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Arguição de descumprimento de preceito fundamental

A Constituição Federal é a norma fundamental, ou seja, é nela que buscamos fundamentos de validade das normas existentes no ordenamento jurídico, ocupando o último escalão da pirâmide de Kelsen. Todas as situações jurídicas devem com ela guardar relação de compatibilidade, sob pena de nulidade. José Afonso da Silva esclarece tudo isso em apenas uma frase: “todas as normas que integram o ordenamento jurídico nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal”.

O ART. 102 da carta constitucional atual da república federativa do Brasil determina as competências do Supremo Tribunal Federal, dentre as quais, a sua principal atribuição que é a guarda e a defesa da constituição federal. Esse artigo, no seu parágrafo primeiro dispõe sobre mais uma forma de controle de constitucionalidade que é a Argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Parágrafo esse que foi acrescentado pela emenda constitucional nº 3 de 1993.

A Argüição de descumprimento de preceito fundamental foi uma inovação trazida pela atual carta constitucional, vez que nunca tinha figurado nas demais cartas que a antecederam.

Tratava-se de uma norma constitucional de eficácia limitada institutiva, e dentro desse contexto, desprovida de qualquer aplicabilidade, ou seja, estava inerte na dependência de uma lei que a regulamentasse e dessa forma estabelecesse sua forma de apreciação e aplicação desse novo procedimento de controle de constitucionalidade concentrado.

Somente no final da década de 90 o congresso nacional editou a lei 9.882/99 que, finalmente regulamentou o artigo 102 § 1º da constituição federal que dispõe sobre a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Que, no entendimento de Sylvio Motta e William Douglas “vem na verdade apenas expor ainda mais a fragilidade das nossas ainda incipientes instituições no que diz respeito à presunção de constitucionalidade que deveria revestir todos os atos por elas produzidos”. A argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), regulada pela lei 9.882/99 é mais uma espécie abstrata de controle de constitucionalidade, que de acordo com o seu art. 1º será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e tem como função e objeto principal evitar, de forma preventiva e reparar de forma repressiva lesão ou ameaça de lesão a princípios, direitos e garantias fundamentais estabelecido em nossa constituição. Enfim, caberá essa ação quando o objetivo for o de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público e quando for relevante o fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à constituição. Ou seja, para preservar ou prontamente restabelecer a efetividade do princípio constitucional.

Importante ressaltar que essa espécie de controle de constitucionalidade só tem cabimento e sustentabilidade na defesa de sua causa quando não houver outro meio ou outra modalidade de controle abstrato que possa solucionar ou resolver esta controvérsia.

Gilmar Mendes afirma que esse novo instituto, sem dúvida introduz profundas alterações no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.

-Em primeiro lugar, porque permite a antecipação sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio da interpretação autêntica do STF.

-Em segundo lugar, porque poderá ser utilizado para de forma definitiva e com eficácia geral, solver controvérsia relevante sobre a legitimidade de direito pré-constitucional em face da nova constituição que, até o momento, somente poderia ser veiculada mediante a utilização de recurso extraordinário.

-Em terceiro, porque as decisões proferidas pela STF nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes e os efeitos vinculante, fornecerão a diretrizes seguras para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades municipais.

Entende-se por preceito fundamental, seguindo os ensinamentos de Sylvio Motta e William Douglas que não são apenas os princípios fundamentais; mas também os direitos e garantias fundamentais; os princípios da administração pública; as cláusulas pétreas etc. Para José Afonso da Silva preceitos fundamentais não é expressão sinônima de princípios fundamentas. É mais ampla, abrange estas e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como as que apontam para a autonomia dos estados, do distrito federal e especialmente os direitos e garantias fundamentais. Para Alexandre de Moraes: “os preceitos fundamentais englobam os direitos e garantias fundamentais da constituição, bem como os fundamentos e objetivos fundamentais da república, de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais”.

Cabe exclusiva e soberanamente ao Supremo Tribunal Federal conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da constituição, porque, promulgado o texto constitucional ele é o único, soberano e definitiva intérprete, esse é o entendimento do ministro Osmar Dias Correia. Enfim, no nosso entendimento, preceito fundamental são todos os dispositivos constitucionais que nos garantam ou que procuram garantir de forma explícita ou implícita as bases de uma segurança jurídica e social de respeito irrestrito a dignidade da pessoa humana.

