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A Responsabilidade Civil capaz de abranger a atuação do Poder Judiciario e nesse setido reparar o dano causado. Por outro lado a indepencencia do judiciario e sua soberania ao execer a jurisdição.

1.1 Considerações Iniciais1.2 Posicionamento Jurisprudencial Dominante1.2.1 Soberania do Poder Judiciário1.2.2 Independência da Magistratura1.2.3 Ausência de texto legal1.2.4. Alcance da responsabilidade objetiva insculpida no art. 37, § 6º da Constituição Federal1.2.5 Incontrastabilidade da coisa julgada

1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO-JUIZ

1.1 Considerações Iniciais

É ainda conflituoso o entendimento doutrinário e jurisprudencial no tocante à responsabilidade civil do Estado no âmbito do Poder Judiciário. Há posicionamentos que variam desde a total responsabilidade até a responsabilidade objetiva, consoante a Teoria do Risco Administrativo.

Não obstante a dicção normativa insculpida no artigo 5º da Constituição Federal, entre os direitos e garantias fundamentais, que prevê a indenização por erro judiciário e a garantia de apreciação, pelo poder judiciário, de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, a orientação jurisprudencial dominante, liderada pela Supremo Tribunal Federal, tem favorecido a irreparabilidade dos danos advindos do Poder Judiciário, salvo aqueles previstos em lei.

1.2 Posicionamento Jurisprudencial Dominante

Para o Pretório Excelso, o Estado só responde pelos erros do Judiciário na hipótese prevista no art. 630 do CPP. Fora dela, domina o princípio da irresponsabilidade. Seus principais argumentos são:

1.2.1 Soberania do Poder Judiciário

Defende-se que o Estado, ao exercer a jurisdição, o faz envolvendo a soberania estatal, inexistindo portanto a obrigação de indenizar e restando somente o acionamento direto em face do magistrado. Esse é um dos argumentos mais utilizados pelo STF, que tem favorecido a irreparabilidade dos danos causados pelo erro judiciário, salvo os previstos por lei. Como exemplo segue Acórdão plenário do STF, que expressa a posição predominante. Reza a ementa desse aresto:

No Acórdão objeto do recurso extraordinário ficou acentuado que o Estado não é civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados por lei, porquanto a administração da justiça é um dos privilégios da soberania. Assim, pela demora da decisão de uma causa responde civilmente o juiz, quando incorrer em dolo ou fraude, ou ainda sem justo motivo recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou a requerimento da parte (BRASIL, 1973).

Segundo a Suprema Corte, o Judiciário é um poder soberano, que goza de imunidades que não se enquadram no regime da responsabilidade por efeitos dos seus atos no exercício de suas funções. As decisões judiciais, como atos de soberania do Estado, não propiciam qualquer ressarcimento por eventuais danos.

Ocorre que os Poderes do Estado não gozam de soberania, porque devem obediência à lei, em especial à Constituição e, sobretudo, não atuam no nível externo, área da soberania, mas no nível interno, entre as partes envolvidas no processo.Nos tempos atuais, esse argumento encontra-se absolutamente ultrapassado. Soberania é um atributo do Estado em suas relações com outros países. Os poderes do Estado gozam apenas de autonomia, e não de soberania. Saliente-se que a autonomia do Judiciário, por sua vez, não sofre qualquer restrição em decorrência da responsabilização por seus atos, da mesma forma o Poder executivo nunca perdeu sua autonomia quando obrigado pelos atos dos seus servidores.

1.2.2 Independência da Magistratura

A aceitação da responsabilidade do Estado em decorrência de atos judiciais, segundo os partidários da tese da irresponsabilidade, afetaria a independência da magistratura, tolhendo com isso a necessária liberdade criativa de que os magistrados necessitam no desempenho de seu mister judicante.

Inicialmente, há que se acentuar que a independência da magistratura é um princípio que não comporta interpretação isolada, devendo ser entendido de forma sistemática, compatibilizado com o princípio da responsabilidade democrática.

No Estado Democrático, há que se entender que quanto maior a autoridade, maior ainda deve ser a responsabilidade.

