caracteriza-os a unidade de causa. Segundo o autor baiano os contratos atípicos são subdivididos em: contratos atípicos propriamente ditos e contratos atípicos mistos. Os contratos atípicos propriamente ditos, consoante a ótica doutrinária são definidos como aqueles ordenados para atenderem a novos interesses. Não são disciplinados especificamente na lei, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem, livremente, sem terem como paradigma qualquer padrão contratual pré-estabelecido.

Para Álvaro Villaça Azevedo a mesma classificação corresponde aos contratos atípicos singulares, que define como figuras atípicas individualmente consideradas. Preleciona que os contratos atípicos mistos formam um conjunto de várias avenças que se somam e que se integram de modo indissociável, não tendo cada qual vida própria; é, portanto, uma contratação única, complexa e indivisível. Apresentam-se com contratos ou elementos somente típicos; com contratos ou elementos somente atípicos e com contratos ou elementos típicos e atípicos. Já os contratos coligados na ótica do mesmo autor, são dois ou mais contratos que guardam sua individualidade própria sendo compostos de várias contratações autônomas, mas ligadas por um interesse econômico específico.

4. Exegese no novo Código Civil

As denominadas cláusulas gerais surgiram nas codificações modernas, a fim de flexibilizar a rigidez dos antigos códigos, elaborados por formação casuística e acompanhados por compulsória aplicação do método da subsunção. Outra relevante função das cláusulas gerais, na esfera contratual, é a de delimitar o exercício dos direitos subjetivos. Destarte, a efetiva aplicação dos mencionados princípios gerais de direito contratual, acrescidos ao advento destas verdadeiras cláusulas gerais autorizam o operador do direito, o magistrado em especial, a utilizar-se da flexibilidade necessária na aplicação do caso concreto, diante de alterações fáticas incidentais e supervenientes, introduzidas ao longo das relações contratuais. Consideradas por alguns autores como verdadeiras cláusulas gerais, a inclusão destas no Código Civil de 2002 permitiu, efetivamente, ao magistrado a aplicação da solução a cada caso concreto, considerando-se não apenas conceitos e princípios dispostos no próprio Código, mas também os de outros sistemas, como os presentes na Constituição Federal vigente e nas inúmeras leis esparsas, modernamente denominadas de microssistemas.

Verifica-se certo consenso doutrinário sobre a aplicação de determinados princípios gerais de direito contratual aos contratos atípicos, conforme determina o art. 425 do Novo Código Civil, entre eles a Função Social do Contrato (art. 421), a Boa-fé objetiva (art. 422) e a Vedação à onerosidade excessiva (art. 478).

O princípio da autonomia da vontade, acrescido dos princípios gerais de direito contratual, conforme previamente apresentados, fundamentam a celebração de contratos atípicos conforme dispõe a dicção do art. 425 do novo Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

A função social do contrato, inserida por meio do art. 421 na Lei n. 10.406/2002, que institui o novo Código Civil, determina que a liberdade de contratar seja exercida, em razão, e nos limites da função social do contrato. Considerada como verdadeira cláusula geral, a função social do contrato, consagrada no novo diploma legal, tem como função preliminar e principal limitar a liberdade contratual dos direitos subjetivos, a fim de garantir, preliminarmente, o cumprimento dos direitos coletivos. O contrato é a representação jurídica das operações econômicas, sua principal função é viabilizar a circulação de riqueza, efetiva ou potencial, tornando-se, portanto, matéria de interesse público, coletivo configurando a função social do contrato.

Miguel Reale , considerado o principal mentor do novo Código Civil brasileiro, atribui grande importância ao tema, e entende que referido dispositivo realça a função social do contrato, conseqüência natural da função social da propriedade: “A propriedade não é um direito absoluto, ela tem uma função social e uma função econômica, e é dentro dessa objetividade axiológica que se deve processar a interpretação do Direito. Não haveria como consolidar a função social da propriedade sem que, ao mesmo tempo, se consagrasse a função social do contrato”.

A boa-fé objetiva, contemplada no art. 422 do novo Código Civil trata-se também, conforme entendem renomados autores, de uma cláusula geral, modelo de conduta social. Nesta condição colabora para determinar o comportamento devido pelas partes contratantes, funcionando como limite ao exercício de direitos subjetivos.