A lei 9.882/99 dispõe sobre a possibilidade de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental em três hipóteses:

– para evitar lesão a preceitos fundamentais, decorrentes de ato do poder público;

– para reparar lesão a preceitos fundamentais, resultantes de ato do poder público;

– Quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Incluído aqueles anteriores à constituição.

Diferentemente da ação direta de inconstitucionalidade, a argüição de descumprimento de preceito fundamental admite a possibilidade de controle e análise de atos ou leis anteriores a atual constituição, o que é vedado nas outras espécies de controle concentrado. Ou seja, admite a possibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade abstrata de direito ordinário preexistente a atual constituição.

Ou seja, caberá a ADPF preventivamente, perante o Supremo Tribunal Federal, para evitar iminentes lesões a princípios, direitos e garantias constitucionais. Caberá também repressivamente, para reparar esses atos, quando já em vigência e logicamente produzindo efeitos. Para Alexandre de Moraes o ordenamento Argentino é mais rigoroso do que o ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito a esse tipo de ação. Pois, no Brasil a possibilidade tanto de evitar quanto de reparar a lesão é legítima apenas quando essa lesão é proveniente do poder público. Pois o chamado direito de amparo Argentino é admissível contra toda ação ou omissão de autoridades públicas e privadas.

O art. 4 § 1º da lei 9.882/99 que regulamentou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental inviabiliza expressamente a possibilidade desta ação quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, ou seja, essa ação é vinculada à inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar o ato lesivo. Caso o ato lesivo não seja objeto de admissão dos remédios constitucionais (Mandado de segurança, habbeas corpus, mandado de injunção etc.) ou das outras formas de controle de constitucionalidade, aí sim caberá a ADPF. É o chamado caráter subsidiário.

O Ministro Carlos Velloso afirma sobre o princípio da subsidiariedade: “Se o Supremo Tribunal Federal der interpretação literal, rigorosa, do §Iº do art.4º da lei 9.882/99, a Argüição será, tal qual está ocorrendo com o Mandato de Injunção, posto de lado”.

A argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), têm vários pontos semelhantes, que iremos ver mais à frente. Uma dessas semelhanças que irei colocar agora é a que diz respeito as pessoas, órgãos ou entidades que tem legitimidade para propor a ação, seja ela Argüição de descumprimento de preceito fundamental ou a Ação direta de inconstitucionalidade. O art. 2º inciso I da lei 9.882/99 acata e legitima as mesmas pessoas físicas e jurídicas previstas no art. 103, incisos I a IX, ou seja, o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, as Mesas das Assembléias Legislativas, os Governadores de Estado, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticas com representação no Congresso Nacional e Confederação Sindical e entidade de classe de âmbito nacional.

O inciso II foi vetado, este inciso garantia a possibilidade de qualquer pessoa lesada ou ameaçada pelo poder público de propor diretamente a Argüição. A alegação do veto foi à preocupação com a possível elevação excessiva do número de ações a serem apreciadas pela suprema corte. Esse veto sofreu severas críticas. Para Zeno Veloso esse veto esvaziou o instituto da Argüição. Pois, o exercício individual de qualquer pessoa, para restabelecer ou preservar direitos e liberdades ameaçados ou violados, é legítimo na constituição dos povos germânicos (a queixa constitucional) e hispânicos (recurso de amparo).

Quanto aos legitimados ativos previstos no art.2º inciso I da lei 9.882/99 aplicam-se inclusive as questões de pertinência temática que resulta na relação de legitimados ativos universais e legitimados ativos especiais. É que para o supremo tribunal federal não basta apenas, em alguns casos, está no rol de legitimados para propor qualquer ação, por isso dividiu em dois grupos: os universais e os especiais; Os universais distinguem-se por possuírem interesses gerais, com abrangência total, pois, tem dever de preservar a constituição de forma geral. Seriam o Presidente da República, o Procurador Geral da República, a Mesa da Câmara e do Senado Federal, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Os especiais são limitados, devem propor apenas quando o objeto da lesividade ou da controvérsia estiver relacionado aos seus interesses. Precisam de um interesse específico relacionado com sua classe. São exemplos de legitimados ativos especiais: Governadores de Estado e do Distrito Federal, Mesas das Assembléias dos Estados e Câmara Legislativa do Distrito Federal, Entidades de Classe de âmbito nacional e Confederação Sindical.