Se, como afirmou Dergint (1994, p. 156)

[…] é de suma importância que o juiz possua certa autonomia na interpretação da norma jurídica, esse fato não justifica torná-lo, em defesa de sua independência, irresponsável por suas decisões, principalmente se viciadas por erros graves e inescusáveis […].

Acrescente-se ainda que a liberdade de consciência do magistrado em nada seria prejudicada pela instituição da responsabilidade estatal, uma vez que, a responsabilidade civil do magistrado já é contemplada no ordenamento jurídico, respondendo pessoalmente os juízes pelos danos causados, nos termos do art. 133 do Estatuto Processual Civil, a saber:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n.º II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não atender o pedido no prazo de 10 dias (BRASIL, 1999).

Some-se a isso o fato de que, na hipótese de se considerar a responsabilidade objetiva do Estado por atos dos seus juízes, estes não se veriam acuados, pois a verba indenizatória viria dos cofres do Estado, sendo que o acionamento regressivo em face do magistrado só existiria nos casos delimitados pelo artigo supracitado.

Em verdade, ao contrário de intimidar, a responsabilidade substitutiva do Estado, serviria para garantir a autonomia dos magistrados, criando o que denominou de “efeito escudo” contra as ações intimidatórias ou perturbatórias por parte dos litigantes insatisfeitos ou maliciosos.

1.2.3 Ausência de texto legal

Outro argumento utilizado pelos defensores da tese da irresponsabilidade é o de que falta texto expresso na legislação que assegure e discipline a responsabilidade do Estado por danos ocasionados por atos judiciais.

A única hipótese prevista refere-se aos erros judiciários penais, consoante o disposto nos artigos 630 do Código de Processo Penal e 5º, LXXV da Constituição Federal, sendo, pois, limitada a responsabilidade do Estado-Juiz àqueles casos, nos termos do art. 5º LXXV da Constituição Federal que dispõe da seguinte forma:

Art. 5º. […]…………………………………………………………..LXXV. O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (BRASIL, 1999).

Para a doutrina mais conservadora, erro judiciário, é aquele que enseja a revisão criminal, conforme estabelece o art. 621 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 621: A revisão dos processos findos será admitida:

I. quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II. quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III. quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena (BRASIL, 2003).

Ocorre, que o art. 621 do CPP, é muito limitativo da responsabilidade indenizatória do Estado, à medida que exclui a possibilidade de reparação dos danos decorrentes de atos judiciais que não constituam sentença, e portanto, insuscetíveis de revisão, tais como a prisão preventiva e provisória.

Como bem observou Stoco (2001, p. 794), ao discorrer sobre o tema,

Não se admite nos dias atuais uma regra específica para o erro judiciário, tal como no art. 630 do CPP, sem definição e esclarecimento necessário, se no art. 5º da Constituição Federal já existe uma regra geral, estabelecendo a responsabilidade do Estado e o seu dever de indenizar tanto o condenado por erro judiciário quanto a pessoa presa além do tempo fixado na sentença.

Considere-se ainda que revisar a sentença, corrigindo-a, não significa a mesma coisa que reparar o erro no sentido civilístico da palavra, o que só se alcança no juízo cível, após declaração dessa circunstância. Ressalte-se, aliás, que embora figure entre as modalidades de recurso, a revisão constitui realmente uma verdadeira ação, de caráter constitutivo-negativo, pois visa desconstituir a decisão anterior transitada em julgado, inexistindo prazo para sua interposição.

A moderna doutrina civilística pátria, assim como Dias (1987, p. 327), ao perquirir sobre um novo significado para erro judiciário, tem entendido, que “[…] ordinariamente considera-se erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta. Em sentido mais amplo, a definição alcança também a prisão preventiva injustificada.”

Outros vão além, como Hentz (1995, p. 31), que explica:

Opera com erro o juiz sempre que declara o direito a um fato concreto, sob falsa percepção dos fatos; a decisão ou sentença divergente da realidade conflita com os pressupostos de justiça, entre os quais se insere o conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica.

A Constituição Federal é clara ao consagrar a reparabilidade do dano decorrente de erro judiciário penal e prisão além do tempo fixado na sentença. Há que se entender, no entanto, que muitos danos de natureza penal não decorrem necessariamente de sentença, e que existem ainda muitos outros decorrentes de lide não-penal.