Para Antonio Junqueira de Azevedo permanecem do Código anterior os princípios da liberdade contratual; a obrigatoriedade dos efeitos (o contrato faz lei entre as partes); a relatividade dos efeitos contratuais, não prejudica nem beneficia terceiros (res inter alios acta, allis nec nocet prodest nec). A vontade comum dos contratantes é o ponto central. Magistra Junqueira que a boa-fé objetiva, bem como, a solidariedade, são considerados, pelo novo diploma legal, como princípios sociais. Observa a deficiência do art. 422, comparando-o com os sistemas norte-americano e europeu, onde o princípio da boa-fé é considerado cogente, vale dizer, permite a opção de escolha aos contratantes de modelo padrão, no norte-americano, ou não, como ocorre no rigoroso sistema europeu.

Prossegue sua análise, Antonio Junqueira, considerando como falha do novo Código, a ausência de regulamentação sobre os contratos de franquia, de leasing e, principalmente, nenhuma regra sobre contratos coligados. Sublinha ainda, a ausência no art. 422, de disposição sobre comportamento pré-contratual, nem à fase anterior à conclusão, bem como, na fase pós-contratual. Cita um exemplo da importância da observância do princípio da boa-fé, inclusive na fase pós-contratual, que vale ser reproduzido, particularmente pelo caráter didático e esclarecedor sobre o tema. O fato ocorreu em uma cidade da Alemanha, onde uma pessoa vendeu um terreno e afirmou ao comprador que, de lá, teria a visão do vale, configurando como uma “vantagem” a situação topográfica do imóvel. Reforçou referida vantagem, o vendedor, afirmando que no imóvel em frente a seu terreno, do outro lado da rua, não era permitido edificações elevadas. O interessado comprou o terreno e construiu uma casa, que, reconheceu posteriormente o Tribunal alemão valia seis vezes o valor do terreno. O comprador estava muito satisfeito com aquela situação, até quando, o mesmo vendedor comprou o terreno em frente, foi à Prefeitura, obteve licença para a mudança do projeto de zoneamento e construiu naquele local um edifício suficientemente alto para atrapalhar a vista, do agora vizinho de frente. Apesar de haver terminado a transação de compra e venda, o comportamento do vendedor caracterizou evidente falta de boa-fé. Nos tribunais europeus a boa-fé é efetivamente exigida, também na fase pós-contratual. Conclui o professor Junqueira, posição com a qual concordamos integralmente, afirmando categoricamente não se tratar de interpretar o que foi dito, mas o que não foi dito, e demonstrando a importância da obediência ao princípio da função social do contrato, assim materializou o fato: “O contrato não é mais um átomo exclusivo dos contratantes, mas, sim, uma molécula, porque interessa a toda a sociedade”.

Giselda Hironaka considera a boa-fé objetiva, contemplada pelo Código Civil de 2002 como a mais célebre das cláusulas gerais. Entende-se por meio da boa-fé objetiva o que é fato, o que é psicológico, o que é virtude, o que é moral. Defende a presença do princípio vigilante do aperfeiçoamento do contrato, não só no patamar de existência, mas também nos planos de validade e de eficácia. Consoante Giselda Hironaka, a boa-fé deve estar presente nas negociações que antecedem à conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na conclusão e na sua interpretação, e deve, inclusive, prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário.

Baseado em texto elaborado durante a Idade Média, por Neratius, cujo conteúdo dispunha sobre a aplicação da teoria da condictio causa data causa non secuta, conseqüência da teoria romana conhecida como teoria da imprevisão, o princípio da vedação à onerosidade excessiva, determinava que o contrato devesse ser cumprido, baseado na imutabilidade das condições externas, presentes no ato da contratação. Havendo eventual alteração dessas condições dever-se-ia, proporcionalmente, alterar a execução do contrato.

