A ampliação das atribuições da Justiça do Trabalho (JT), promovida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (EC 45/04), está dando nova feição a esse segmento do Poder Judiciário. A constatação é do presidente da Comissão de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Luciano de Castilho Pereira, que acompanha a consolidação e as alterações de jurisprudência sobre os diversos temas relativos aos conflitos entre patrão e empregado (dissídios individuais) e entre as categorias econômica e profissional (dissídios coletivos).
Dentre as principais alterações, Luciano de Castilho destaca “a mudança radical na área do dissídio coletivo”. A principal inovação foi a criação de um requisito para submeter à JT a controvérsia entre as categorias profissionais. Com a Reforma do Judiciário, a proposição do dissídio coletivo está condicionada à iniciativa comum das partes, o que já provocou uma primeira adaptação do TST às novas disposições.
O primeiro precedente do TST sobre o tema ocorreu no dissídio coletivo proposto pelos empregados da Casa da Moeda. Durante audiência entre as partes, a empresa afirmou que não concordava com o dissídio, fato que, em tese, impossibilitaria o julgamento da controvérsia.
O TST decidiu que o acordo entre as partes pode ser expresso ou tácito. No caso concreto, a instituição pública não se opôs ao dissídio coletivo na oportunidade adequada, só valendo-se da recusa após o ajuizamento do dissídio pelo sindicato dos empregados. Logo, houve anuência tácita.
A mudança constitucional sobre o dissídio coletivo teve alcance tão profundo, frisa Luciano de Castilho, que ultrapassou o âmbito do TST. O requisito de consentimento mútuo já está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal. Caberá ao STF, no exame de ações diretas de inconstitucionalidade, decidir se a condição imposta pelo novo texto constitucional representa ofensa a um princípio da própria Constituição, onde se diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Art. 5º, inciso XXXV).
A adaptação da Justiça do Trabalho às mudanças constitucionais ocorre à medida que os processos correspondentes às novas atribuições são submetidos pelas partes. O caminho trilhado pela maioria dos processos prevê a tramitação inicial na primeira instância (Varas do Trabalho) e posterior apreciação pelos Tribunais Regionais do Trabalho (segunda instância). O entendimento do TST sobre os novos temas será consolidado (jurisprudência) conforme sejam propostos os recursos das partes.
Até o momento, as novas atribuições já levaram à revogação da Súmula nº 176 do TST, que trata do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. O entendimento anterior à EC nº45/04 era o da competência restrita à autorização de levantamento do depósito do FGTS na ocorrência de dissídio entre empregado e empregador.
A atuação da JT em relação ao FGTS não está mais restrita às causas entre patrão e empregado. Com o novo status constitucional, o magistrado trabalhista é competente para o exame de pedido do trabalhador para a expedição do alvará judicial necessário à liberação do saque dos depósitos do Fundo junto ao seu órgão gestor, a Caixa Econômica Federal (CEF).
Outra alteração também ocorreu com o cancelamento de jurisprudência que limitava a atuação da JT, conforme a ordem constitucional anterior. A Orientação Jurisprudencial nº 290 da SDI-1 registrava a inviabilidade da apreciação de ações entre entidades sindicais mas a nova redação do artigo 114, inciso III, do texto constitucional, que atribuiu competência à Justiça do Trabalho para julgar “as ações sobre representação sindical, entre sindicatos e empregadores”.
A terceira mudança ocorrida no âmbito da jurisprudência do TST tem natureza processual e resultou na revogação da Orientação Jurisprudencial nº 227 da Subseção de Dissídios Individuais – 1 (SDI-1). O texto afirmava a incompatibilidade da denunciação da lide no Processo do Trabalho. Mecanismo do Processo Civil, a denunciação da lide permite a uma das partes (denunciante) trazer para a disputa judicial um terceiro com quem mantenha relação jurídica.
A competência ampliada para o exame de todas as questões oriundas das relações de trabalho – não mais restrita à relação de emprego, como anteriormente – possibilita a denunciação da lide. O instituto pode ser usado, por exemplo, quando houver litígio entre empresas para definir a responsabilidade por créditos trabalhistas.
Futuras mudanças deverão ser observadas, por exemplo, nas ações por dano moral decorrentes das relações de trabalho, sobretudo diante de ações com tramitação inicial na Justiça Comum que sejam transferidas para a JT. Nessas hipóteses ainda será definido qual o prazo de prescrição (perda do direito de ação) a ser adotado, se o do Direito Civil, mais amplo, ou o do Processo Trabalhista, mais curto. “Esse questionamento certamente será objeto de futura deliberação no TST”, prevê o presidente da Comissão de Jurisprudência.
Há, ainda, a expectativa de futuras decisões sobre a prerrogativa para o exame de habeas-corpus e mandados de segurança no âmbito trabalhista. Os dois meios processuais já vinham sendo examinadas na JT, mas no caso do mandado de segurança, o julgamento estava restrito aos TRTs e ao TST (nos casos de recursos ordinários em mandado de segurança). A EC nº 45/04, contudo, transferiu à primeira instância o exame de ações em que as empresas questionem multas impostas pela fiscalização do Ministério do Trabalho.