Como explica Dias (1987. p. 327), na mesma linha de raciocínio:

O que se pode concluir é que, diante do status constitucional conferido à reparação do erro judiciário, aliado à regra da responsabilidade objetiva do Estado, como se desume do art. 37, § 6º da Carta Magna, há que se indenizar o dano decorrente da atividade judiciária, não restando espaço à aplicabilidade restrita ou à total inaplicabilidade da responsabilidade civil no âmbito do Judiciário.

Não obstante inexistir previsão específica que assegure a reparação dos danos decorrentes da atividade do Judiciário, de forma genérica, diversos são os dispositivos que fundamentam de forma coerente a teoria que advoga a reparabilidade.

Dispõe o art. 5º, XXXV da Constituição Federal:

Art.5º.[…]……………………………………………………………

XXXV. A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito.

O princípio da proteção judiciária, elencado entre os direitos e garantias fundamentais, constitui na verdade a principal garantia dos direitos subjetivos. Admite-se por ele a possibilidade de invocar a tutela jurisdicional sempre que houver lesão ou simplesmente ameaça de lesão a direito de qualquer natureza, quer seja individual ou coletivo.

Admitir a irresponsabilidade por atos danosos do Judiciário representa no mínimo, um contra-senso inaceitável, impossível diante dos princípios constitucionais.

Sobre o tema, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

A constituição da República em vigor, além de conservar no art. 37, § 6º, a regra genérica da responsabilidade civil objetiva do Estado, cristalizada em nosso Direito, o obriga expressamente a indenizar o particular, quer no caso de erro judiciário, que de prisão por tempo superior ao fixado na sentença (art. 5º, Inc. LXXV). Perdem força, destarte, os engenhosos raciocínios do recurso, tendentes a convencer sobre a irresponsabilidade estatal, quando o cidadão, afrontado nas garantias individuais, se vê prejudicado pela Administração Pública e, destarte, faz jus a indenizações, independentemente da demonstração de culpa ou dolo dos agentes do Estado, contra os quais a Constituição assegura o exercício do direito de regresso (BRASIL, 1994).

Ora, dano é dano, independentemente da origem ou natureza da conduta que o causou. Se este decorre de atos oriundos da atividade jurisdicional, deve ser antes de tudo reparado, em conformidade com a previsão constitucional, in verbis:

Art. 5º […]……………………………………………………………….

V. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

…………………………………………………………………

X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1999).

Ainda que se persista no argumento de não haver legislação específica, não se poderá deixar conceder a indenização, pois, como determina o art. 126 do CPC, deve o julgador, nos casos de lacuna ou obscuridade da lei, socorrer-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito (cf. o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil).

1.2.4. Alcance da responsabilidade objetiva insculpida no art. 37, § 6º da Constituição Federal

Outro argumento dos defensores da irresponsabilidade do Estado por atos do Judiciário é que a Responsabilidade Objetiva consagrada no art. 37, § 6º da CF não se estende aos atos do Poder Judiciário.

O artigo 107 da Constituição Federal de 1967, que regulava a responsabilidade do Estado, foi causa de controvérsias no meio jurídico, visto que, por situar-se no capítulo do Poder Executivo, na seção relativa aos funcionários públicos, não aplicar-se-ia ao Poder Judiciário. Se não bastasse, argumentava-se que o magistrado não se enquadrava na figura do funcionário público, porque era órgão do Estado, quando muito um funcionário sui generis.

Entretanto, à luz da Constituição Federal de 1988, os argumentos supramencionados foram inteiramente prejudicados e perderam força. De início, o preceito que regula a responsabilidade estatal localiza-se em capítulo que versa sobre a Administração Pública, e de forma clara e inequívoca estabelece:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte: (BRASIL, 1999)

Além disso, o § 6º da norma constitucional em tela não trata de funcionário público, mas de agente público, senão vejamos:

§ 6º- As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa. (BRASIL, 1999)

Sobre o fato de ter o legislador constituinte lançado mão, na redação do art. 37, § 6º, do conceito amplo de agentes quis evidentemente se referir às mais diversas categorias de servidores que atuam sob a égide do poder estatal, não sendo possível ao legislador ordinário fazer distinções onde o constituinte não fez.

