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Do dano moral sofrido por pessoa jurídica

A possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima ou não de dano moral é, sem dúvida, uma das questões mais controvertidas dentro do instituto da responsabilidade civil.

Não se pode negar que a pessoa jurídica é imprescindível para o desenvolvimento da sociedade e por isso tem o direito de praticar atos jurídicos e manter relações de direito com diversas pessoas (físicas e jurídicas), assim como também comete atos ilícitos, porém, a pessoa jurídica não é um ente dotado de espírito e a questão que se apresenta é a de que, ainda sim, estaria ela sujeita a padecer de dano moral?

Tal questionamento foi objeto de controvérsia durante algum tempo. Atualmente parece pacificado na doutrina e na jurisprudência que a pessoa jurídica pode ser indenizada civilmente pelo abalo ao seu patrimônio imaterial, entretanto, tal fato não nos deve impedir de analisar o pensamento daqueles que são desfavoráveis a esta tese, uma vez que seus argumentos continuam fortemente embasados.

Mister se faz conhecer o pensamento de representantes de ambas as teorias, a fim de que possamos obter uma conclusão, à luz da doutrina e da jurisprudência.

1 Corrente que não admite a pessoa jurídica como vítima de dano moral.

O primeiro argumento daqueles que negam a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de dano moral é o de que esta não possui vida privada, nem os direitos personalíssimos inerentes aos seres humanos, como a vida, a honra, a intimidade e a imagem, portanto não poderiam reclamar nenhum tipo de reparação por abalo moral.

Nas palavras de Wagner Morroni de Paiva:

A indenização por danos morais, no caso de uma pessoa física, não repara o prejuízo. A dor, o sofrimento, o constrangimento, a vergonha, são prejuízos irreparáveis. A indenização por danos morais é um meio de compensar a vítima, impingindo-lhe a alegria necessária para que o sofrimento seja compensado. (…) Com relação à pessoa jurídica, essa comparação perde um pouco o sentido. Primeiro porque as pessoas jurídicas não possuem os sentimentos de dor inerentes do ser humano (e nem há discussão sobre isso). Assim, não há que se falar em compensar a pessoa jurídica com alegria .

Wilson Mello da Cunha é outro defensor ardoroso da impossibilidade de dano moral na pessoa jurídica, em sua obra O dano moral e a sua reparação, o autor assevera que os alicerces sobre os quais se firmam essas entidades são puramente espirituais, estando vivas apenas para os juristas que não podem lhes impingir alma, sentido e afetividade .

Esta tese, durante algum tempo, foi abonada por alguns Tribunais, como a seguinte decisão do Egrégio T.J.R.S., em votação por maioria:

A indenização a título de dano moral só se justifica quando a vítima é pessoa física, pois, caracterizando-se por um sofrimento de natureza psíquica, não há como considerá-lo em relação a uma pessoa jurídica. (Ap.Civ. nº 2.940/92, in ADCOAS nº 135.408).

Outro ataque contra a possibilidade de as pessoas jurídicas serem vítimas de dano moral é mencionado por Antonio Jeová Santos que nos traz a doutrina de Gabriel Stiglitz e de Carlos Echevesti segundo os quais a indenização por dano moral na pessoa jurídica não é possível, uma vez que seu nome, honra, intimidade e liberdade de ação não são direitos extrapatrimoniais, mas sim patrimoniais. Exemplificam isso com a hipótese de alienação do nome da pessoa jurídica ou a negociação comercial de sua reputação ou prestígio (uma vez que são passíveis de valoração econômica), fatos que seriam impossíveis nas pessoas físicas, já que, para essas, esses direitos são inalienáveis e imutáveis, sendo por isso considerados como extrapatrimoniais.

O autor Wagner Morroni de Paiva, também é partidário deste mesmo entendimento e preleciona que o abalo à imagem de uma empresa traz prejuízos unicamente materiais. Em suas palavras:

Os objetivos de uma pessoa jurídica (exceto aquelas com fins filantrópicos) são os lucros, as vendas, a penetração no mercado e o aumento de negócios. Toda empresa, por maior que seja, pode ter sua imagem abalada, sabendo o empresário que este é um risco que a empresa corre a cada dia. Para que isso não ocorra, deve a empresa zelar pela qualidade de seus produtos e/ou serviços. Se essa qualidade for deixada de lado e, consequentemente, houver abalo à imagem da empresa, seu prejuízo será exclusivamente material .

Tal tese também já foi aceita, outrora, por nossos Tribunais:

As pessoas jurídicas só podem ser prejudicadas em suas finalidades, não em sua essência de pessoa: o dano que assim se traduza será sempre dano econômico, inclusive quando se trate do bom nome, da credibilidade pública e da decorrente redução de oportunidade de ganho . (Ap. Civ. nº. 593.028.962 – REL. Des. Adroaldo Fabrício, in COAD/ADV 94, nº. 65232, Jurisprudência).

