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Dono e guardião de veículo não podem ser culpados por atropelamento causado por ladrão

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, afastar a culpa do dono e do guardião de veículo que, ao ser furtado, atropelou uma pessoa. A vítima do acidente de trânsito havia conseguido que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) julgasse procedente ação de indenização contra os dois réus, ao considerar culpa in vigilando do guardião do automóvel, por não ter tomado os cuidados necessários para evitar o furto – o qual foi praticado pelo marido de uma empregada recém-admitida em sua própria casa – e culpa in eligendo do dono do carro, ante a má escolha do responsável pela guarda do bem.

Segundo consta do processo, Hércules de Brito Leite, por motivo de viagem, confiou a guarda de seu veículo a Juracy Lopes de Barros, que deixou o automóvel na garagem de sua casa, depositando as chaves no lugar de costume. José Edmilson da Costa, marido de uma empregada recém-admitida de Juracy, furtou o veículo e terminou atropelando Marilene Paranhos.

Diante do resultado, os dois acusados recorreram ao STJ, alegando não haver responsabilidade civil por culpa in vigilando ou in eligendo, quando tomadas todas as precauções razoavelmente exigíveis para evitar o furto que deu origem ao evento danoso.

Inicialmente, o relator do processo, ministro Humberto Gomes de Barros, negou seguimento ao recurso, acreditando ser impossível afastar a aplicação da Súmula 7 ao caso. O ministro destacou, contudo, que “não é necessário alterar as premissas de fato soberanamente estabelecidas na instância precedente. Basta que delas se extraia a conseqüência jurídica, ou seja, que se verifique, naqueles fatos delineados no Acórdão, se há ou não culpa in eligendo (culpa pela escolha de seus prepostos) e in vigilando” (culpa em vigiar a execução de que outra pessoa ficou encarregada).

O ministro Gomes de Barros reconsiderou sua decisão, explicando que, em questões de responsabilidade civil subjetiva, a verificação da responsabilidade pelos danos deve sempre partir de um parâmetro aceitável e previsível de comportamento. Por isso, é de ser responsabilizado aquele que não age com a cautela que se esperaria razoavelmente de uma outra pessoa qualquer.

Para o relator, aquele que se cerca de mais cuidados tem menor possibilidade de causar danos a outrem. Já o indivíduo que ignora os padrões mínimos de cautela está mais suscetível a causar danos. Ele afirmou existir uma linha divisora – que separa a falta de cuidados do excesso de cuidados – que pode, razoavelmente, ser exigida de alguém acusado de causar danos a outro. Assim, ressaltou que “não é de se esperar que aquele que recebe um veículo para guardar uns dias, verdadeiramente prestando um favor a um amigo, nele instale um sistema de alarme, ou reforce a segurança de sua casa, tudo para evitar uma possibilidade, ainda que mínima, de furto”. De acordo com o ministro Gomes de Barros, a presunção mais lógica e coerente é a de que todo furto é um fato imprevisível e que ninguém, em sã consciência, que imaginasse a mínima possibilidade de seu automóvel poder ser furtado, deixaria de tomar as providências necessárias para evitar o fato. “Somente diante dessa previsibilidade e da omissão em evitar ou minorar as chances de ocorrência do furto, é que responderia o proprietário ou guardião do veículo”, atestou.

O ministro esclareceu que nenhum dos fatos delineados no Acórdão recorrido aponta previsibilidade do furto, ao contrário, tudo o que foi dito reforça a convicção de que Juracy, responsável pela guarda do veículo, agiu dentro do padrão médio e razoável de comportamento. Ou seja, guardou o bem em sua casa – na mesma garagem onde mantinha o próprio automóvel – e não deixou as chaves na ignição, depositando-as em local apropriado no interior de sua residência.

“A instalação de qualquer mecanismo de segurança em automóvel ou residência visa, unicamente, resguardar a integridade física e patrimonial do proprietário. Se não há uma previsibilidade razoável de furto, ninguém pode ser acusado de omissão pela falta de tais equipamentos. Caso contrário, a responsabilidade pela delinqüência urbana fica invertida: deixa de ser do Estado, incapaz de oferecer segurança adequada à sociedade, e passa a ser dos próprios cidadãos que, por opção ou falta de condições financeiras, deixam de instalar os modernos dispositivos de segurança”, destacou o ministro.

Ao final, o relator do processo entendeu que “dizer que não está seguro o veículo guardado em garagem com as respectivas chaves depositadas em outro cômodo da casa é agredir a realidade” e afastou a culpa in vigilando. Afastou também a culpa in eligendo ante a evidente relação de dependência existente no caso. O ministro, portanto, deu provimento ao recurso especial para julgar improcedente a ação de indenização.