A Unimed Caldas Novas Cooperativa de Trabalho Médico terá de arcar com todas as despesas médico-hospitalares decorrentes do transplante de fígado realizado no segurado Laerte Lúcio Pires, apesar de o procedimento não estar previsto no plano de saúde firmado entre ambos. A decisão, unânime, é da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás, que manteve sentença do juízo de Caldas Novas favorável ao autor, de reconhecimento de cobertura contratual, com pedido de antecipação de tutela, e condenação da empresa em R$ 25 mil pelos gastos com o transplante. A decisão determinou ainda à Unimed que pague mais R$ 6 mil a título de astreintes (multa destinada a forçar o devedor indiretamente a fazer o que deve), com correção monetária pelo INPC e juros moratórios a partir de 9 de janeiro de 2004.
Aplicando o Código de Defesa do Consumidor, o relator, desembargador Stenka Isaac Neto, considerou que o segurado não teve a liberdade de examinar ou discutir as cláusulas do contrato de saúde, limitando-se a assinar o impresso padrão. A seu ver, a cláusula que limita a responsabilidade da seguradora colocando o consumidor em desvantagem exagerada deve ser anulada e interpretada favoravelmente ao consumidor. “O fato de o contrato ter sido redigido pelo segurador, aliado a sua natureza técnica pouco acessível ao segurado, deixou este praticamente à mercê de aquele impor um caráter quase unilateral ao negócio, ou seja, a igualdade jurídica acaba por dissimular uma desigualdade de fato. O CDC surgiu para compensar esse desequilíbrio vedando expressamente a existência das denominadas cláusulas abusivas”, frisou.
Stenka lembrou ainda que embora a saúde seja um dever essencial do Estado, não é monopólio deste, configurando, ao revés, atividade aberta à iniciativa privada, precisamente por representar meio e modo de preservação do direito á vida e á dignidade humana. “O particular ao prestar os serviços médicos e de saúde de que carece o cidadão, se investe nos mesmos deveres do Estado, no que se refere à assistência médica integral para os aderentes dos respectivos serviços”, ressaltou.
Defesa
A Unimed, por sua vez, sustentou que as despesas dos procedimentos deveriam ser realizadas na rede própria conveniada pela empresa, por seus médicos cooperados, e destacou que o transplante de fígado foi efetuado no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, que não é credenciado. Argumentou que a cláusula anulada, 11ª, item 1, letra “L”, do contrato de plano de saúde, não pode ser considerada abusiva e restritiva dos direitos do apelado/consumidor, por se tratar de contrato de adesão em que o recorrido anuiu às suas cláusulas e exclusões nelas previstas, principalmente no que se refere ao transplante de fígado, sob pena de ferir o equilíbrio contratual. Ainda de acordo com a cooperativa, as mensalidades cobradas dos usuários devem ser feitas através de cálculos atuariais considerando os serviços que serão prestados àqueles.
Ementa
A ementa recebeu a seguinte redação: “Apelação Cível. Ação de Reconhecimento de Cobertura Contratual. Plano de Saúde. Contrato de Adesão. Transplante. Cláusula Limitativa. Interpretação Favorável ao Consumidor. Incidência do CDC. Cobertura Devida. Sentença Mantida. 1 – O contrato de seguro, além de contrato de adesão, insere-se nas relações de consumo tuteladas pelo CDC, a par de que o segurado não participa da elaboração de suas condições gerais. Assim, o fato de ser redigido pelo segurador, aliado à sua natureza técnica pouco acessível ao segurado, deixou este praticamente à mercê daquele impor um caráter quase unilateral ao negócio, ou seja, a igualdade jurídica acaba por dissimular uma desigualdade de fato. O Código do Consumidor surgiu para compensar esse desequilíbrio vedando expressamente a existência das denominadas “cláusulas abusivas” (art. 51 do CDC). A estipulação que visa atenuar ou mesmo isentar de responsabilidade a seguradora, se amolda no conceito de cláusula abusiva. Precedentes do STJ – Resp 265837/SP. 2 – Nula é a cláusula que limita a responsabilidade da seguradora, colocando o consumidor em desvantagem exagerada e, por se tratar de contrato de adesão, as cláusulas devem ser, na dúvida, interpretadas favoravelmente o consumidor. 3 – A saúde, inobstante constitua um dever primacial do Estado, não é um monópólio deste, erigindo-se, ao revés, em atividade aberta à iniciativa privada, precisamente por configurar meio e modo de preservação do direito á vida e á dignidade humana. Portanto, o particular, nesse mister, se sub-roga nos mesmos deveres do Estado com respeito á assistência médica integral aos aderentes dos respectivos serviços. Recurso conhecido e improvido”.