Podemos então resumir os argumentos daqueles que são desfavoráveis à reparação em duas idéias básicas:

a) As pessoas jurídicas não possuem legitimidade para pleitear ressarcimento por dano moral, uma vez que não estão suscetíveis a padecimentos espirituais já que esses são próprios da pessoa física;

b) As pessoas jurídicas são desprovidas de direitos extrapatrimoniais já que qualquer abalo aos direitos de sua personalidade resulta em dano patrimonial.

2 Corrente que admite a pessoa jurídica como vitima de dano moral

Agora que já vimos os argumentos principais daqueles que são desfavoráveis à reparação, passaremos à analise dos argumentos daqueles que a aceitam. Começaremos com o ensinamento de Roberto Brebbia que já em 1950 levantou a possibilidade de as pessoas jurídicas sofrerem abalo moral. Antonio Jeová Santos nos traz o pensamento do jurista espanhol:

Já que as pessoas jurídicas têm um nome e uma reputação, a conclusão inexorável é que qualquer fato que vulnere os direitos que tutelem ditos bens trará como conseqüência veraz dano moral, emergindo o direito de obter uma reparação a favor da pessoa jurídica afetada .

Brebbia defende a existência de direitos extrapatrimoniais da pessoa jurídica, como a honra, a consideração e fama, o nome, a liberdade de ação, a segurança pessoal e a intimidade, entre outros, uma vez que tal rol é meramente exemplificativo. A infração a tais direitos, na opinião do ilustre jurista, provoca abalo moral que deve ser indenizado. O autor só não aceita que a pessoa jurídica sofra dano moral por ataque à vida, à integridade física e a honestidade, bens pessoais que são próprios das pessoas físicas.

Para aqueles que defendem tal linha de raciocínio, o Direito, ao outorgar à pessoa jurídica a condição de pessoa, lhe conferiu a possibilidade de possuir bens extrapatrimoniais que não podem ficar sem proteção, assim como os bens da pessoa física.

Esta mesma igualdade foi reconhecida pelo Direito Penal que considera que a pessoa jurídica pode ser vítima de difamação. É o que dispõe o Código Penal, em seu artigo 139, que ao tipificar a difamação como o ato de imputar fato ofensivo à reputação de alguém, não excluiu que a pessoa jurídica possa “sofrer ofensa à sua reputação e credibilidade sujeitando-se a abalo que reflita em sua vida econômica” .

Zavala de Gonzalez, apesar de ser partidária da tese que nega a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer abalo moral, ao elaborar uma síntese da corrente positivista nos esclarece que:

(…) o dano moral não tem como pressuposto apenas a repercussão biopsiquica do fato, nem um peculiar estado anímico, mas menoscabo dos direitos, bens ou atributos da personalidade ou de interesses extrapatrimoniais. Pela teoria do dano-lesão, as pessoas jurídicas podem ser sujeitos passivos de agravo moral.O direito ao bom nome e a proteção à honra e à fama, também concedidos à pessoa jurídica, têm natureza exclusivamente extrapatrimonial ou imaterial dos bens ou interesses protegidos. Elimina-se, assim, todo obstáculo relativo à natureza do sujeito passivo.

Alexandre Ferreira de Assumpção Alves , ao defender esta mesma tese, apregoa que o Estado cumpriu o seu dever de proteger o nome e a reputação da pessoa jurídica, fulcrando a tutela constitucional no inciso X do art. 5º que dispõe ser inviolável a honra e a imagem das pessoas, não fazendo qualquer distinção entre a física e a jurídica.

O mesmo autor esclarece ainda que o dano moral atinge a pessoa jurídica em sua imagem ou “honra externa” e não em seus sentimentos, elementos próprios da honra subjetiva, da qual é desprovida.

A honra externa ou objetiva seria o fundamento da reparação do dano moral nas pessoas jurídicas que não tem fins lucrativos, como as fundações e associações. Para essas entidades, o abalo ao nome ou a reputação dificilmente traria dano econômico, mas ainda sim resultaria em dano moral por ataque à honra objetiva.

Esse é o argumento utilizado por Adriano de Cupis para afiliar-se à tese positivista. Segundo o ilustre jurista espanhol, um instituto beneficente pode sofrer um dano não patrimonial após ser vítima de uma campanha difamatória, por exemplo. O fato de a pessoa jurídica ser um ente incapaz de sofrimentos físicos ou morais não é decisivo, “dada a possibilidade de configurar também um dano não patrimonial distinto da dor”.

Von Tuhr também entende ser possível o abalo moral na pessoa jurídica. O autor conclui que:

(…) em se tratando de pessoas jurídicas, pode dar-se o caso de que sejam quebrantadas em seus interesses pessoais sem que ocorra diminuição do patrimônio, mas que pode gerar o direito à pessoa jurídica de exigir uma indenização, por ele chamada de satisfação, que tanto pode ser convertida em moeda ou não, como a hipótese do causador da ofensa fazer declaração pública restabelecendo a boa fama da pessoa jurídica lesionada .

3 Tendência atual: a pessoa jurídica pode ser vítima de dano moral

Depois de termos visto os argumentos pró e contra a reparação do dano moral sofrido pela pessoa jurídica, nos cabe entender o posicionamento majoritário da doutrina no sentido de admitir tal reparação, confrontando ambas as teses (positivista e negativista).

