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Prisão Civil no Direito Brasileiro

1. INTRODUÇÃO
2. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO
2.1. Origem histórica da prisão civil até a regulamentação atual.
2.2. Prisão civil do artigo 5º inciso LXVII da atual Constituição Federal.
3. DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E DA PRISÃO DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO3.1. Origem histórica do contrato de alienação fiduciária em garantia até a regulamentação atual.
3.2.Aspectos sobre o contrato de depósito.
3.3. Alienação fiduciária em garantia como contrato de depósito.
3.4. Devedor fiduciário como depositário infiel, a possibilidade de prisão por dívida e a posição dos Tribunais.
3.5 Recepção de tratados internacionais no direito brasileiro: reflexo sobre a possibilidade da prisão civil.
4. A PRISÃO CIVIL NOS CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA FRENTE AO CÓDIGO CIVIL (LEI 10.406/2002)
4.1. Da propriedade fiduciária.
4.2 Possibilidade de prisão do devedor fiduciário no Código Civil

1. INTRODUÇÃO

O contrato de alienação fiduciária em garantia foi admitido no Brasil no fim da década de 60, num momento onde o país necessitava criar novas formas de circulação de capital, pois o país passava por um momento conturbado economicamente.

O objetivo deste proposto contrato era que, através de financiamentos em longo prazo, fosse permitido gerar novas aquisições, vendas e fortalecer o mercado interno.A alienação fiduciária foi expressamente instituída no direito brasileiro por meio do Decreto-Lei nº 911/69, e trata-se de um negócio jurídico bilateral, que objetiva transferir a propriedade da coisa móvel, com fins de garantia. Pode-se dizer então que este contrato transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem. Este instrumento jurídico só pode ser contratado através de instituições financeiras, com o objeto de aquisição, cujo valor foi levantado por meio de empréstimo, ficando ao direito de propriedade do banco credor, até que seja satisfeita a obrigação, transmitindo assim, certa segurança para as instituições financeiras, com relação à solvência dos seus devedores e estimulando as mesmas a celebrarem mais negócios.O devedor-fiduciante fica responsável pelo pagamento do preço; e até que este seja satisfeito, o credor-fiduciário detém a propriedade do bem sob condição suspensiva e a sua posse indireta. Não sendo satisfeita a obrigação o credor tem a prerrogativa de exigir a restituição do bem, e na hipótese do mesmo não ser devolvido, nem satisfeita a obrigação pecuniária, o legislador ordinário destinou ao devedor uma sanção extremamente severa, a prisão civil. Uma vez que equipara o devedor-fiduciante à condição de depositário do bem, permitindo que se apliquem a este os termos do artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal de 1988, que apresentam os dois únicos casos de possibilidade de prisão civil por dívida da legislação brasileira.De fato, existem as mais variadas interpretações sobre o assunto, o que faz com que as nossas mais altas cortes decidam a matéria em completa divergência. Enquanto o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de ser possível à prisão civil do depositário infiel no contrato de alienação fiduciária, defendendo a sua legalidade, por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça defende a tese de que a prisão não pode ser decretada, vez que o contrato de alienação fiduciária não caracteriza o típico contrato de depósito elencado como modalidade passível de prisão civil por divida, encartado na Constituição Federal.A configuração legal do possuidor direto como depositário não é suficiente para encerrar o debate referente à aplicação da pena de depositário infiel ao devedor-fiduciante, pois, como visto, em rigor, o devedor não é depositário típico, senão por equiparação. Torna-se, portanto necessário analisar os mais diversos institutos como o Código Civil, o Decreto-Lei nº 911/69, o Pacto de São José da Costa Rica, a interpretação constitucional, a revogação das leis e dos institutos, o conflito de normas dentre tantas que compõem o nosso ordenamento jurídico.

2. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 Origem histórica da prisão civil até a regulamentação atual

Desde os primórdios da humanidade existe um controle da vida em sociedade. O homem como ser sociável, precisa de limites para viver em paz, para poder se organizar, subsistir, perpetuar e continuar evoluindo.

Mesmo antes do surgimento do Estado, já existiam regras de comportamento social ditadas pelo direito natural para controle e organização do homem. A mitologia é vasta em exemplos de punição, de crenças voltadas à existência do pecado, de como o homem deve se portar para ter uma vida sadia e da conseqüência de seus atos, devido a suas escolhas.

A título de exemplos, vale citar a obra mundialmente conhecida de Dante Alighieri (1265 a 1321), “A divina comédia”, onde o poeta italiano explora sua imaginação em todos os níveis possíveis de se imaginar uma punição relacionada aos pecados cometidos pelos homens. De igual peso na história da humanidade encontramos John Milton (1608 a 1674), poeta inglês, que com o épico “O paraíso perdido”, recria o conflito entre Lúcifer e Deus, apesar do tema central da obra ser a justificativa da justiça divina (primeira das teorias que justificavam e legitimavam o comando estatal baseada em crenças e doutrinas) .

Na seqüência tivemos Jean Jacques Rousseau (1712-1778), mais conhecido como “pai do contrato social”. Ele teorizou o convênio formado entre a sociedade. A essência de sua doutrina é a seguinte:

[…] cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e cada um, obedecendo a essa vontade geral, não obedece senão a si mesmo. A liberdade consiste, em última análise, em trocar cada um a sua vontade particular pela sua vontade geral. Ser livre é obedecer ao corpo social, o que equivale a obedecer a si próprio. O homem transfere o seu eu para a unidade comum, passando a ser parte do todo coletivo, do corpo social, que é a soma de vontades da maioria dos homens. O povo, organizado em corpo social, passa a ser o soberano único, enquanto a lei é, na realidade, uma manifestação positiva da vontade geral . E pela infringência destas normas, destas regras de conduta e de organização da sociedade é que surgiu a prisão, como medida coercitiva de privação da liberdade do indivíduo transgressor. A prisão seria, portanto, uma sanção, uma pena imposta pela prática de um comportamento não aceito pela sociedade.

Álvaro Villaça Azevedo faz um estudo sobre a origem do termo prisão, encontrando significado de que:

A palavra prisão descende da francesa rision, que, por sua vez, deriva do vocábulo latino prehensio, onis, que significa cárcere, cadeia, prisão, penitenciária, xadrez, ato de prender alguém, de agarrar, de segurar, capturar, apreensão, do verbo prehendo, is, si, sun, ere (tomar, agarrar, reter, segurar, surpreender), derivado de per, do grego peri, com o verbo primitivo handere ou hendere, de uma raiz que significa prender; em grego, segurar; em anglo-saxônico, hand, mão . (Grifo do autor). A prisão, como meio coercitivo/punitivo, pode ser civil ou penal, de acordo com a natureza da infração. No caso, como se trata de relações de direito civil (contratos), a prisão em comento é a civil.