Previsto pelo Código Civil de 2002, inserido na Seção IV, sob o título: “Da resolução por Onerosidade Excessiva”, o art. 478 consagra o princípio da vedação à onerosidade excessiva prevendo a resolução do contrato nos casos dos contratos de execução continuada ou deferida, quando a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá, o devedor pedir a resolução do contrato. Determina, ainda, referido dispositivo legal que os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Versão moderna da cláusula rebus sic stantibus, utilizada para amenizar o excessivo rigor francês, aplicado no princípio pacta sunt servanda, a teoria da imprevisão encontrou, no sistema pátrio, grande resistência em sua efetiva aplicação, particularmente por não haver disposição expressa na lei que a autorizasse. A jurisprudência nacional demonstra por inúmeros enunciados mencionada resistência. Assim, manifestou-se a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em parecer exarado por seu relator, Desembargador Djaci Falcão, que exigia para aplicação da referida teoria, fosse o evento modificador das circunstâncias iniciais do contrato “excepcional, extraordinário, imprevisto e imprevisível. Condicionava o nobre relator a aplicação da teoria da imprevisão à mudança extremamente sensível e chocante sobre o ambiente em que se formou a voluntas contrahentium” devendo cada caso ser examinado em si mesmo, no tempo e no espaço sob o critério da eqüidade. A teoria da imprevisão não foi aceita em decisões de casos de aumento de salário, de alta de custo de materiais ou de reajuste de preço, com resistência de aplicação confirmada pela admissibilidade de sua efetiva aplicação pela 5ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, sendo relator o Ministro Pedro Aciolli, manifestando-se pela excepcionalidade de sua aplicação.

Nesse diapasão mostrou-se pacífica a jurisprudência quanto a inaplicação da teoria da imprevisão no caso de inflação. Assim acolhendo a tese do Código Civil Italiano, o novo Código Civil brasileiro, por meio de seu art. 478 consagra, apesar da difícil aplicação demonstrada pela posição jurisprudencial de nossos tribunais, a teoria da imprevisão, perdendo a oportunidade de acolher simplesmente a vedação à onerosidade excessiva. Destarte, concorda-se com a posição adotada por Álvaro Villaça Azevedo quanto à suficiência da comprovação do desequilíbrio econômico do contrato, a fim de que ele possa ser modificado, em razão da simples ocorrência da onerosidade excessiva.

A posição doutrinaria majoritária é pela aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, apenas nos contratos comutativos, conforme consta do texto do art. 478 do Código Civil vigente. Dentre outros, os principais requisitos necessários para a aplicação de referido princípio são: contrato de execução diferida ou sucessiva; alteração substancial das condições econômicas no momento da execução comparando-se com as presentes no momento da celebração; onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem excessiva para o outro, e imprevisibilidade daquela modificação.

A efetiva aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, decorrência da teoria da imprevisão tornou-se relevante quanto mais se verificou a importância que a implicação do desequilíbrio na economia do contrato afeta o conteúdo da juridicidade, apesar da resistência apresentada pelos tribunais pátrios, como se verificou anteriormente, em razão de ausência de disposição expressa na lei que a autorizasse. Vale observar que sua aplicação está vinculada, como determina o próprio dispositivo legal do novo Código Civil, aos contratos de execução diferida, definidos como aqueles que dependem de evento futuro. Nestes tipos é imprescindível a existência de um hiato temporal que se inicia no momento da contratação e vai até o efetivo cumprimento da obrigação, pois é quando deve ocorrer o fato excepcional imprevisível e estranho ao ambiente da negociação, no momento da efetiva contratação. Mencionado fato deve acarretar prejuízo excessivo a uma das partes, com explicita e extrema vantagem para a outra, ensejando seu enriquecimento ilícito. Verifica-se nesses casos a flagrante quebra do equilíbrio contratual, ensejando afetação no conteúdo jurídico do contrato.

5. Propostas de emendas

Previstos e aceitos pela doutrina e jurisprudência pátria, os contratos atípicos foram, efetivamente positivados pelo novo Código Civil. Inovou o diploma legal de 2002 ao contemplá-los, falhou, a nosso ver, o legislador ao abordar o tema de forma tímida e superficial, perdendo a oportunidade de especificar normas de funcionamento e aplicação. Referiu-se o legislador expressamente aos contratos atípicos apenas no conteúdo do art. 425, conferindo-lhes a seguinte redação:

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

Percebe-se pela leitura preliminar do texto, a insuficiência da abordagem ao controvertido tema. Por um lado verifica-se a indefinição da licitude conferida às partes, que desejarem estipular contratos atípicos, por outro, a fragilidade e imprecisão, formal e quantitativa, atribuída às normas gerais fixadas no dispositivo legal. Delegou o legislador, a responsabilidade para apontar e definir as anunciadas normas à hermenêutica jurídica.

