Introdução1. Evolução Histórica do Dano Moral1.1.Código de Ur-Nammu1.2.Código de Hamurabi1.3.Código de Manu1.4.Direito Romano1.5.Direito Brasileiro2. Indenização por danos morais na responsabilidade civil2.1. Requisitos essenciais2.2. Sujeitos da obrigação de indenizar3. A quantificação dos danos morais3.1. Métodos utilizados3.2. Fatores que influenciam a avaliação do “quantum” indenizatório4. Questões processuais relevantes4.1. Petição Inicial da Ação Indenizatória 4.2. O ônus da prova do dano moralConclusão
INTRODUÇÃO
O instituto do dano moral por muito tempo sofreu oposição por certa parte da doutrina e jurisprudência, sobretudo pelos juristas de um modo geral considerarem não ser possível compensar a dor moral com dinheiro.
Atualmente o tema atinge a sua maturidade e afirma a sua relevância, principalmente depois de sua consagração definitiva na legislação vigente no Brasil, inclusive no texto constitucional.
Porém, o desabrochar tardio da reparabilidade do dano moral em nosso direito fez desenfrear uma “demanda reprimida”, que por vezes tem degenerado em excessos inaceitáveis, com exageros que podem comprometer a própria dignidade do instituto.
Para melhor entendermos o tema, apresentaremos nas páginas seguintes, uma análise da reparação do dano moral, sua evolução histórica, sua natureza e fundamentos, pressupostos e forma de indenização.
Nos aprofundaremos nesse último tópico, por inexistirem parâmetros legais explícitos para o arbitramento do “quantum” indenizatório. A falta de indicação do legislador faz com que essa fixação de valores seja feita pelo próprio juiz da lide mediante critérios de cunho essencialmente pessoal, circunstância subjetiva e, portanto, polêmica.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL
Código de Ur-Nammu (século XXIII a.C.)
É a mais antiga codificação de que se tem notícia na história da civilização humana. Foi introduzido por Ur-Nammu, presumido fundador da terceira dinastia de Ur, antiga Suméria.
Na verdade apresentava somente algumas idéias abstratas sobre a reparação por danos morais, embora admitisse a reparação ao por pena pecuniária.
Os povos primitivos não se baseavam em leis para reparar os danos causados. Valia o “direito de vindita” (direito de vingança) como maneira mais eficaz de reduzir a dor da vítima. Adotava-se o princípio: “Olho por olho, dente por dente”.
Código de Hamurabi (1792 – 1750 a.C.) Hamurabi, rei da Babilônia, instituiu um código que apresentava um conteúdo formado não por regras gerais, princípios amplos e discutíveis, mas sim, preceitos circunscritos a casos especiais.
Desses preceitos, o que nos apresenta maior importância é o de que “o forte não prejudicará o fraco”. Desde essa época, já era demonstrado, no caso pelo rei Hamurabi, uma preocupação em conferir ao lesado uma reparação às custas de ofensas idênticas, incluindo-se o pagamento de valor pecuniário.
Código de Manu (Manara-Dharma-Sastra)
Com certa semelhança ao Código de Hamurabi, o Código de Manu, instituído na Índia, também previa uma prévia reparação pecuniária do dano a ser arbitrado pelo legislador. Vê-se aqui uma evolução entre os dois sistemas, visto que, no primeiro caso, a reparação de uma ofensa era, via de regra, retribuída com outra ofensa e, no segundo, por pagamento de uma importância.
Direito Romano
Somente o Direito Romano pôde, claramente, demonstrar a exata noção de reparação pecuniária do dano. Na época, havia a exata mensuração dos delitos privados e públicos. Como os delitos públicos ofendiam ao Estado, estrutura político-sócio-econômica da sociedade, estes eram considerados e punidos de maneira mais severa.
Todo ato considerado lesivo ao patrimônio ou a honra de alguém implicava em uma reparação, contudo, os romanos não questionavam a que título o dano havia sido perpetrado. Bastava apenas a sua ocorrência para evidenciar a obrigatoriedade de reparar, o que denota que os romanos aceitavam a reparação do dano moral, ainda que primariamente.
