A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3300) que discutia no Supremo o reconhecimento, como entidade familiar, das uniões estáveis entre homossexuais foi arquivada pelo ministro Celso de Mello. Segundo o ministro, a ação proposta por duas entidades paulistas – a Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo e a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo – contestava norma legal que já não estava mais em vigor, sendo extinta, portanto, por razões técnicas.
Na decisão, no entanto, o relator afirmou tratar-se de relevante questão constitucional, e entendeu caber ao Supremo discutir e julgar a legitimidade constitucional do tema, em novo processo, como a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
As duas associações pediam a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.278/96 que, ao regular dispositivo da Constituição Federal (parágrafo 3º do artigo 226), reconheceu como entidade familiar, unicamente, “a união estável entre o homem e a mulher”. Alegaram que tal artigo era discriminatório e excluía, da proteção que a Constituição dispensa às famílias, as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo.
Ao analisar o pedido, Celso de Mello lembrou que o novo Código Civil, de 2002, revogou a lei impugnada. O artigo 1.723 do código reproduziu o artigo 1º da Lei nº 9.278/96, reconhecendo que a família é formada pela união estável entre homem e mulher. Como o dispositivo impugnado já não estava em vigor quando a ação foi ajuizada, esta tornou-se inviável e, por isso, teve de ser arquivada, conforme a jurisprudência do Supremo.
Superada a questão técnica que determinou o arquivamento da ADI, o ministro passou a discorrer sobre a “extrema importância jurídico-social da matéria”. Registrou que a doutrina, com base em princípios fundamentais como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade e da não-discriminação, “tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais.”
“Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas”, afirmou Celso de Mello. Assim, o ministro declarou extinta a ADI, pela “ocorrência de insuperável razão de ordem formal”, deixando claro que a questão pode ser discutida por “meio processual adequado”.