O referido autor conclui por conceituar especificamente a prisão civil como sendo “… o ato de constrangimento pessoal, autorizado por lei, mediante segregação celular do devedor, para forçar o cumprimento de um determinado dever ou de uma determinada obrigação “.

E esta prisão civil ora em estudo, tem utilidade e aplicação no momento de descumprimento da relação obrigacional, ou seja, trata-se de prisão civil por dívida, verificada pelo inadimplemento da obrigação assumida.

No direito brasileiro, a prisão civil por dívida esteve presente nas cartas constitucionais desde 1934. Antes, porém, somente tinha previsão em legislação infraconstitucional. Foi prevista inicialmente na Constituição Federal de 1934, art. 113, nº 30; seguida da Constituição de 1946, art. 141, § 32; Constituição de 1967, art. 150, § 17; por meio da Emenda Constitucional nº 1/69, art. 153, § 17; e por fim, inscrita junto ao artigo 5º, inciso LXVII da atual Constituição Federal de 1988, fazendo parte integrante do livro que regulamenta os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

2.2 Prisão civil do artigo 5º inciso LXVII da atual Constituição Federal

A Constituição Federal possibilita, apenas em casos excepcionais, a apreensão de algum indivíduo em razão de dívida contraída. A previsão normativa está contida no Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos), do Título II (Dos direitos e garantias fundamentais) da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

O entendimento doutrinário predominante é de que as duas hipóteses de prisão civil constantes neste inciso são taxativas, pelo que fica impossibilitado seu alargamento por determinação da legislação ordinária . Portanto, os dois únicos casos de dívida que ensejam a prisão civil são: a do “devedor de obrigação alimentícia” e a do “depositário infiel”.

Este estudo restringe-se a segunda hipótese, a de prisão civil do depositário infiel. Mais especificamente, a análise é feita quanto à possibilidade ou não da prisão civil do depositário infiel, assim tido, no contrato de alienação fiduciária.

Isto se justifica devido ao fato de existirem as mais variadas interpretações sobre o assunto, o que faz com que as nossas mais altas cortes decidam a matéria em completa divergência. Enquanto o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de ser possível a prisão civil do depositário infiel no contrato de alienação fiduciária, defendendo a sua legalidade, de contra-partida, o Superior Tribunal de Justiça defende a tese de que a prisão não pode ser decretada, vez que o contrato de alienação fiduciária não caracteriza o típico contrato de depósito elencado como modalidade passível de prisão civil por divida, encartado na Constituição Federal.

As regras do contrato de depósito estão contidas no Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406/2002 (artigos 627 a 652). Como a expressão é utilizada de maneira ampla na Constituição a norma infra-constitucional pode perfeitamente cominar a pena de prisão as mais diversas modalidades de depósito, sempre em caráter excepcional, permitindo ao depositário satisfazer a obrigação inadimplente por outros meios.

Porém, exige-se a caracterização típica do depósito para poder-se valer da prisão civil. Não se quer dizer que um contrato típico ou atípico, simplesmente colocando-se uma cláusula adjeta prevendo a pena de prisão por “intitular” o contrato como de depósito, o permissivo é válido; o mesmo se dica ao legislador ordinário quanto da elaboração de uma lei, por meros caprichos e interesse econômico, buscando privilegiar certo grupo social, camufle a verdadeira essência de um contrato, equiparando-o como de depósito, para fazer valer tal possibilidade, pois como nos ensina Celso Ribeiro Bastos,

A base subjacente a esta relação contratual é a confiança. Na verdade, o bem não vem às mãos do depositário senão em razão da grande confiabilidade que ele mereça. É esta a razão pela qual o Texto Constitucional abre uma exceção para tratar de maneira severa o depositário infiel, é dizer: aquele que não devolve a coisa que possua nesta qualidade, embora reclamada pelo depositante .

Tem-se, pois, aqui, a primeira noção do que significa o contrato de depósito: “confiança”. Sem ela, em que pese entendimento em contrário, não há típico contrato de depósito passível de prisão civil, como prevê a Constituição.

Outro fator que merece ser ponderado é a expressão “na forma da lei” que foi abolida do dispositivo referente à prisão civil (art. 5º inc. LXVII da CF/88) que constava na Constituição Federal de 1967. Na doutrina e na jurisprudência podem-se encontrar certas divergências, no sentido de se querer compreender qual o alcance do termo e seus reflexos na atual Constituição.

Com base no estudo levantado por Mônica Alves Costa Ribeiro , chega-se a conclusão de que a expressão “na forma da lei” não permitia ao legislador ordinário criar novas figuras de depósito, referindo-se tão somente essa expressão, à forma de aplicação da prisão civil, ou seja, seu procedimento (o devido processo legal deveria ser respeitado antes de sua decretação).

Por conseqüência, fica totalmente evidenciado que a Constituição atual afasta qualquer hipótese de criação de casos permissivos de prisão civil, restringindo-se, assim, sua interpretação. Impossibilita-se, portanto, a equiparação legal do contrato típico de depósito com a figura do contrato de alienação fiduciária, como alguns querem fazer parecer ser possível. A citada autora manifesta-se de forma concreta neste sentido, ao dizer que:

Não se pode negar, no entanto, que seja possível ao legislador ordinário criar novos casos de depósito. O que não se admite é desejar impor a estes casos a prisão civil, posto que as normas restritivas de liberdade do cidadão não podem ser ampliadas, estendendo-se seu conteúdo para situações anteriormente não previstas na Constituição Federal .

Esta é outra circunstância que faz parecer, no mínimo estranha a possibilidade de prisão civil do devedor fiduciário, eis que se trata, em linhas gerais, de um contrato de depósito por “equiparação”, e não genuíno, como será visto mais adiante.

3. DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E DA PRISÃO DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO

3.1. Origem histórica do contrato de alienação fiduciária em garantia até a regulamentação atual

O direito romano conhecia o negócio fiduciário sob duas modalidades: fidúcia cum amico e fidúcia cum creditore. A primeira era uma espécie de contrato de confiança e não de garantia, em que o fiduciante alienava seus bens a um amigo, com a condição de lhe serem restituídos quando cessassem as circunstâncias aleatórias, como o risco de perecer na guerra, enquanto que a segunda continha caráter assecuratório ou de garantia, pois o devedor vendia seus bens ao credor sob a condição de recuperá-los se, dentro de certo prazo, efetuasse o pagamento do débito.

A fidúcia cum amico¸ voltada mais à confiança que a garantia, fez parte do Projeto do Código de Obrigações de 1965 como contrato de fidúcia (art. 672), mas não foi levado a efeito, não sendo acolhido no Anteprojeto de 1972/73.