Dessa maneira o Direito Romano aprimorou-se em sua história e passou a exercer influencias, até nos dias de hoje, no Direito Italiano, Francês, Alemão, entre outros.
Direito Brasileiro
Durante anos os tribunais brasileiros relutavam em reconhecer ao cidadão o direito à indenização por danos morais. Esse instituto talvez tenha sido a teoria jurídica que maior resistência sofreu desde a sua concepção até os dias de hoje. Isso porque uma coisa é admitir, em tese, a reparabilidade do dano moral; a outra, é reconhecer que o nosso direito civil tivesse aceitado a reparação em fases anteriores.
No Brasil, muito embora não tenha sido consignada expressamente no texto do Código Civil, Clóvis Beviláqua já se manifestava favoravelmente a esta reparação através de alguns preceitos isolados no nosso código de 1916:
“Se o interesse moral justifica a ação para defende-lo e restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raros, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e outros interesses morais (…) Mas o interesse de agir é o mesmo conteúdo do direito subjetivo considerado no momento em que reage contra a lesão ou a ameaça. E se o dano moral é uma lesão de direitos forçosamente provoca a reação, seria a “ratio agendi”. O código, porém não deu grande latitude ao poder de reação jurídica suscitada pelo dano moral; restringindo-o, subjetivamente, nesse artigo ( Artigo 76, Código Civil de 1916), e fixou-o objetivamente, ao tratar da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos.”
Mais tarde, em 1967, foi promulgada a Lei de Imprensa e o Código Brasileiro de Telecomunicações. Legislações específicas que, embora esparsas, referiam-se expressamente ao tema.
Já coma promulgação da Constituição Federal de 1988, a indenização por danos morais adquiriu “status” constitucional, ao se fazer presente no artigo 5º, incisos V e X, de nossa Carta Magna. Diz assim o texto: Artigo 5º, CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: (…) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem.(…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Depois disso, e agora com o respaldo do preceito constitucional, consolidou a Súmula 37, do STJ, a cumulatividade das indenizações por dano material ou moral, decorrentes de sua violação.
Súmula 37, STJ:”São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos de mesmo fato”
Finalmente, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, a indenização por danos extrapatrimoniais passou a integrar definitivamente o nosso ordenamento jurídico, rompendo-se de vez com a linha patrimonialista que até então predominava na legislação vigente.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NA RESPONSABILIDADE CIVIL
Dano Moral, segundo Sílvio de Salvo Venosa, “é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima”. Nesse campo, não há como mensurar o prejuízo, assim aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano.
Para Wilson Melo da Silva, é a dor, “tomado o vocábulo em sua lata expressão. E a Fisiologia e a Psicologia não estabelecem diferenciações para ela, salvo no tocante às suas causas”.
Requisitos essenciais
Há cinco categorias de danos morais, com base na doutrina e na jurisprudência espanhola:a) danos causados ao crédito de uma pessoa ou sua capacidade aquisitiva, decorrentes de ataques a sua honra mercantil ou civil;b) danos infligidos à honra da mulher;c) danos derivados da infração de normas protetoras da moral ou bons costumes;d) danos ao relacionamento social;e) dano estético.
Não é qualquer dissabor irrelevante da vida que pode levar à indenização. É importante o critério do homem médio, o bônus pater familias: não se leva em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com quaisquer fatos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe a ele decidir conforme o caso concreto, de acordo com as circunstâncias.
Carlos Alberto Ghersi sintetiza os seguintes critérios para avaliação dos danos morais:
a) “os danos morais não devem necessariamente guardar proporção com outros danos indenizáveis, os quais, inclusive, podem inexistir;b) o dano moral não está sujeito a cânones estritos;c) não se deve recorrer a cálculos puramente matemáticos;d) devem ser levadas em conta as condições pessoais de quem será indenizado, os padecimentos causados, as circunstâncias traumáticas da conduta do ofensor e as seqüelas que afetam a vítima, e, finalmente;e) deve ser considerada a idade da vítima.”
