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As pessoas jurídicas e os direitos da personalidade

Os direitos da personalidade são direitos considerados fundamentais, essenciais à pessoa humana, preconizados e disciplinados pela doutrina e amparados pela legislação brasileira (art. 5º da Constituição Federal / 88; arts. 11 a 21 do Código Civil), a fim de resguardar a sua dignidade, ou ainda, nas palavras de LIMONGI FRANÇA são “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos”.

Não obstante, o ordenamento jurídico brasileiro, através do artigo 52 do Código Civil em vigor, estende a proteção dos direitos personalíssimos, no que couber, às pessoas jurídicas. Entretanto, a pessoa jurídica não se desenvolve como a pessoa natural, nem faz jus todos os direitos da personalidade a ela referente, pela sua própria natureza existencial.

A doutrina diverge sobre a matéria, havendo alguns juristas que negam existência dos direitos da personalidade das pessoas jurídicas, embora a teoria negativista não tenha sido adotada pela legislação brasileira.

Nas palavras de SÍLVIO RODRIGUES, a pessoa jurídica “só pode ser titular daqueles direitos compatíveis com a sua condição de pessoa fictícia, ou seja, os patrimoniais. Não se lhe admitem os direitos personalíssimos”. No mesmo sentido, WILSON MELO DA SILVA nega a existência dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, afirmando que “as pessoas jurídicas, em si, jamais teriam direito à reparação dos danos morais. E a razão é óbvia. Que as pessoas jurídicas sejam, passivamente, responsáveis por danos morais, compreende-se. Que, porém, ativamente, possam reclamar indenizações, conseqüentes deles é absurdo”.No mesmo diapasão, GUSTAVO TEPEDINO defende que é um “equívoco se imaginar os direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais como categorias neutras, adotadas artificialmente pela pessoa jurídica para a sua tutela (a maximização de seu desempenho econômico e de seus lucros). Ao revés, o intérprete deve estar atento para a diversidade de princípios e de valores que inspiram à pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como comunidade intermediária constitucionalmente privilegiada, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento (privilegiado) para a realização das pessoas que, em seu âmbito de ação, é capaz de congregar”.

Por outro lado, a maioria dos doutrinadores concorda em estender a existência dos direitos personalíssimos também às pessoas jurídicas. Como observado nas palavras de MARIA HELENA DINIZ, a pessoa jurídica “pode exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial. (…) Logo, tem direito à personalidade, como direito ao nome, à liberdade, a própria existência, à boa reputação. (…) Sofre, contudo, limitações decorrentes de sua natureza, pois, não sendo dotada de um organismo biopsíquico, falta-lhe titularidade ao direito de família, ao parentesco e outros que são inerentes ao homem”. SÍLVIO DE SALVO VENOSA afirma que “A Súmula 227 do STJ admitiu expressamente que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Nunca se esqueça de que dano moral e direitos da personalidade são faces da mesma moeda”.

Defendendo a mesma teoria, CARLOS ALBERTO BITTAR afirma que os direitos personalíssimos “são plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo, fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (como, por exemplo, como o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra)”.

Entendemos, conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz e dos demais, ser a posição mais acertada a que defende que as pessoas jurídicas devem também ser titular de direitos da personalidade, todavia, deve-se levar em consideração a sua condição natural de inexistência de um organismo biopsíquico, tornando-as incapazes de serem titulares de alguns direitos personalíssimos, como o direito à integridade física, à higidez mental, à voz, ao corpo e suas partes separadas, ao cadáver e suas partes separadas, dentre outros. Assim sendo, as pessoas jurídicas podem perfeitamente ser titular de vários outros direitos da personalidade, como o direito à reputação, à honra, ao nome, à privacidade, à propriedade intelectual, ao sigilo, dentro outros.

Por fim, faz-se necessário demonstrar a posição de alguns tribunais brasileiros a respeito da matéria, através das decisões abaixo:

DIREITO CIVIL. PESSOA JURÍDICA. TALONÁRIOS DE CHEQUES. EXTRAVIO.

EMISSÃO INDEVIDA. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. SÚMULA 227/STJ. 1 – A responsabilidade pelo extravio de talonários de cheques é do banco que deve indenizar a pessoa jurídica titular da conta (súmula 227/STJ), sendo desnecessário provar reflexo patrimonial em concreto. Precedentes da Terceira e da Quarta Turma. 2 – recurso especial conhecido e, com aplicação do direito à espécie, parcialmente provido, para restabelecer a condenação por danos morais, porém, em valor limitado a R$ 20.000,00. 3 – Preliminar do art. 535 do CPC prejudicada. (STJ – Resp 537713/PB; Recurso Especial2003/0052594-6 – Quarta Turma – Rel. Ministro Fernando Gonçalves – DJ 05.09.2005 p. 414).

INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – PESSOA JURÍDICA – ADMISSIBILIDADE – LANÇAMENTO NO SERVIÇO CENTRAL DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO DO NOME DE SÓCIO AVALISTA EM RAZÃO DE DÍVIDA DA EMPRESA – REPARABILIDADE DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DECORRENTES DE OFENSA À HONRA OBJETIVA DO ENTE MORAL – NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DA BOA IMAGEM DA SOCIEDADE COMERCIAL, CUJA NATUREZA EXTRAVASA A SIMPLES PATRIMONIALIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA MAJORAR A VERBA ARBITRADA. Ao integrar de vez o dano extrapatrimonial em nosso direito, o legislador constitucional nenhuma distinção traçou no pertinente à vítima, enquanto o conceito doutrinário e jurisprudencial deixa transparente a possível ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica, a quem igualmente o direito protege o valor essencial de sua imagem (TJSP – AC 28.547-4 – 2ª CDPriv. – Rel. Des. Vasconcellos Pereira – j. 17.06.1997).