Em continuidade, a lei nº. 4.728/65 (Lei de Mercado de Capitais) introduziu a “alienação fiduciária” em nosso direito positivo, como típico “contrato de fidúcia”, tomando por base a fidúcia cum creditore romana, lei esta que posteriormente foi modificada pelo Decreto-lei nº. 911/69, que resolveu por melhor conceituar o instituto, com a seguinte redação:

Art. 66. Lei nº. 4.728/65 .A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direito e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Pelo conceito de Caio Mário, pode-se definir alienação fiduciária, típico direito real de garantia, como sendo “[…] a transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida “.

Na conceituação jurídica de Celso Marcelo de Oliveira:

A alienação fiduciária pode ser definida como um negócio jurídico pelo qual o devedor fiduciante transfere o domínio transitório e resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada ao credor fiduciário como garantia de um débito, ficando com a posse direta e como depositário desta até o pagamento da dívida garantida, quando lhe é restituído o bem fiduciado .

A seu turno, Orlando Gomes a define como “[…] o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire em confiança a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe seja pedida a restituição “.

Pontes de Miranda classifica a fidúcia cum amico como fidúcia pura, enquanto que a fidúcia cum creditore, corresponde à fidúcia impura e não admitia que a propriedade fosse resolúvel. A propriedade fiduciária brasileira, que é resolúvel, teve origem germânica e não romana por ser subordinada à realização resolúvel em segurança do fiduciante, o que não acontecia nas duas modalidades previstas no direito romano onde havia a transferência da coisa ou de um determinado direito .

Atualmente, o Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406/02, faz expressa menção à alienação fiduciária como propriedade resolúvel, quando em seu artigo 1.361 dispõe que “considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”.

Portanto, são sujeitos na alienação fiduciária: o devedor fiduciante, também denominado de alienante; e o credor fiduciário, também denominado de adquirente ou proprietário fiduciário.

Em termos gerais, esta é a origem histórica e conceito de alienação fiduciária até a regulamentação atual, que, além do Decreto-lei nº 911/69, encontra tipificação no Código Civil brasileiro.

3.2 Aspectos sobre o contrato de depósito

O contrato de depósito surgiu no direito romano como sendo tudo aquilo que foi dado a alguém para guardar, no que se confundia a coisa dada em depósito e o próprio instituto de contrato típico. Então, tem-se a figura do depositante (aquele que dá algo a alguém para guarda) e o depositário (o que recebe o bem em depósito para guardá-lo).

Encontramos, ainda, como legado do direito romano o brocardo segundo o qual “rei depositae proprietas apud deponentem manet sed et possessio “, o que faz crer que o depositário é um mero detentor e possui em nome de outrem, afastando assim a hipótese que é essencial a alienação fiduciária e que, por isso, a afasta do contrato de depósito, que é “adquirir” o bem móvel e não apenas guardá-lo. Estas são as primeiras e simples referências de tantos outros detalhes e circunstâncias, que demonstram a diferença entre o contrato de depósito típico e o híbrido contrato que resulta na alienação fiduciária, sabendo sempre que toda esta diferenciação é devida e de extrema importância pelo seu resultado final: possibilidade ou não da prisão civil nos contratos de alienação fiduciária.

A alienação fiduciária encerra a qualidade de contrato de depósito. Daí a sua emergente importância, porquanto o inadimplemento da obrigação assumida, no caso a pena de prisão civil, em tese, somente pode ser oposto ao “depositário infiel”. Assim, a conclusão de que a alienação fiduciária é um típico contrato de depósito é o cerne de toda questão acerca da possibilidade ou não desta prisão: caracterizando pelo depósito, pode ser viável a prisão; descaracterizando, é inviável a prisão, sendo, desnecessários maiores comentários.

E com escopo de que a definição, bem como desmembramento de seus fatores constitutivos é interessante ao presente estudo, passamos a conceituação do contrato de depósito.

Nos dizeres de Pontes de Miranda: “Contrato de depósito é contrato pelo qual alguém, depositário, se incumbe de guardar (custodiar) coisa móvel de outrem, e entregá-la ao depositante” .

São elementos característicos deste tipo de contrato : a) natureza contratual (contrato unilateral, gratuito, real, intuita personae); b) entrega da coisa móvel pelo depositante ao depositário; c) obrigação de custódia; d) restituição da coisa pelo depositário na ocasião ajustada, ou quando reclamada; e) temporariedade; e em regra f) gratuidade.

Pára o estudo da figura da alienação fiduciária, a atenção agora é voltada ao item “c” (obrigação de custódia: conservação material do bem no estado em que foi recebido), pois, tem – se como característica do contrato, ser a coisa dada em depósito, com o “intuito de ser guardada” , e não simplesmente dever de custódia.

É na obrigação de custódia (baseada na confiança que o depositante tem com o depositário de que o bem lhe será restituído em sua integralidade), que o depósito se distingue do comodato, onde o comodatário recebe a coisa para a sua utilização e não para sua guarda.

E é justamente nesta “intenção” de guarda e não intenção de qualquer outra coisa como “uso” ou “aquisição de bem”, que o depósito tem seu principal requisito. Nos ensina Manuel Inácio Carvalho de Mendonça:

O depósito caracteriza-se em ter sido dada a coisa para ser guardada. A promessa de depositar não suscita relações jurídicas. Pode-se permitir o uso ao depositário, sem dúvida, mas não de forma tal que esse uso seja o fim principal do contrato, porque então ele se transformaria em comodato. É preciso, enfim, que a guarda da coisa tenha entrado no contrato como um fim precípuo e não que tenha nele entrado ou aparecido como conseqüência de um outro contrato .

Com estas considerações já fica mais clara e nítida de se vislumbrar a idéia objetiva deste estudo, pois se tem como novas circunstâncias, o fato do depósito – na alienação fiduciária – ser um contrato conseqüente da propriedade fiduciária resolúvel, e não o principal em si mesmo; e também que o uso do bem igualmente vem a ser uma necessidade característica da alienação fiduciária, vez que quem objetiva adquirir a propriedade, já que é resolúvel, tende a usar o bem, que é um dos poderes da propriedade. É salutar, para uma melhor conclusão, tecer maiores comentários acerca do instituto em comento.

O autor supracitado, na diferenciação do contrato de depósito e do contrato de comodato, aponta como essencial que no depósito se busca exclusivamente a guarda do bem; enquanto que no comodato vai-se além da guarda, pelo que o comodatário objetiva o uso do bem. Outrossim, identifica que no depósito, o depositante pode retomar o bem deixado em depósito “a qualquer tempo”, ou seja, o depositário recebe o bem para guarda, até que o depositante o reclame (art. 627 do CC/02); enquanto que no comodato, o bem não pode ser retomado pelo comodante quando lhe aprouver, mas somente quando encerrado o termo estipulado (art. 581 do CC/02). Vejamos o que ensina a doutrina a respeito:

Mas o depositário recebe o objeto para guardá-lo, enquanto no comodato o comodatário o recebe para usá-lo. Com o comodato o termo é estipulado em favor do comodatário; no depósito, a favor do depositante. De modo que este pode retomar o objeto quando lhe aprouver, ao passo que isso não pode fazer o comodante .