Referidos princípios, ou cláusulas gerais, devem funcionar como instrumentos balizadores da liberdade contratual quando aplicados nos contratos atípicos, a fim de impedir arbítrios, abusos e, principalmente, o desequilíbrio entre as partes, fator que pode favorecer àqueles que atuam de má-fé. A falta de regulamentação exige por parte do operador do direito, a aplicação rigorosa e destemida dos citados princípios, objetivando coibir o uso dos contratos atípicos como instrumentos de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes, fato abominado pelo Direito.

Pelo exposto, e a fim de colaborar para o aperfeiçoamento da regulamentação dos contratos atípicos, resta como segue nossa proposta, representada em negrito, de alteração da redação do atual artigo 425:

“Art. 425. As partes podem utilizar-se dos contratos atípicos, observados sua função social, a boa-fé, a vedação à onerosidade excessiva e as normas gerais fixadas neste Código”.

Prosseguindo e aproveitando a exposição doutrinária, previamente apresentada, sugere-se a seguinte redação para o art. 422, do novo Código Civil:

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na fase pré-contratual do contrato, em sua conclusão e execução, bem como em sua fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé”.

Por seu turno, com relação à aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, consagrado pelo artigo 478, do novo Código Civil, e considerando-se:i. a importância da obediência ao princípio da função social do contrato, a fim de, uma vez celebrado ser cumprido, sugere-se a substituição do termo resolução por revisão;ii. a posição do laesio enormis do direito romano e a fim de não acolher a teoria da imprevisão, de difícil aplicação no direito pátrio, conforme anteriormente demonstrado, sugere-se suprimir o termo imprevisíveis;iii. a inadequação de redação, substituir o termo devedor por parte prejudicada, ou parte lesada como ensina Nelson Borges : “No que se refere ao direito das partes o texto legal não admite dúvidas: parte lesada poderá ser tanto o devedor como o credor. Por essa razão critica-se o dispositivo nacional, que depois de falar, corretamente em partes, sem qualquer justificativa termina por estender o benefício a apenas uma delas (devedor), ao falar em excessiva onerosidade, que não tem qualquer relação com o credor”;iv. considerando-se por fim, a expressão: “[…poderá o devedor pedir a resolução do contrato.]”, constante do art. 478 do texto original, do novo diploma legal, transparecendo a intenção do legislador em beneficiar apenas o devedor com o direito de solicitar a resolução do mesmo, sugere-se a seguinte redação para o art. 478:

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários, poderá a parte prejudicada pedir a revisão do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Apesar da boa vontade demonstrada em respeitar o princípio do equilíbrio contratual, insistiu o legislador em inferir que o princípio da vedação à onerosidade excessiva é de uso exclusivo do devedor, conforme anteriormente verificado no texto original do art. 478, subtraindo assim do credor o direito de exercê-lo. Agravou, ainda mais o status do credor, punindo-o injustificadamente, ao designá-lo como réu e impondo-lhe todo o ônus da revisão na relação contratual, conforme estabelece a redação original do art. 479. Sumariando, não se justifica a utilização do termo réu, inadvertidamente atribuído ao credor, no corpo do artigo 479. Com este procedimento o legislador transfere ao credor todo o ônus da inexecução, relativa ou absoluta, contrapondo-se assim ao princípio do equilíbrio contratual. Parece evidente a obrigação e interesse mútuos do devedor na tentativa do restabelecimento do equilíbrio contratual, já que, por acontecimento extraordinário, qualquer das partes pode ser vítima da obrigação de pagamento de prestação excessivamente onerosa. Diante do exposto sugere-se a substituição do termo réu atribuído ao credor por parte beneficiada restando como segue a redação sugerida para o art. 479:

“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se a parte beneficiada a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.