Segundo ensinamento de Meirelles (2000, p.601), “agentes públicos são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”, o que implica dizer que se incluem nessa categoria os juízes e demais integrantes do Poder Judiciário. Conforme lição de Bandeira de Mello (1999, p.175), “quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público.”

Termina por concluir, Cavalieri Filho (2000, p.186), que esta categoria abarca “[…] não somente os membros do Poder Judiciário, como agentes políticos, como, também, os serventuários e auxiliares da Justiça em geral, vez que desempenham funções estatais”.

Atividades judiciais, por sua vez, segundo Cretella Júnior (1970, p. 13-32) “são todas as atividades do Poder Judiciário, específicas ou anespecíficas, sem indagação de sua natureza, contenciosa ou graciosa.” Acrescenta o mestre: “realmente, o serviço judiciário é, antes de tudo, serviço público. Ora, serviço público danoso, em qualquer de suas modalidades é serviço danoso do Estado. Por que motivo excluir, por exceção, a espécie serviço público judiciário, do gênero serviço público geral ?” (CRETELLA JÚNIOR, 1992. p. 13-32).

Como se vê, a responsabilidade Objetiva do estado alcança a atividade desenvolvida pelos seus poderes, e em se tratando a atividade judiciária de um serviço público imposto pelo estado em decorrência do monopólio da justiça, indenizáveis são os seus atos.

O juiz, mesmo fazendo parte de uma categoria especial de funcionários, atua em nome do Estado, como membro de um dos seus poderes, e por esse motivo é que se o magistrado causa um dano ao particular, o Poder Público está obrigado a responder patrimonialmente.

Em sendo danoso o serviço judiciário, seja por falha individual do magistrado ou culpa anônima do serviço, seja por ato ilícito ou por ato lícito, ou ainda por exsurgir sem culpa, o Estado responderá diretamente pelos prejuízos causados, sendo que este poderá acionar, regressivamente, o magistrado, nos casos delimitados no art. 133, do CPC (BRASIL, 2003), a saber:Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n.º II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não atender o pedido no prazo de 10 dias.

Disposição idêntica pode ser encontrada na Lei Complementar n.º 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN.

Vale notar que os arts. 294, 420, 421 e 1552, todos do anterior Código Civil (Lei nº 3.071 de 1º de janeiro de 1.916), que disciplinavam casos de responsabilidade direta do magistrado, ou seja, a irresponsabilidade do Estado, não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, pois, o magistrado só responderá, regressivamente, nos casos de dolo e culpa. Mesmo assim, as disposições dos Arts. 420 e 421 daquele antigo Código permaneceram no nosso Novo Código, insculpidas no Art. 1.744, frente à Magna Carta.

Aliás, a aplicabilidade da responsabilidade objetiva no âmbito do poder judiciário, vem reforçando a tese de responsabilizar objetivamente o Estado pela demora na prestação jurisdicional, ou seja, no processamento e julgamento da causa. Defende-se que a parte, como cidadão, paga tributos, tem direito a receber um serviço público não só justo como eficiente.

Ao tratar do assunto, Figueira Júnior (1995, p.74) explica que:

O mau funcionamento do aparelho estatal não é causa de exclusão da responsabilidade civil do Estado. Ao revés, é circunstância que tipifica a sua obrigação de indenizar, à medida que a Constituição Federal mantém a regra geral do art. 37, § 6º, com a especificação do dever de reparação.

A demora da prestação jurisdicional é, sem sombra de dúvidas, uma das causas de perecimento de direitos e conseqüentes lesões ao particular. As causas da morosidade vão desde a legislação ultrapassada, extremamente formal, com a previsão de inúmeros recursos e medidas protelatórias até a falta de aparelhamento da justiça e número deficiente de magistrados.

Embora a garantia do acesso à justiça tenha adquirido natureza constitucional, é sabido que a tramitação morosa dos processos causa o descrédito na Justiça. O acionamento do Estado, exigindo a reparação pelo dano decorrente da demora jurisdicional seria na verdade uma forma legítima de pressioná-lo a promover melhorias no âmbito do Judiciário.