Fazendo referência ao direito comparado, em seus comentários ao Código Civil de 1.916, Clóvis Beviláqua, na análise do artigo 1.275, atual artigo 640 do Código Civil de 2.002, com acréscimo apenas na parte final, mas que nada interfere em sua essência, observa que:

O Código Civil francês, o italiano e outros permitem o uso da coisa depositada com o consentimento expresso ou presumido do depositante. O brasileiro, como o português, o espanhol e alguns mais, exige o consentimento sempre expresso. Mas, em verdade, se ao depositário se concede o direito de usar da coisa, já não mais haverá depósito, e sim comodato se a coisa for infungível e o uso gratuito; locação, se oneroso for o uso; mútuo, se for a coisa fungível. A essência do depósito é a custodia rei, a guarda da coisa. O Código Civil venezuelano, art. 1834, previne que o contrato deixa de ser depósito, quando ao depositário é facultado o uso da coisa depositada. É a doutrina correta . Novamente asseverando a distinção entre o contrato de depósito e o empréstimo, na modalidade de comodato, observa-se nitidamente que o substrato do depósito é a guarda e restituição quando exigido pelo depositante, ao passo de que para o comodato, a função principal é a utilização da coisa, que para o depósito é apenas a exceção e não a regra, isto porque o depósito visa servir aos interesses do depositante enquanto que no comodato, os do comodatário.

Finalmente, na privilegiada obra de J. M. de Carvalho Santos, o insigne doutrinador, com base na melhor doutrina do direito comparado, aponta em seus estudos que o contrato de depósito é eminentemente voltado para o fim da guarda. No entanto, se autorizado ao depositário que da coisa se utilize (art. 1.275 do CC/16, atualmente artigo 640 do CC/02), isto por si só não faz com que desfigure o contrato do depósito.

A previsão está na lei. Porém, como sabido, o fim precípuo do contrato de comodato é a transferência do “uso”, daí sua distinção do depósito. Assim, ocorrendo do depósito prestigiar não a “guarda”, mas sim, essencialmente e não excepcionalmente ser de finalidade voltada ao “uso”, então se está diante da “degeneração do contrato de depósito em contrato de comodato”, pois a intenção das partes, o fim principal a que se destina o contrato não é o depósito, mas o uso. Eis a lição do doutrinador citado:

“Não menos importante se apresenta a distinção entre o depósito e o comodato, pelo fato de que o depositário pode ser autorizado a servir-se da coisa depositada (art. 1.275). O depósito não degenera em comodato, por isso. O que convém examinar é a intenção das partes: se o objeto do contrato, o seu fim direito e principal, continua a ser a guarda da coisa, sendo o uso desta meramente acidental, o depósito não se transformou. (Cfr. Aubry et Rau, obr. Cit., pág. 618; Pont, obr. Cit. 11.388) “.

Fazendo distinção entre o contrato de depósito e o contrato de comodato, Pontes de Miranda os diferencia, também, pela finalidade, pelo interesse principal de um e de outro, dizendo o seguinte:

No comodato, o fim é o do interesse exclusivo do comodatário, o que o distingue, evidentemente, do depósito. O comodatário guarda porque usa ou usa e frui. Pode-se aludir, aí, à instrumentalidade da custódia. No depósito, a iniciativa é do depositante, mesmo se excepcionalmente ocorreu invitatio ad depositandum. No comodato, se há interesse do comodante em dar para guardar o bem, tal interesse não atinge a estrutura do comodato .

E mais adiante: “O que importa é a posição do interesse no contrato: se de quem recebe o bem, há comodato; se de quem entrega, há depósito “.

Na mesma linha de pensamento Maria Helena Diniz também reconhece a finalidade do depósito como sendo a “guarda” e não o uso, sob pena de ser desvirtuado o contrato de depósito para “comodato” ou “locação”, eis que este é o fim precípuo destes tipos de contrato. Vejamos:

Igualmente, não o desvirtuará, se porventura o depositante autorizar o uso da coisa depositada pelo depositário, porém tal uso não poderá ser o fim precípuo do contrato, senão ter-se-á comodato (se gratuito o uso) ou locação (se remunerado o uso). O importante é que a guarda do bem depositado seja o objetivo primordial da convenção. A guarda de coisa alheia é seu corolário essencial e a principal obrigação do depositário. O escopo primordial do depósito é a guarda da coisa e não o uso dela, nem a transferência de propriedade . (Grifo nosso).

Estes são alguns aspectos comparativos importantes para se poder entender e caracterizar ou não o contrato de alienação fiduciária como contrato de depósito, possibilitando, assim, a imposição das mesmas obrigações e sanções do depositário ao devedor fiduciante.

3.3 Alienação fiduciária como contrato de depósito Para Maria Helena Diniz, “o depósito é o contrato pelo qual um dos contraentes (depositário) recebe do outro (depositante) um bem móvel, obrigando-se a guardá-lo, temporária e gratuitamente, para restituí-lo quando lhe for exigido (CC, art. 1265) “.

O depósito pode ser convencional (voluntário – art. 627 CC; e necessário – art. 647 CC) e judicial (art. 334, 635 do CC e 148 901 do CPC). Ambos comportam a prisão civil do depositário, variando no momento de sua decretação.

A atenção é voltada ao depósito convencional, na modalidade de depósito voluntário, ou seja, há manifestação volitiva das partes no sentido de contratar livremente, sem a imposição da lei, de tal forma que as partes assumem obrigações e gozam direitos expressos na lei, fazendo-o conscientemente, exercendo a liberdade de contratar.

Como visto, os esforços são empenhados para caracterizar ou não a alienação fiduciária como contrato de depósito, para, daí, poder empregar a prisão civil quanto ao depositário infiel, isto porque parte da doutrina, da qual nos filiamos, entende que no contrato de alienação fiduciária, não há contrato de depósito típico. Outro não é o entendimento de Luiz Edson Fachin, que argumenta neste sentido:

“O tema da prisão civil na alienação fiduciária, como se vê, remete ao debate sobre depósito, cuja presença, na hipótese, não se afigura integralmente. Posto que nessa modalidade há transferência de domínio e se instaura a posse direta sobre o bem, difícil resta a caracterização de depósito, pois o devedor não se equipara a quem guarda bem alheio; há jurisprudência em sentido diverso, como também há sólida construção doutrinária divergindo de tal orientação “.

Teresa Ancona Lopez cita ser necessário a existência de três elementos constitutivos do depósito genuíno, aquele previsto no artigo 627 do Código Civil. São eles: a) a guarda; b) bem móvel; e c) bem fungível. Destes elementos, o principal é a “guarda”. Em que consiste então a “guarda”?