Antônio Jeová Santos, autor de monografia sobre o tema, conclui que, em matéria de dano moral:
a) “não se deve aceitar uma indenização meramente simbólica;b) deve ser evitado o enriquecimento injusto;c) os danos morais não se amoldam a uma tarifação;d) não deve haver paralelismo ou relação na indenização por dano moral com o dano patrimonial;e) não é suficiente a referência ao mero prudente arbítrio do juiz;f) há que se levar em consideração a gravidade do caso bem como as peculiaridades da vítima de seu ofensor;g) os casos semelhantes podem servir de parâmetro para as indenizações;h) a indenização deve atender ao chamado prazer compensatório, que nós preferimos chamar de lenitivo e, finalmente;i) há que se levar em conta o contexto econômico do país.”
SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
O Dano Moral abrange também os direitos da personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo etc. O dano é moral quando causa um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento, ou um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso.
O sujeito passivo ou devedor da obrigação de indenizar é o ofensor, i.e., o autor do ato ilícito. Ao seu turno, o sujeito ativo ou credor, não é outro, senão a vítima da ofensa. Além do próprio ofendido, poderão reclamar a reparação do dano moral seus herdeiros, seu cônjuge, membros de sua família, e seus dependentes econômicos, ou seja, pelo lesado direto ou indireto.
Considerando que o dano moral atinge o complexo anímico ou o psiquismo da pessoa, é também objeto de discussão também o fato de a pessoa jurídica poder ser vítima dessa modalidade de dano. Em princípio, qualquer ofensa ao nome ao renome de uma pessoa jurídica representa-lhe um abalo econômico. Não há como admitir dor psíquica da pessoa jurídica, mas sim o abalo financeiro da entidade e a moral dos membros que a compõem. Nem por isso deixará de ser reparado um dano de natureza moral contra a pessoa jurídica: esse dano moral sempre terá reflexo patrimonial. No campo da pessoa jurídica, o que levamos em conta no aspecto do dano moral é o ataque à honra objetiva: a reputação e o renome.
A QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS
Métodos utilizados
No que tange ao quantum indenizatório, a doutrina pátria ainda não se tornou pacífica, apontando diversas maneiras de proceder ao ressarcimento dos danos sofridos pela vítima. Não temos a presunção com o presente, de definir o método correto de avaliação dos danos morais, tão somente pretendemos identificar um norte para que esta questão tenha uma solução mais objetiva, sempre buscando um processo idôneo.
Mister se faz lembrar que a indenização dos danos morais visa punir o autor do ato ilícito de maneira que sirva de desestímulo a nova prática do mesmo, sempre tendo em vista também que não proporcione o enriquecimento sem causa do ofendido.
Em cada caso, deverá ser aferido o conceito de razoabilidade e sempre que possível, a prudência utilizada pelo juiz para estabelecer o quantum debeatur deverá ser baseada em critérios objetivos, evitando valores aleatórios. A jurisprudência pátria vem exercendo importante papel nessa seara, criando parâmetros a serem utilizados pelo julgador, na falta de previsão legal. Somente quando o caso concreto fugir frontalmente aos padrões, será admitido o critério subjetivo do juiz.
Fatores que influenciam a fixação do “quantum” indenizatório
A doutrina predominante entende que o valor a ser fixado a título de indenização deve também considerar as condições econômicas e culturais, bem como a posição social do ofensor e da vítima.
Em que pese esse entendimento, respaldado pelo princípio constitucional da isonomia, que afirma que todos são iguais perante a lei, na medida de sua desigualdade, se posto em prática sem critérios objetivos, “ocasiona distorções como a do Desembargador gaúcho que recebeu 1.000 salários mínimos porque figurou indevidamente numa lista de inadimplentes, no pico e, na base, situações como do jovem de 18 anos preso por dois meses por engano, que mereceu apenas 10 salários mínimos pelo injusto sofrimento (decisão da 1ª Vara de Santa Maria-RS, Zero Hora de 19.03.1993, p. 63)” .