1.2.5 Incontrastabilidade da coisa julgada

Este é sem dúvida o argumento mais sólido elaborado pelos defensores da tese da irresponsabilidade do Estado, segundo o qual a coisa julgada gera como efeito, a imutabilidade da decisão.

A res judicata, conforme dizem, existe com vistas à manutenção da segurança jurídica, evitando-se a incerteza das partes no tocante à lide que foi julgada. Ainda que equivocada, a decisão torna-se imutável, não se pode admitir o ressarcimento diante de eventual prejuízo, dado que a coisa julgada faz lei entre as partes, criando a sua própria verdade.

Para os partidários da teoria da irresponsabilidade, a possibilidade de indenização decorrente do julgamento configuraria uma crítica inaceitável do julgado, que. via de conseqüência criaria um clima inquietante de insegurança jurídica. Trata-se, então, de tornar irresponsável o Estado pela sua dicção de direito (juris dictio), sendo apenas responsável o juiz que, por culpa ou dolo, prolatar sentença defeituosa.

Vemos, porém que a segurança jurídica funciona como princípio jurídico orientador, que não serve de justificativa à irresponsabilidade do Estado com o fito de submeter os cidadãos a sentenças ilegais que atinjam direitos garantidos pela ordem jurídica constitucional.

O argumento da incontrastabilidade da coisa julgada que, num primeiro momento, demonstra-se sólido, pode ser facilmente refragável por vários motivos.

A existência da coisa julgada, ao contrário do que se poderia imaginar, não constitui empecilho à reparabilidade do dano decorrente da atividade judiciária, sobretudo se considerarmos o fato de que muitos dos danos ocasionados, decorrem de atos que sequer operam coisa julgada, como medidas cautelares, atos preparatórios, entre outros. Nessas hipóteses, não se cogita sequer de ataque à coisa julgada.

A relação entre a reparação do dano e a existência de coisa julgada existirá, portanto, na hipótese de existir sentença de mérito, que poderá transitar em julgado e constituir a res judicata. Nesse caso, existirá um elemento limitador à reparação do dano, quando a reparação do dano prescinde da rescisão do julgado, em nome da segurança jurídica.

Para boa parte da doutrina, a reparação por dano decorrente do erro judiciário, advindo de uma sentença transitada em julgado, prescinde da rescisão da mesma. Logo, a existência de coisa soberanamente julgada, insuscetível de recursos e ação rescisória, impossibilitaria a pretensão indenizatória. Tal situação estaria diretamente ligada à esfera cível, já que a sentença penal condenatória é sempre suscetível de revisão.

Para outros, a desconstituição do julgado não é condição para a ação de indenização e conseqüente reparação do dano, como Hentz (1995, p.43), que ao tratar do tema conclui que:

A sustentação que se faz aqui é no sentido da desnecessidade de desconstituir o julgado cível ou criminal, podendo a indenização ser postulada como ação autônoma, já que a coisa julgada não opera impedimentos a considerações sobre eventual desacerto do julgamento.

Corroborando esse entendimento, explica Dergint (1994, p.145) que:

Mesmo se prescrita a ação rescisória, é de se admitir possa o prejudicado, pelo erro do Estado-Juiz, obter indenização, ainda que mantido o julgamento transitado em julgado. Atente-se para o fato de que na ação indenizatória não se busca a desconstituição da sentença lesiva e não se vinculam as mesmas partes (mas uma delas e o Estado). Assim sendo, a responsabilidade estatal não se contrapõe à coisa julgada, sendo despicienda a desconstituição do ato jurisdicional através da ação rescisória.

Di Pietro (1997, p.144), conclui que:

[…] a condenação do Estado a indenizar o dano causado pela decisão não significa sua modificação. A decisão continua a valer para ambas as partes a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece intangível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário.

Há que se considerar, na verdade, que a festejada segurança jurídica tem caráter principiológico, não se podendo admitir que num Estado de Direito permita-se a utilização desse argumento para eximir o Estado da sua obrigação de reparar o dano decorrente das suas atividades.