Para a citada autora, a “guarda” consiste na obrigação do depositário manter o bem móvel sob sua posse, mas “sem se utilizar da coisa”. Atente-se ao fato de que o Código Civil em vigor, faz expressa menção em sentido contrário quando regulamenta a Propriedade Fiduciária. Eis a redação dada pelo legislador ao artigo 1.363 do Código Civil:

Art. 1.363.Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

I – a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;

II – a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.

Isto é extremamente importante, devido à conclusão inevitável: se o depositário não pode usar a coisa depositada, então no caso do depósito do bem móvel alienado fiduciariamente que fica a cargo do devedor fiduciante, possuidor direto e, portanto, depositário do bem que pretende adquirir a propriedade resolúvel, não se está diante de um “depósito” genuíno, na acepção jurídica do termo.

Ora, se o depositário fica na posse do bem móvel, como no caso é normalmente feita alienação sobre veículos, o “uso” do bem por parte do devedor afasta a possibilidade de caracterizar contrato de depósito? Disto se infere que o devedor fiduciante não pode ser “compelido”, “reprimido” em sua liberdade de ir e vir, eis que não é essencialmente depositário? São suas palavras:

Tendo em vista ser a guarda obrigação precípua do depositário, ele não poderá se utilizar da coisa, sendo vedado tal uso, pois é da natureza do depósito ser em benefício do depositante e não do depositário. Exatamente a impossibilidade de uso da coisa diferencia o depósito do comodato. Se fosse da essência do depósito o uso da coisa, o contrato acabaria se confundindo com o comodato .

Em posição contrária, mesmo assumindo que a finalidade do comodato é a guarda da coisa para uso próprio, Silvio de Salvo Venosa entende que “a faculdade de utilização não desnatura o contrato de depósito “; e mais adiante é incisivo ao firmar seu posicionamento como doutrinador, que sempre manteve durante o exercício da magistratura, dizendo o seguinte sobre o contrato de alienação fiduciário como contrato de depósito: “A nosso ver, como reiteradamente vínhamos decidindo, nesse contrato o alienante fiduciário é em tudo depositário “. Admite, pois, a prisão do depositário infiel, assim considerado, no contrato de alienação fiduciária, por “quebra de confiança” .

Mas que confiança existe nesse caso específico, quando se equipara a alienação fiduciária ao contrato de depósito, se o depositante em questão não tem poder de livre escolha de quem será o depositário do bem de “sua propriedade”, já que o depósito é feito em proveito do depositário que objetiva “adquirir a propriedade plena” do bem que está sob sua guarda?

Ora, a idéia romana de escolha de depositário fundada na “fidúcia”, na “confiança”, parece ter sido completamente rompida neste tipo de contrato típico. Só se imaginar que a “confiança” se confunde com uma certa “expectativa” de solvência do devedor, depositário do bem alienado fiduciariamente, que vai cumprir com suas obrigações.

Mesmo assim, a confiança de adimplemento é do pagamento do “empréstimo” e não do cumprimento da “guarda em confiança” como deve ser. Isto porque o risco de deterioração da coisa, seja por caso fortuito ou força maior, corre totalmente por contra do devedor-fiduciante, sendo, portanto, completamente contrário às regras do contrato de depósito, onde os riscos correm por conta do depositante que é e continua sendo proprietário. O depositário não é, assim, obrigado pelas conseqüências da deterioração ou perecimento da coisa, por força maior ou caso fortuito, salvo se estiver em mora.

Portanto, não existe confiança herdada da tradição romana, mas apenas um instituto com fim de “garantia”. Nada mais. Em definitivo, atenta ao caráter de “aquisição do bem depositado” e não na sua simples “guarda”, característica tradicional do contrato de depósito, Teresa Ancona Lopez firma seu posicionamento com os seguintes dizeres:

Cabe esclarecer que, tecnicamente, não há um contrato de depósito quando se aliena fiduciariamente um bem. Isso porque o fiduciante utiliza-se da alienação fiduciária para adquirir bens (e obviamente quem adquire bens tem por objetivo a sua utilização) ou obter um financiamento (caso em que há alienação fiduciária de um bem que já é de propriedade do devedor). Em ambas as hipóteses, o fiduciante utiliza a coisa como proprietário que é (ainda que sob condição resolutiva) .

E em seguida, sob o prisma político-social da questão tece o seguinte comentário: “Assim, em relação à alienação fiduciária a lei cria a figura do depositário onde ela inexiste. Cria apenas para benefício do credor fiduciário (instituições financeiras). Há verdadeira distorção do instituto do depósito”.

A alienação fiduciária baseada na prisão civil do devedor por ser considerado depositário infiel, enfrente barreiras muito mais amplas do que interpretação jurídica do instituto e de preceitos constitucionais. Ela está alastrada no problema social, pois a manutenção da prisão civil, neste tipo de negócio jurídico, se justifica apenas como meio de diminuir os altos índices de inadimplência que têm enfrentado o país.

Argumentando nesta linha de pensamento, podemos afirmar que utilizar-se da prisão civil para solucionar a inadimplência é o mesmo que diminuir a maioridade penal para resolver os problemas da delinqüência juvenil.

É de longa data o entendimento segundo o qual não se guarda em depósito consigo mesmo, coisa própria, ou que se quer adquirir a propriedade plena, como ocorre na alienação fiduciária, sendo este, outro fator que desvirtua a alienação fiduciária como contrato de depósito.

No caso, o suposto depositário na alienação fiduciária tem a “propriedade resolúvel” do bem do depósito, não deixando de tê-la, portanto, como sua. Isto força a conclusão de ser inviável a possibilidade de depósito neste instituto .

3.4. Devedor fiduciário como depositário infiel, a possibilidade de prisão civil por dívida e a posição dos tribunais.

A figura do depositário é encontrada no Código Civil, junto aos artigos 627 e seguintes, tendo amparo no artigo 5º, inciso LXVII da CF/88. Pela redação do artigo 66 do Decreto 911/69, fica patente que o fiduciante, no contrato de alienação fiduciária, é equiparado a depositário, isto, sem se adentrar as novas determinações do Código Civil, junto aos artigos 1.361 e seguintes que tratam da propriedade fiduciária, situação esta que será vista posteriormente.

Entretanto, apesar de constar no texto legal, o devedor fiduciante não pode ser entendido como depositário infiel, de forma que a prisão civil que vários magistrados têm decretado, com amparo no que diz a lei, estão compostas de diversos equívocos.