O Código Civil de 1916 tratava da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos, entre os artigos 1.537 e 1553. Nesse capítulo estavam previstos critérios de valoração econômica do dano exclusivamente moral, v.g., a hipótese do parágrafo único do art. 1.547, que trata da indenização oriunda de injúria ou calúnia. O último artigo do referido capítulo (1.553), remete ao arbitramento os casos não previstos expressamente em lei.
Na falta de referenciais valorativos, os tribunais utilizavam-se, por analogia, do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62) e da Lei de Imprensa (nº 5.250/67), únicos diplomas legais que apontavam parâmetros à satisfação dos danos morais, no passado. No Código Brasileiro de Telecomunicações, os valores oscilam de 5 a 100 salários mínimos, enquanto na Lei de Imprensa, de 5 a 200 salários mínimos. O juiz não fica adstrito a este campo, funcionando tais critérios apenas como mera base de raciocínio. No entanto, com a única aplicação dos referidos diplomas é impossível atender-se à demanda da realidade atual, pois se tratam de legislações muito específicas, além de ultrapassadas. No entanto podemos nos valer do disposto no art. 53 da Lei de Imprensa, abaixo transcrito:
“Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;II – A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;III – in omissis.”
No entanto, para evitar abusos jurisprudenciais, há um Projeto de Lei em tramitação no Senado (nº 150/99) que pretende limitar os valores indenizatórios por dano moral, criando faixas de ressarcimento, dependendo da natureza da ofensa. Não é a melhor solução, pois determina valores em reais (R$) e como é sabido, no Brasil, a moeda se desvaloriza com freqüência. Demais disso, se os valores envolvidos forem elevados, a solução poderá ser ineficaz, pois com a limitação legal, a indenização seria irrisória. Na verdade, se transformado o projeto em lei, tiraria o poder de arbitramento das mãos do juiz, podendo não ocasionar o tão esperado conforto de espírito do ofendido.
Relevante falar também do Projeto de Lei 6.960/02, que pretende alterar inúmeros artigos do Novo Código Civil e que acrescenta parágrafo ao art. 944 (dentro do capítulo Da Indenização, correspondente aos arts. 1.537 a 1.553 do antigo) do novo diploma, estabelecendo que: “a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”, o que conflita com qualquer limitação do valor que se pretenda fazer.
Em busca de um patamar máximo de liquidação da obrigação de indenizar, o ilustre jurisconsulto Galeno Lacerda criou uma fórmula que ao nosso ver veio contribuir em muito para a questão do quantum debeatur, pois traça critérios objetivos e se embasa na própria lei para desenvolvê-la.
Inicia o parecista em seu raciocínio remetendo-nos ao artigo 1.574 do Código Civil de 1916, que assim dispõe:
“Art. 1.574. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo Único. Se este não puder provar o prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva.”
A norma em apreço nos manda ao Código Penal, que ajusta o valor da multa à capacidade econômica do réu, tendo sua previsão na parte geral do referido diploma legal. O art. 49 (Cód. Penal) diz que a pena de multa máxima corresponderá a 360 dias-multa e que o valor máximo do dia-multa é de 5 (cinco) salários mínimos. Então, 360 x 5 = 1.800 salários mínimos.
Porém, o artigo 60, § 1º do mesmo Código Penal salienta que “a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”. Então, 1.800 x 3 = 5.400. Temos, portanto, que a multa máxima do Código Penal para qualquer delito, inclusive calúnia e injúria, é de 5.400 salários mínimos.
Como o artigo 1.547, parágrafo único, do Código Civil, prevê o dobro da pena pecuniária criminal, chega-se a um total máximo, no cível de 10.800 salários mínimos (5.400 x 2 = 10.800). Esse patamar de 10.800 salários mínimos seria um referencial que pretende condicionar o arbítrio do juiz ao se valer do art. 1.553 para avaliar os casos não abarcados na lei. Temos, segundo esta lógica, que o valor máximo da indenização por danos morais no sistema brasileiro é de dois milhões, quinhentos e noventa e dois mil reais (10.800 x R$ 240,00 = R$ 2.592.000,00).
