O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que as novas regras contidas na Emenda Constitucional 52/06, que pôs fim à verticalização nas coligações partidárias, não poderão ser aplicadas às eleições deste ano. Por nove votos a dois, os ministros entenderam que, no caso, deve ser obedecido o princípio da anterioridade eleitoral, contido no artigo 16 da Constituição Federal. O dispositivo prevê que alteração do processo eleitoral só terá validade após decorrido um ano do início da vigência da norma.
Assim, o Plenário julgou procedente o pedido formulado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3685, vencidos os ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.
A relatora da ação, ministra Ellen Gracie, afirmou ser inegável a posição de destaque dada pelo constituinte de 1988 ao princípio da anterioridade eleitoral, “como instrumento indispensável a uma mínima defesa da insuspeita e verdadeira representatividade que deve marcar o regime democrático de Estado”.
Ela salientou que se as emendas constitucionais, conforme previsto na Constituição, são produtos gerados na existência de um processo legislativo, também elas podem, com muito mais gravidade, servir como instrumento de abusos e casuísmos capazes de desestabilizar a normalidade ou a própria legitimidade do processo eleitoral.
Nesse sentido, reconheceu que a emenda violou a Constituição Federal e julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão “aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”, contida no artigo 2º da emenda atacada. A ministra também deu interpretação conforme à Constituição à parte remanescente da emenda, no sentido de que as novas regras sejam aplicadas somente após um ano da data de sua vigência.
O ministro Ricardo Lewandowski também julgou procedente o pedido formulado pela OAB. Argumentou que, com a retroatividade dos efeitos da emenda às eleições de 2002, que já ocorreram, pretendeu-se, em verdade, contornar o princípio da anualidade contemplado no artigo 16 da Constituição Federal. Acrescentou que o princípio da anualidade visa preservar a segurança do processo eleitoral, afastando qualquer alteração feita ao sabor das conveniências de momento, seja por emenda constitucional, seja por lei complementar ou ordinária. Assim, concluiu que o legislador “utilizou-se de expediente mediante o qual se busca atingir um fim ilícito utilizando meio aparentemente legal”. Em outras palavras, disse que se trata, no caso, de “atalhamento” da Constituição Federal.
O ministro Eros Grau também votou pela não aplicação das novas regras nas eleições de 2006. Segundo ele, “o casuísmo que o artigo 2º da EC 52/06 estabeleceria em relação às eleições que ocorreriam no ano de 2002 não prevaleceu, porque ela apenas foi promulgada posteriormente a 2002. Esse casuísmo não se translada ao presente, de modo que o artigo 2º da EC 52/06 efetivamente não se opõe ao artigo 16 da Constituição”, ressaltou.
O ministro Joaquim Barbosa declarou não haver dúvida de que as mudanças teriam um “formidável impacto” nas próximas eleições. “Não é preciso grande esforço interpretativo para se concluir que uma mudança de tal magnitude interferiria de maneira significativa no quadro de expectativa que o eleitor, o titular dos direitos políticos, e as agremiações partidárias vinham concebendo em vista do pleito que se avizinha”, disse. Assim, ele acompanhou o voto condutor e excluiu a aplicação da emenda às eleições de 2006.
“Essa emenda não se aplica às eleições gerais, de caráter até presidencial, sobretudo, do corrente ano de 2006”, afirmou o ministro Carlos Ayres Britto, que também seguiu o voto da ministra-relatora, Ellen Gracie.
O ministro Cezar Peluso votou no mesmo sentido. Segundo ele, a nova redação emprestada ao artigo 17, parágrafo 1º, que põe fim à chamada verticalização das coligações político-partidárias, “não pode incidir sobre as eleições que vão se realizar ainda neste ano, sob pena de violação de norma constitucional imutável”.
Também acompanhou integralmente a relatora o ministro Gilmar Mendes. Ele afirmou que “uma mudança na regra do jogo eleitoral sem a observância do artigo 16 da Constituição altera radicalmente esse processo, não só para os partidos políticos, mas também para os candidatos. Não se trata da expectativa de direito, mas ao próprio Direito”.
No mesmo sentido, votou o ministro Celso de Mello. Ele observou que o princípio da anterioridade eleitoral ganha relevo a partir do julgamento, uma vez que se garante a segurança jurídica ao submeter o artigo 16 da Constituição ao rol das cláusulas pétreas.
Para Celso de Mello, a emenda fere a garantia do devido processo eleitoral, a igualdade de condições para a disputa e a estabilidade das regras eleitorais. Celso de Mello lembrou o ministro aposentado Paulo Brossard ao afirmar: “O Congresso Nacional pode muito, mas não pode tudo” e acrescentou que “a Câmara e o Senado não podem transgredir o núcleo da Constituição”.
Por fim, o ministro Nelson Jobim votou com a relatora. Fundamentou seu voto no sentido de que, para julgar a ação, “deve-se fazer uma distinção fundamental entre interpretação de lei e lei”. De acordo com o ministro, “ou o TSE tem a competência de interpretar a lei ou não tem. E se tem a competência de fazê-lo, a leitura e a interpretação são a consistência da lei. Temos que distinguir entre interpretar uma lei vigente e modificar uma lei vigente. O que se passou foi a alteração do sistema legal”. O fato, disse Jobim, é de que a interpretação do TSE não é a criação de nova lei, mas sim a vigência e a leitura da lei.
Divergência
O ministro Marco Aurélio abriu a dissidência ao considerar improcedente a ação da OAB. Segundo Marco Aurélio, a emenda constitucional não trouxe inovações, apenas ajustou o artigo 6º da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97), não sendo, na avaliação dele, matéria constitucional.
Dessa forma, o ministro Marco Aurélio manteve seu entendimento contrário à prática da verticalização, por considerá-la lesiva à autonomia dos partidos políticos, uma vez que os submete a uma “camisa-de-força”.
Assim, Marco Aurélio divergiu da relatora quanto à prática da verticalização e julgou prejudicada a expressão “aplicando-se às eleições de 2002”, contida na parte final do artigo 2º da emenda.
O ministro Sepúlveda Pertence votou com a divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio. O ministro questionou se “bastaria a decisão do TSE para a emenda constitucional, que adota corrente contrária, então vencida, ser uma alteração no devido processo legal eleitoral? Não chego a tanto quando se cuida de uma emenda constitucional”, afirmou Pertence.