Como motivo, pode-se apontar que, na alienação fiduciária em garantia, não se tem um contrato de depósito típico, sendo, portanto, hipótese de prisão sem amparo constitucional, na medida em que a Constituição Federal apenas admite a prisão civil por dívida nos casos do devedor de alimentos e do depositário infiel.O contrato de alienação fiduciária em garantia foge aos moldes dos contratos de depósitos característicos do Código Civil brasileiro. Com visto, há extremas diferenças, tais como: o devedor utiliza-se do bem que está sob sua guarda, o que, em regra, é contrário ao depósito típico; o devedor guarda coisa sua e não de terceiro, já que o credor tem a propriedade resolúvel do bem; o devedor é depositário sem a qualidade de confiança, já que o depositante não o escolheu por nenhuma caraterística pessoal, mas tão somente por uma relação negocial; e o fiduciante não recebe o bem com a intenção de restituí-lo ao fiduciário assim que reclamado, mas ao contrário, com a intenção de adquiri-lo definitivamente.

Todas estas diferenças levam a conclusão de que a transformação do devedor-fiduciante em depositário é apenas uma ficção jurídica e não uma realidade. Apesar disso, hoje, o entendimento dominante é de aceitação da prisão civil na alienação fiduciária, alicerçado nos seguintes argumentos: que a Constituição não define o conceito de depositário infiel, ficando, tal hipótese, a cargo do legislador ordinário que, quando a norma expressamente o declare, então o devedor será depositário infiel; a alienação fiduciária em garantia é um contrato misto, entre o contrato de depósito e o de mútuo, devendo ser respeitadas suas regras pelos contratantes; o devedor é equiparado a depositário do bem, pois o domínio e a posse indireta do bem pertencem ao credor, cabendo ao devedor somente a posse direta.

Por conseqüência, o devedor-fiduciante deve zelar pela coisa dada em depósito e têm as mesmas obrigações de guarda do depósito, como fiel depositário, de forma que o perecimento da coisa, por sua culpa ou não, torna-o responsável pela mesma, enquadrando-o como depositário infiel, sendo-lhe, assim, aplicáveis a cominação da prisão civil.

Todavia, não existe um consenso entre os analistas do direito sobre o tema. Com isso, o magistrado que conceda a prisão, não estaria a cometer ato de ilegalidade por estar amparado em lei. De igual forma, aquele que deixa de concedê-la, também encontraria respaldo em sua interpretação e aplicação. Inobstante tudo isto, a lei trás esta possibilidade e a mesma deve ser enfrentada.

Fica muito claro que a pena de prisão civil do depositário infiel é apenas meio coercitivo para se obter a execução da obrigação de restituir o depósito. Isto faz parecer cada vez mais injusta a possibilidade desta prisão no contrato de alienação fiduciária, pois se utiliza da equiparação do fiduciante, como depositário de “seu próprio bem” e não de coisa alheira, de um bem do qual não será restituído, pois a intenção é “adquiri-lo”, para justificar uma prisão que nada mais é do que um mecanismo de pressão psicológica e de proteção das instituições financeiras.

Sendo assim, qual é a diferença essencial de um devedor entre particulares (que não pode ser preso de dever a alguém), ou qualquer pessoa que deva junto ao comércio local e o devedor de um banco? Ora, se o particular, se as empresas comuns podem apenas utilizar-se de tantos outros mecanismos de direito civil, executando, protestando, inscrevendo o nome do devedor junto ao banco de dados de cadastro de inadimplentes, o que justifica esta diferença?

A resposta, apesar de ser de conhecimento geral, não quer ser ouvida, não quer ser reconhecida: não há diferença alguma! A diferença está em se conceder mais garantias aos bancos, que sempre tiveram proteção especial do governo brasileiro, devido a interesses econômicos e políticos que precisam ser mantidos. Contudo, jamais o interesse patrimonial pode ser colocado acima da liberdade, pois, partindo da premissa de que o cerceamento da liberdade decorre de questão meramente patrimonial, considerando que a lei por ficção equiparou o devedor fiduciante a depositário, não se pode colocar a segurança do crédito como valor superior ao direito de ir e vir, inequivocamente de maior importância. Não têm o legislador ordinário competência necessária a ponto de restringir a liberdade nessa hipótese, quando a própria Constituição Federal não conferiu expressão ampla, já que sobre o tema, a interpretação extensiva da norma constitucional é indevida em relação a casos não tratados.

Quanto aos tribunais, estas e outras idéias são aplicadas e defendidas pelos ministros. Com o recurso especial nº. 149518 de 05-5-1999, Relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, uniformizou a jurisprudência no sentido de inadmitir a prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária, por não existir depósito efetivo nesta espécie .

Em sentido extremamente contrário, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal editou Súmula nº. 09, tendo o seguinte teor: “É cabível a prisão civil de devedor que não efetua a entrega do bem alienado fiduciariamente” .

O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento favorável a prisão civil, mas não em sua totalidade de ministros, tendo alguns votos dissidentes no sentido de inadmitir a prisão do devedor. O primeiro precedente de uniformização jurisprudencial do STF quanto à possibilidade da prisão do devedor é encontrado no HC nº. 72.131, sessão de 23-11-95 , que já se manifesta também sobre o Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional do qual veremos no próximo tópico. Há diversas decisões a este respeito, mas ainda há outros fatores a serem analisados acerca da prisão civil na alienação fiduciária.

3.5 Recepção de tratados internacionais no direito brasileiro: reflexo sobre a possibilidade da prisão civil O decreto de prisão do devedor fiduciário vem sendo analisado à luz de preceitos constitucionais. Notadamente os artigos 1º, inciso III, 3º, inciso I, e 5º, caput, da CF/88, que enunciam a dignidade da pessoa humana e o direito a liberdade têm maior valor quando contrapostos ao direito de propriedade. Querer alcançar o patrimônio do credor por meio da prisão afronta estes princípios. As instituições financeiras não podem se valer ser privilegiadas com tal possibilidade, fazendo cobrança da dívida mediante ameaça de prisão .

Como se sabe, a Constituição é a maior lei de um país, por meio da quais todas as outras têm origem e são subordinadas. A Constituição de um país representa a sua soberania, representa a vontade de um povo expressa em um texto que engloba todos os anseios da sociedade organizada. É por isso que ela é tão importante, tanto que seu texto deve ser respeitado e em alguns casos não pode sofrer mutação qualquer que seja, pelo legislador, noutros momentos a sua alteração é dificultada ao máximo.

