Processos nos quais trabalhadores diaristas – faxineiras, jardineiros, passadeiras – buscam na Justiça do Trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego e os direitos trabalhistas daí decorrentes têm se tornado freqüentes no Tribunal Superior do Trabalho. Embora o tema ainda não seja objeto de súmula ou de orientação jurisprudencial das seções especializadas, as decisões têm apontado claramente no sentido de estabelecer distinções entre o trabalhador doméstico e os diaristas, e também entre os diaristas que trabalham em residência e os que prestam serviços para empresas.
“Os critérios básicos estão previstos na Lei nº 5.859/1972”, explica o ministro Carlos Alberto Reis de Paula, integrante da Comissão de Jurisprudência do TST. Trata-se da lei que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico – definido, em seu artigo 1º, como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas”. As questões principais que têm sido analisadas no TST em processos envolvendo diaristas são os conceitos de “natureza contínua” e “finalidade não-lucrativa”.
O conceito de natureza contínua do trabalho é diferente daquele de “não-eventualidade” exigido no artigo 3º da CLT para a caracterização da relação de emprego. “A continuidade pressupõe ausência de interrupção, de forma que o trabalho se desenvolva de maneira expressiva ao longo da semana”, explica o ministro Carlos Alberto, já a não-eventualidade define serviços que se inserem nos fins normais das atividades de uma empresa.
Com base nessa interpretação, a empregada diarista que presta serviço numa residência apenas em alguns dias da semana, recebendo por dia, não se enquadra no critério do trabalho de natureza contínua. “Na ausência de uma definição precisa do que seriam ‘alguns dias’, os juízes do Trabalho têm considerado que a prestação de serviço em um ou dois dias exclui o critério de continuidade, enquanto que os que trabalham mais de três costumam tê-la reconhecida”, diz o ministro. “É um critério razoável, tendo em vista que a semana útil tem cinco ou seis dias.”
Uma argumentação comum nas reclamações trabalhistas desse tipo é a de que, muitas vezes, a diarista, embora trabalhe apenas um ou dois dias na semana, mantém a relação ao longo de muitos anos. “A longa duração não altera a natureza do trabalho”, observa o ministro Carlos Alberto.
O ministro Ives Gandra Martins Filho, relator de um processo no qual foi negado reconhecimento de vínculo a um jardineiro que trabalhava duas ou três manhãs por semana numa residência, definiu em seu voto a situação.
“O diarista presta serviços e recebe no mesmo dia a remuneração, geralmente superior àquilo que receberia se trabalhasse continuamente para o mesmo empregador, pois nela estão englobados e pagos diretamente ao trabalhador os encargos sociais que seriam recolhidos a terceiros”, afirmou o ministro Ives. “Se não quiser mais prestar serviços para este ou aquele tomador, não precisará avisá-lo com antecedência ou submeter-se a nenhuma formalidade, já que é de sua conveniência, pela flexibilidade de que goza, não manter um vínculo estável e permanente com um único empregador, pois mantém variadas fontes de renda provenientes de vários postos de serviços que mantém.”
É neste sentido que tem se inclinado a jurisprudência do Tribunal nas diversas decisões em que negou o reconhecimento do vínculo de emprego a diaristas que trabalhavam em casas de família. Cabe ressaltar que o termo “diarista” não se aplica apenas a faxineiras e passadeiras, (modalidades mais comuns dessa prestação de serviço). Ela abrange também jardineiros, babás, cozinheiras, tratadores de piscina, pessoas encarregadas de acompanhar e cuidar de idosos ou doentes e mesmo as “folguistas” – que cobrem as folgas semanais das empregadas domésticas. Uma vez que o serviço se dê apenas em alguns dias da semana, trata-se de serviço autônomo, e não de empregado doméstico – não se aplicando, portanto, os direitos trabalhistas garantidos a estes, como 13º salário, férias, abono de férias, repouso remunerado e aviso-prévio, entre outros previstos na Constituição Federal.
Quando se trata de diarista que trabalha para uma empresa, porém, o entendimento é outro – e aqui se aplica a segunda expressão-chave da Lei nº 5.859/1972, a “finalidade não lucrativa” que diferencia uma residência de um escritório comercial. por exemplo.
Em processo julgado em dezembro de 2004, a Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST – que tem como atribuição unificar a jurisprudência das Turmas do Tribunal –, a faxineira do escritório de uma empresa comercial teve o vínculo de emprego reconhecido, ainda que trabalhasse apenas um dia na semana. Para o relator do processo, ministro João Oreste Dalazen, “se o serviço é efetuado dentro das necessidades da empresa, com subordinação e dependência econômica, pouco importa se a sua prestação se dá em período alternado ou descontínuo”.
Os critérios que prevalecem, no caso, são os definidos no artigo 3º da CLT, que considera empregado “toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. A natureza não eventual se define pela relação entre o trabalho prestado e a atividade da empresa. “Em se tratando de serviço de limpeza exercido no âmbito da empresa, este deve ser considerado parte integrante dos fins da atividade econômica [e, por conseguinte, não-eventual], pois qualquer estabelecimento comercial deve ser apresentado em boas condições higiênicas”, explica o ministro Dalazen.