Destarte, chegamos a uma ilação principal do presente, de que o magistrado, a fim de fixar o valor do dano, deverá atingir uma difícil equação, a ponto do montante indenizatório não ser fixado em valores muito baixos, para que não banalize o nobre instituto, deixando, assim, de punir o ofensor, e por outro lado, nem em valores tão elevados que levem o ofendido a um enriquecimento ilícito.
QUESTÕES PROCESSUAIS RELEVANTES
Petição Inicial da Ação Indenizatória
Importante dizer que o autor da ação também deverá pedir expressamente a indenização por danos morais, bem como justificá-la na petição inicial, podendo deixar ao livre arbítrio do magistrado a fixação do “quantum”.
O ônus da prova do dano moral
O artigo 333 do Código de Processo Civil afirma incumbir ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito; ao réu, a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A fórmula não é inteiramente precisa. É no campo do direito material que os direitos se constituem, modificam-se, extinguem-se ou sofrem os efeitos de fato impeditivo. Significa isso que o ônus da prova é determinado por regras de direito material, muito mais do que por regras processuais.
Porém, a sistemática adotada pelo nosso ordenamento jurídico prescreve que a prova de dano moral autônomo ou puro, isto é, desvinculado ao dano material, se satisfaz com a mera demonstração da ocorrência do ato ilícito, que originou a ofensa extrapatrimonial, cabendo ao autor da ação o ônus da prova.
Noutros termos, a força probante do ato ilícito gera presunção “juris tantum” de ocorrência de danos morais.
Explica-se. Parte-se da premissa de que consistiria mister inatingível carrear aos autos de um processo provas materiais das diminuições que afrontaram a honra da vítima, enfim, seria impossível amealhar aos autos lágrimas e sofrimentos sob a forma de provas documentais.
Relevante colacionar arresto exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
“Dano moral. Prova da efetiva ocorrência do dano. Desnecessidade. Presunção juris tantum. Precedentes jurisprudenciais (TJSP, Ap. Cível 52.076-4-SP, 7ª Câmara de Direito Privado, rel. Rebouças de Carvalho, j. 29.07.99)”.
Como visto, os prejuízos extrapatrimoniais suportados pela vítima independem de prova material para emergir o direito à reparação moral, bastando a comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.
A proposição ventilada recebe a chancela do excelso Superior Tribunal de Justiça, consoante denotam os julgados transcritos abaixo:
“Estando comprovado o fato não é preciso a prova do dano moral. (STJ, AGA 250722/SP, j. 19/11/1999, 3ª Turma, r. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 07/02/2000, p. 163)”. “A prova do fato que gerou lesão à reputação da pessoa jurídica é suficiente para a indenização do dano moral. (STJ, REsp. 169030/RJ, j. 22/10/2001, 3ª Turma, r. Ari Pargendler, DJ 04/02/2002, p. 344)”
“Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo que se cogitar de prova da existência de prejuízo ou dano. (STJ, REsp. 45305/SP, j. 02/09/1999, 4ª Turma, r. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 25/10/1999, p. 83)” O sistema jurídico pátrio manifesta-se remansoso no tocante à desnecessidade de prova em concreto dos danos morais autônomos, bastando, para aflorar o direito à indenização, a demonstração do ato ilícito em si. Impende salientar que a análise discorrida acima alude à prova do dano moral por ataque à honra subjetiva, cujo abalo não pode ser documentado nos autos de um processo. Por outro lado, há meios para comprovação material da ofensa à honra objetiva, v. g., depoimento testemunhal que ateste o desabono da vítima perante o meio social.