Ocorre que o mundo se tornou globalizado e a soberania de um povo já não se faz tão somente quanto a regulamentação e organização social interna. Atualmente os países ultrapassaram as fronteiras territoriais de sua extensão e buscam cada vez mais competir no mercado internacional consumidor. Daí foi necessário um repensar do direito, onde surgiu o “Direito das Gentes”, ramo do direito público, intitulado de Direito Internacional. Em breve síntese,

Esta nova realidade internacional foi desencadeada, mais nitidamente, a partir da queda do muro de Berlim que representou o fim do modelo estatal socialista e decretou o sepultamento da guerra fria e de um mundo bipolar. A partir de então a humanidade tem convivido com novos fatores que estão a compor um novo cenário internacional tais como a) o surgimento de novos atores do plano internacional antes apenas reservado aos Estados soberanos, como as organizações internacionais e as ONGs; b) à revolução tecnológica, indo do computador à “Internet”, a dinamização das informações e telefonia; c) a transnacionalização dos capitais e empresas com o conseqüente “deslocamento da soberania” do setor público estatal para o privado; d) a tendência de os Estados buscarem a integração regional e se organizarem em blocos econômicos ou organizações internacionais . (Grifo do autor).

Por meio dele, os países foram estreitando suas relações e puderam criar sistemas normativos de atuação mutua entre Estados no território e mercado externo. Foram firmados acordos internacionais, denominados tratados, convenções e outros.

E o Brasil, como não poderia deixar de ser, ansioso em participar da atividade mundial, participa efetivamente nesta criação de uma ordem internacional, estando, portanto, sobre a influência da legislação externa.

Com isso se quer dizer que a inovação do Direito das Gentes foi um impulso a economia, mas de certa forma, impôs condições ao país para o exercício da soberania nacional. É que ao se firmar um tratado internacional, o país que o adere, obriga-se no plano internacional e, após implantada e referendada o tratado por meio de lei dentro do país, este passa a ser lei interna devendo ser respeitada como qualquer outra norma.

A Constituição brasileira reconhece como fonte de direitos, os tratados internacionais celebrados entre Brasil e outros Estados. A redação do § 2º do artigo 5º da CF/88 não deixa dúvidas a este respeito ao prever a possibilidade de extensão dos direitos e garantias fundamentais a possíveis tratados internacionais a serem celebrados: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Pára que estes tratados tenham força de lei dentro do direito brasileiro, devem ser incorporados ao nosso ordenamento jurídico. Isto se faz por meio de recepção. A implantação de um tratado dentro do Direito Interno é de competência do Congresso Nacional. A este respeito o artigo 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988, diz ser de competência exclusiva do Congresso Nacional “[…] resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Alexandre de Moraes nos ensina que: “Os atos e tratados internacionais para serem incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, necessitam de referendo do Congresso Nacional (CF, art. 49, I), via decreto legislativo e posterior edição de Decreto Presidencial, promulgando e publicado o ato/tratado, dando-lhe executoriedade […]” .E neste contexto existem determinadas normas que dizem respeito a prisão civil por dívida. Pode-se citar como de grande importância, a previsão de norma de Direito Internacional constante na Convenção Americana sobre Direitos Humanos no que tange a prisão civil, isto porque, como exposto acima, a Constituição brasileira reconheceu como fonte de direitos e garantias os tratados internacionais (art. 5º, § 2º da CF/88).

Em 16.12.66 foi assinado o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, sendo retificado em 24.01.92. Este tratado, já trazia em seu bojo a previsão de proibição da prisão civil por dívida. Posteriormente, o Brasil participou da elaboração e assinatura da Convenção Americana de Direitos Humanos, firmada em 22.11.69 e aprovada pelo Congresso em 25.09.92. Esta convenção, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foram edificadas a categoria de Tratado Internacional ao ser aderida por diversos países, e também pelo Brasil, sendo aqui conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, Decreto nº 592/92.

Esta convenção, trás em seu texto, junto ao artigo 7º, vedação expressa quanto a possibilidade de prisão civil do devedor: “Art. 7º. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude do inadimplemento de obrigação alimentar”.

Esta disposição do tratado internacional tem causado muitas discussões sobre a possibilidade de prisão civil, no sentido de se saber se o tratado poderia ou não ter revogado normas de direito interno.

Inicialmente, deve ser observado que o próprio texto constitucional faz menção expressa de que a República Federativa do Brasil, para constituir-se como um Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos a “soberania nacional” (artigo 1º, inciso I da CF/88). Com isso se quer dizer que a lei interna irremediavelmente deve prevalecer sobre um tratado internacional, mesmo que recepcionado pelo Brasil.

Tem-se, pois, instalado um conflito entre direito internacional (tratado que repudia a prisão civil por dívida) e o direito interno (Decreto-Lei nº 911/69 e artigos 902 e 904 do Código de Processo Civil que autorizam a prisão civil por dívida). E para se dirimir tal controvérsia deve-se saber de cada país, em que se fundamenta o direito internacional público, ou seja, o que prevalece no conflito de normas.

Duas correntes doutrinárias são encontradas a este respeito. Primeiro, para os autores dualistas o direito internacional e o direito interno são sistemas distintos e independentes, de tal forma que independe a sintonia da norma internacional junto ao direito interno para ter validade neste. Por outro lado, os autores monistas dividem-se em duas correntes: os dos que sustentam a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional; e os dos que apregoam o primado do direito nacional de cada Estado soberano.

Com base no fundamento da República presente no artigo 1º, inciso I, da CF/88 (soberania) fica fácil constatar que o Brasil aderiu a esta última corrente, ou seja, ao primado do direito interno em confronto com o direito internacional. Como isso, pára que um tratado tenha validade dentro do direito interno, não pode estar em conflito com o que prega a Constituição brasileira, resultado do exercício da soberania nacional. Quanto a isto não restam dúvidas. Não obstante, vale citar as palavras de Francisco Resek sobre o tema proposto:

Embora sem emprego de linguagem direta, a Constituição brasileira deixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle de constitucionalidade, a exemplo dos demais componentes infraconstitucionais do ordenamento jurídico. Tão firme é a convicção de que a lei fundamental não pode sucumbir, em qualquer espécie de confronto, que nos sistemas mais obsequiosos para como direito das gentes tornou-se encontrável o preceito segundo o qual todo tratado conflitante com a constituição só pode ser concluído depois de se promover a necessária reforma constitucional .

Seguindo por esse caminho, pode-se concluir que o Tratado Internacional em nada afetou o direito interno, quer seja entre normas infraconstitucionais, quer seja frente a própria previsão de possibilidade de prisão civil por dívida constante na Constituição.

Assim, facilmente estaria resolvida a questão de forma que a o Pacto de São José não traria qualquer influência ao direito brasileiro por afronta a dispositivo constitucional que prevê a possibilidade de prisão civil.

Por outro lado, não se pode ignorar, igualmente, que a Constituição brasileira protege as chamadas cláusulas pétreas, dentre elas, os direitos e garantias individuais inscritos no artigo 5º, conforme artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal. E se por um lado a Constituição impede a exclusão direta ou indiretamente de um desses direitos individuais, o contrário, ao bem de todo cidadão, não pode ser verdade. Com isso, quer-se dizer que o enlargamento do rol de direitos não pode ser impedido.