6. Conclusão

Verificou-se ao longo da exposição que, historicamente as relações econômicas e comerciais, representadas pelos contratos, passaram por várias influências atingindo certo equilíbrio, situando-se entre o rigor francês exigido pelo pacta sunt servanda e a relativização da cláusula rebus sic stantibus presentemente representada pela teoria da imprevisão. Prevaleceu a formalidade do cumprimento da obrigação contratual, mas hodiernamente, em nome da função social do contrato admiti-se a revisão contratual, particularmente nos casos de prejuízo excessivo de uma das partes, e a conseqüente possibilidade de enriquecimento ilícito da outra, fato inaceitável diante dos princípios gerais do Direito.

O aumento, em profusão, da diversidade e modalidades de negócios, na sociedade contemporânea ensejou o surgimento e a progressiva utilização de contratos, não previstos pelo direito positivo. Apesar de utilizados desde os tempos do antigo direito romano, conhecidos então, como contratos inominados, os contratos não regulamentados por legislação específica são hoje designados como contratos atípicos.

Em que pese a falta de regulamentação específica correspondente ao manuseio e efetiva aplicação, os contratos atípicos obedecem a determinados princípios e cláusulas gerais de direito sedimentadas pela doutrina. Assim, além dos princípios convencionais, pilares fundamentais do Direito, como o da igualdade, da segurança jurídica, da vontade das partes, da liberdade contratual, entre outros, os contratos atípicos receberam por parte do novo Código Civil relativa atenção. Percebe-se certo consenso doutrinário sobre a aplicação dos princípios e das consideradas, por alguns, como verdadeiras cláusulas gerais, dentre elas a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva.

De fato, a previsão legal sobre contratos atípicos foi expressamente contemplada apenas no art. 425 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. A nosso ver perdeu o legislador a grande oportunidade de detalhar, uma análise profunda sobre os contratos atípicos, instrumento assaz relevante para o direito positivo pátrio, regulamentando, explicita e amplamente, seu funcionamento, demonstrando suas efetivas implicações nas relações sociais e econômicas, bem como, definindo sua classificação. Ao tentar fazê-lo positivou a regulamentação do complexo tema de maneira superficial e desencontrada. Extrapolou no formalismo, ao indicar a resolução dos contratos como solução única, contrariando frontalmente a orientação básica da função social dos contratos, premissa festejada pela Comissão elaboradora do novo Código Civil. Falhou ao atribuir responsabilidades e deveres apenas ao credor, inclusive de maneira inadequada, quando inadvertidamente lhe atribui o título de réu..

A predominante intenção de consolidar o caráter social, efusivamente anunciada na publicação do novo diploma legal, representada particularmente pela obediência ao princípio da função social do contrato, decorrência do princípio constitucional da função social da propriedade, tornou-se o principal limite à liberdade contratual, em virtude da necessidade de atender-se o interesse coletivo acima do individual. Devido a sua relevante natureza econômica e patrimonial e à sua função circulante de riquezas, o contrato deve, inexoravelmente, garanti-la, a fim de, preliminarmente, atender sua relevante função social.

Verificou-se que a desvantagem de uma das partes ocorre com maior freqüência, nos contratos atípicos, que, por não estarem formalmente previstos em lei, favorece as partes que agem de má-fé, autorizando a instauração de um campo fértil para imposição de desigualdades. Destarte, sugere-se a aplicação rígida e destemida, por parte do aplicador do direito, dos princípios e cláusulas previamente mencionados, relativos aos contratos atípicos, a fim de evitar que, a irrestrita liberdade de contratar, corifeu da relação contratual, não se transforme em laboratório para o surgimento de instrumentos de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes contratantes, fato inaceitável para o Direito.

Oxalá, por todo o exposto, no decorrer da vigência do novo Código Civil, diminua a resistência à aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva. Referido princípio, considerado pela melhor doutrina, juntamente com o da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, como fundamentos legais dos contratos atípicos, devem, a fim de garantir a aplicação da melhor prática do direito, determinar a revisão, o reajuste dos contratos que, eventualmente, imponham ônus excessivo para um dos contratantes, com flagrante e excessivo benefício para o outro.