Contudo, não há necessidade de que haja atropelo à honra objetiva e à honra subjetiva da vítima, bastando a ofensa a qualquer uma delas para emergir o direito à reparação. É bom frisar, quanto à pessoa jurídica, somente poderá ocorrer ataque à honra objetiva, ofensa ao apreço e prestígio social, visto que desprovida da honra subjetiva.Não obstante a esta questão da prova do dano moral, ora suscitada, há um aspecto processual alusivo ao dano moral, que merece especial destaque. Os padecimentos morais, para que sejam indenizáveis, devem constar expressamente descritos na petição inicial, a fim de levá-los ao conhecimento do Estado-juiz, sob pena de afastamento da verba indenizatória pugnada.
Em suma, o autor da ação indenizatória por danos morais deve levar ao conhecimento do magistrado da causa o substrato necessário para margear o ressarcimento. Convém trazer à colação posição doutrinária nesse sentido:
“No sistema processual brasileiro, em que o autor tem de narrar os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, mais avulta a necessidade de compreender dano moral como conseqüência que tem origem no mal inferido a alguém. Se o autor de uma ação que pleiteia indenização por dano moral narrar o fato (…) esquecendo-se de aduzir o resultado lesivo, a petição inicial será inepta por faltar a causa petendi9”.
Pela mesma senda, irradia o posicionamento da corrente jurisprudencial:
“Responsabilidade civil. Dano moral. Lesões corporais de natureza leve. Não demonstração de eventual constrangimento ou vexame sofrido em razão da agressão. Verba não devida. (TJSP, Rel. Marcus Andrade, Ap. cível 161.815-1, 07/02/92; grifamos)”.
“Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Indenização. Dano moral. Impossibilidade de que seja presumido. Necessidade de demonstração da dor moral. Inocorrência. Verba indevida. (1º TACSP, Ap. cível 436534-7/00, 16ª Câmara, j. 25/10/1990, rel. Raphael Salvador; grifamos)”.
Isto porque, a simples menção de que a vítima teria sofrido abalos morais, não os demonstra na essência, constituindo impeditivo à indenização. Nesse sentido, não cabe ressarcimento a meras conjecturas e fantasias, devendo o dano moral existir e ser descrito em sua essência para sobejar o direito à indenização.
CONCLUSÃO
Através do nosso trabalho pudemos ver que houve uma evolução no conceito e formas de indenização por danos morais. Antes poderíamos dizer que não eram aceitos plenamente em nossos tribunais, mas com o passar do tempo pudemos ver um delineamento da evolução do pensamento, no sentido de reconhecer o dano moral e aprimorá-lo quanto a sua reparação. A noção do dano começou a ser ampliada na medida em que as relações sociais tornaram-se mais complexas. Os direitos à vida, à personalidade e privacidade começaram a ser objeto de preocupação pelos doutrinadores e juristas, pois se vislumbram nesses valores, verdadeiros bens extrapatrimoniais.
Neste sentido, nos deparamos com a noção de que para surgir o dano moral e suas implicações decorrentes da responsabilidade civil, devem estar presentes seus requisitos, quais sejam: a ação ou omissão do agente, o nexo de causalidade entre este e o dano, a culpa do ofensor, e, finalmente, o efetivo prejuízo.
Com relação a quem tem legitimidade para figurar no pólo ativo da ação de indenização por danos morais, não temos problemas em falar que a reparação é devida à própria vítima. Além do próprio ofendido, poderão reclamar a reparação do dano moral seus herdeiros, seu cônjuge, membros de sua família, e seus dependentes econômicos, ou seja, pelo lesado direto ou indireto.
Na avaliação do dano moral, para a fixação do “quantum”, o magistrado deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão e gravidade do prejuízo causado e na capacidade econômica das partes, vez que a reparação do dano moral tem dupla finalidade: a de satisfazer a vítima e a de punir o ofensor, desestimulando-o à prática de novos danos. Vimos, portanto, através deste trabalho, a evolução do conceito de dano moral, seus requisitos e métodos de ressarcimento, de tal forma que seu pagamento traga a paz social pela compensação do dano ao ofendido e pela desestimulação do ofensor a repetir sua conduta.