Tem-se assim que, aqueles que negam a possibilidade de as pessoas jurídicas serem vítimas de abalo moral, conforme já vimos em momentos anteriores, sustentam seu entendimento em dois aspectos:

a) As pessoas jurídicas não possuem direitos personalíssimos uma vez que estes são direitos inerentes do ser humano;

b) As pessoas jurídicas, “por não terem espírito, jamais sofrerão detrimento anímico” .

De acordo com a corrente positivista, ambos os argumentos não podem prevalecer. Com relação à inexistência de direitos da personalidade na pessoa jurídica, Antonio Jeová Santos nos ensina que:

Os entes ideais gozam de proteção quanto a direitos que podem ser equiparados aos personalíssimos. Assim, por exemplo, a tutela ao nome, à marca, à honra em seu aspecto objetivo, à liberdade de ação, à intimidade, tanto que os segredos industriais gozam de especial proteção.

Trata-se da questão dos direitos da personalidade jurídica e de sua honra objetiva. A conclusão é a de que, os direitos personalíssimos, no que forem compatíveis com a pessoa jurídica, serão merecedores de proteção do ordenamento jurídico.

O mesmo autor nos ensina ainda que, outro equivoco daqueles que são partidários da corrente negativista, é a conclusão errônea de que, para a configuração do dano moral é necessário que o dano tenha repercutido na psique da vítima. Para corroborar com tal pensamento o autor nos traz os seguintes exemplos:

Ora, se o dano moral não exige derramamento de lágrimas como no caso que envolva crianças de tenra idade, os loucos e a pessoa que estiver em profundo estado de coma, levando vida vegetativa, a pessoa jurídica, que por ela mesma não tem ânimo, pode sofrer dano moral .

A negação da pessoa jurídica, como vítima de dano moral, parece estar calcada no conceito clássico do Direito Penal que considera que tal modalidade de pessoa não pode cometer delitos por ser desprovida de subjetividade e imputabilidade, uma vez que, quem age em seu nome são seus membros. Sendo assim, no caso de crime, a responsabilidade deve ser atribuída a quem compõe e dirige a empresa e não a ela própria.

Porém, tal conceito já foi superado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 225, § 3º, prescreve: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Vê-se, portanto, que a Constituição Federal ao considerar que as pessoas jurídicas são passiveis de cometerem crimes ecológicos, as considerou em sua subjetividade, afastando o dogma de que jamais cometem crime. Ora, se tal entendimento prosperou no Direito Penal, por que não o faria no Direito Civil? É muito mais fácil aceitar o abalo moral da pessoa jurídica do que aceitar que ela cometa crime.

Este mesmo diploma legal, em seu artigo 5º, inciso X , previu a possibilidade de reparação por dano moral, não fazendo qualquer distinção entre a pessoa física e a jurídica, distinção essa que o intérprete não esta autorizado a fazer, já que tal prerrogativa não é sua, mas sim do constituinte. O que nos leva a concluir que a pessoa jurídica pode sofrer abalo moral.

Outro diploma legal que também prevê o dano moral da pessoa jurídica é o Código de Defesa do Consumidor. Em seu artigo 2º, o código define como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza serviço ou produto como destinatário final, e em seu artigo 6º, inciso VI, dispõe como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais. Sendo assim, resta claro que o Código de Defesa do Consumidor considera a pessoa jurídica apta a postular indenização por danos extrapatrimoniais sempre que ela adquirir produtos como destinatária final e nesta relação for vítima de dano moral.

Com relação aos Tribunais brasileiros, estes atualmente mostram-se favoráveis à tese positivista, porém, como já visto, nem sempre foi assim. Durante certo tempo, algumas câmaras civis, principalmente dos Tribunais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, rejeitavam a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de dano moral, exigindo a prova de prejuízo para que existisse realmente a lesão extrapatrimonial.

É o que podemos auferir de julgado da 10ª Câmara do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo:

(…) para que a pessoa jurídica faça jus à indenização por dano material ou moral, pelo protesto indevido de título de crédito, necessária se torna a demonstração do efetivo prejuízo (RT731/286, Juiz Edgard Jorge Lauand).

Entretanto, o mesmo Tribunal, em outro julgado, proferiu decisão em sentido oposto:

(…) a pessoa jurídica pode, sem qualquer dúvida, sofrer ofensa ao seu bom nome, fama, prestigio e reputação comercial ou social, não se lhe podendo afastar a garantia do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. Pode, portanto, pleitear indenização por dano moral, sendo desnecessária a consumação do prejuízo como requisito para a reparação do protesto indevido do título de crédito (RT 725/240, Juiz Paulo Roberto de Santanna) .

Resta-nos claro que é dominante a posição daqueles que aceitam o abalo moral da pessoa jurídica. Tal entendimento sufocou a corrente negativista, tendo resultado na Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça que pôs fim definitivamente às divergências jurisprudenciais sobre o assunto ao enunciar que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.