Desta forma, estaria igualmente correto o pensamento segundo o qual a prisão civil foi revogada do texto constitucional, ao se pensar que um tratado recepcionado pelo direito interno tem força de lei e deve ser igualmente respeitado. Na mesma linha de raciocínio, argumenta a doutrina:

Com isso, ao referendar o Tratado de São José da Costa Rica, o Congresso Nacional, ainda que tacitamente, tornou ineficaz o dispositivo da Constituição Federal de 1988 que previa a prisão civil do depositário infiel, por incluir sua proibição, conforme determina o art. 5º, § 2º da CF/88, entre os direitos e garantias individuais previstos constitucionalmente .

Teresa Ancona Lopes, em seus comentários ao Contato de Depósito, manifesta a posição de que a prisão civil do depositário infiel “caminha para a extinção “, pela conseqüente disposição do artigo 7º, nº. 7 do Pacto de São José da Costa Rica, previsão esta que tem dado embasamento para diversos pronunciamentos judiciais neste sentido.

Quando o Decreto nº. 678/92, que incorporou o pacto de São José da Costa Rica ao nosso ordenamento jurídico, em seu artigo 7º, nº. 7, trata da impossibilidade de prisão por dívida, está regulando a matéria tão somente do depósito “contratual”. Este raciocínio é bem desenvolvido por José Miguel Garcia Medina, que chega a seguinte conclusão:

Como se vê, refere-se referido preceito legal ao depósito contratual (por dívida), não alcançando a figura do depósito judicial. Desse modo, a incorporação do referido tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro revogou as normas que previam a possibilidade de prisão do depositário infiel, apenas no que toca ao inadimplemento de contrato de depósito .

E a aplicabilidade do dispositivo em comento encontra respaldo no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, fazendo com que o tratado internacional tenha força de lei no direito brasileiro.

Contudo, a controvérsia não se encerra neste ponto, pois como veremos na seqüência, ainda há que ser analisado o texto do novo Código Civil sobre a matéria em comento.

4. A PRISÃO CIVIL NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FRENTE AO CÓDIGO CIVIL

4.1 Da propriedade fiduciária

O Código Civil revogado (de 1.916) não tratava sobre a propriedade fiduciária, deixando a matéria a cargo tão somente da disciplina dada pela Lei nº. 4.728/65, alterada pelo Decreto-Lei nº 911/69. No entanto, o atual Código Civil (Lei 10.406/2002) veio a disciplinar a matéria, inscrevendo o instituto da “propriedade fiduciária” junto aos artigos 1.361 a 1.368. O artigo 66 do Decreto-Lei nº 911/69 tem a seguinte redação:

Art. 66.A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Em comparativo, o artigo 1.361 e seu parágrafo 2º do Código Civil de 2.002, reza que:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

[…]

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa. (Grifo nosso).

De imediato, pela redação do artigo 1.361 do CC/02, vemos que a propriedade fiduciária tem caráter eminentemente de “garantia”, afastando, assim, a característica romana da fidúcia, pois ficou claro que “confiança” alguma existe, não sendo esta, portanto, a essência deste tipo de contrato.

Em continuidade, outra diferença interessante é encontrada: o artigo 66 do Decreto cita “possuidor direto e depositário”, na medida em que se pode entender que o possuidor da propriedade fiduciária não o seria, eis que não consta no artigo 1.361 e seus parágrafos, que conceituam propriedade fiduciária, menção alguma quanto à figura do depositário. Ou seja, afastada a equiparação do devedor fiduciário ao depositário, inaplicáveis seriam as regras do contrato de depósito à alienação fiduciária.

No entanto, a dúvida não é tão simples de ser sanada quanto parece. É que o legislador, continuando a regulamentação da propriedade fiduciária, junto ao artigo 1.363 do CC/02 fez constar que:

Art. 1.363.

Antes de vencida a dívida, o devedor, às suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

I – a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;

II – a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.

Pelo que consta no artigo supracitado, o devedor fiduciante tem as mesmas obrigações que o depositário, respondendo pelo risco da coisa para com o credor, antes de vencida a dívida. Ainda, consta expressamente que o mesmo pode usar a coisa, tendo o dever de guarda para com a mesma, e de entrega, não quando reclamada pelo credor, mas caso não for paga a dívida no vencimento.

Assim, resta caracterizado o depósito, eis que todas as suas características são encontradas. Contudo, como dito desde o início, trata-se de um depósito sui generis onde o depositário usa a coisa e não tem obrigação de restituí-la quando exigido, somente ocorrendo de não pagar a dívida assumida para aquisição do bem.

Sendo assim, qual dos entendimentos deve prevalecer? Para que se tenha um posicionamento lúcido, é necessário compreender que, tudo até então afirmado sobre o contrato de depósito e sua caracterização, seus requisitos e possibilidades, valem ao Código Civil vigente, de tal forma que, mesmo tendo o legislador feito constar expressamente junto ao artigo 1.363 que o devedor tem as mesmas obrigações “como depositário” ele peca ao lhe dar direitos que não se amoldam a figura típica do depósito, regulamentado pela mesma lei, quais sejam: usar a coisa (como regra); e não obrigação de devolvê-la quando exigido pelo credor, mas somente se não cumprir com os pagamentos assumidos.

E ainda, sendo a propriedade resolúvel, como consta no artigo 1.361 do Código Civil, o devedor tem a coisa em posse direta não com o fim de “guarda da coisa” como ocorre no contrato de depósito, mas sim com o fim de “adquirir a coisa”, tendo, portanto, a propriedade fiduciária, fato característico de trazer em seu próprio título a previsão de sua extinção.

4.2 Possibilidade de prisão do devedor fiduciário no Código Civil

O devedor-fiduciante tem consigo a posse direta da coisa e a propriedade sob condição resolutória, enquanto que o credor-fiduciário detém a posse indireta e propriedade sob condição suspensiva.

O possuidor direito não pode, em rigor, ser considerado depositário para os efeitos legais, isto por não preencher todos os seus requisitos caracterizadores.

Contudo, a lei do Código Civil, estranhamente ao que parece, no momento em que regulamenta o contrato de depósito e depois, regulamentando a propriedade fiduciária, faz uma verdadeira mistura entre depósito e mútuo, ou comodato.

Com isso, acabou por fazer constar às obrigações do depositário ao devedor-fiduciante, na medida em que tudo indica ser possível a prisão civil por dívida na alienação fiduciária em garantia, segundo a ótica do Código Civil, pois entende-se pelo mesmo que o devedor tem responsabilidade sobre o seu patrimônio, sendo que o próprio bem serve como “garantia” do credor; e não está em depósito por “confiança”. Portanto, assumida esta obrigação o devedor deve respeitá-la, respondendo como depositário infiel, caso não seja capaz de restituir o bem móvel alienado fiduciariamente.