A liminar, que é um despacho de um magistrado que tem como objetivo imediato antecipar no todo ou em parte, os efeitos da tutela requerida na petição inicial, poderá ser concedida na Argüição de descumprimento de preceito fundamental, geralmente por maioria absoluta dos ministros do supremo tribunal federal. No entanto a própria lei excepciona casos em que essa liminar poderá ser concedida sem a oitiva preliminar do demais membros, essa concessão poderá ser deferida exclusivamente pelo relator do litígio. Eis os casos em que excepcionalmente o relator concederá liminar sem a prévia apreciação dos demais membros do supremo: período de recesso; perigo de lesão grave; ou extrema urgência. Porém a manutenção dessa medida dependerá de referendo do tribunal. A liminar tem força suficiente para garantir o direito tutelado e ainda suspender todos os processos em andamento que tem o mesmo objeto da ADPF até que se tenha a decisão transitada do mérito.

O art. 10 §3º da lei que regulamenta a ADPF diz que a decisão terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do público. Esse artigo é objeto de profundo debate entre os operadores do direito, uns de acordo com as profundas alterações trazidas por esse artigo supracitado, outros totalmente contrários às determinações contidas nesse mesmo artigo. Entre os defensores desse novo instituto de efeito vinculante está o ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, ele cita três situações positivas para o controle de constitucionalidade:

1-Primeiro porque permite a antecipação de decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes;

2-Segundo porque poderá ser utilizado de forma definitiva e com eficácia geral, resolver controvérsia de direito pré-constitucional;

3-E terceiro porque devido o seu efeito erga omnes e vinculante, fornecerão diretrizes seguras para o juízo de legitimidade ou ilegitimidade de atos de teor idênticos. Enfim, Gilmar Mendes entende e defende ser compatível com a constituição a previsão legal do efeito vinculante.

Entre os que discordam dessa vinculação legal está Maria Helena Diniz, que alega violação aos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional, do juiz natural e da separação dos poderes.

Afirma Maria Helena Dinis que: “o juiz não tem o poder de legislar”, assim o supremo tribunal federal ao proferir decisões vinculantes estará usurpando funções do poder legislativo e retirando dos juizes a liberdade de apreciação do caso sub judice e o uso do livre convencimento. Os magistrados perderiam a independência para decidir, tão necessária para garantir os direitos dos jurisdicionados, como dizia Rui Barbosa, pois passariam a cumprir normas ditadas pelos tribunais superiores. E conclui que admitir o efeito vinculante significa comprometer os princípios da independência dos três poderes, do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal e da ampla defesa.

É evidente que o efeito vinculante restringe a liberdade do operador do direito ao elimina a possibilidade de interpretação da norma jurídica, pois cada caso tem suas peculiaridades que levam o juiz a ter um determinado entendimento e isso é que é bonito e justo no direito, que tem como objetivo final à justiça. O direito não é feito para se adaptar aos casos, os casos é que se adaptam ao direito.

O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido em todos os processos de competência do supremo tribunal federal, é o que diz explicitamente o §1º do art. 103 da constituição federal. Já a lei 9.882/99 em seu § único do art. 7º, diz que o ministério público nas argüições que não houver formulado terá vista do processo por cinco dias.

Quanto ao quorum para a instalação da sessão e para a decisão, o art. 8º da lei 9.882/99 a decisão sobre a Argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos ministros. A lei não estabelece quorum qualificado para a votação, porém se houver necessidade de declaração de inconstitucionalidade do ato do poder público que tenha descumprido preceito fundamental, haverá necessidade de maioria absoluta nos termos da art. 97 da constituição federal.

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE ADPF E ADIN:

1-Ambas integram o controle concentrado, onde a ADPF será apreciada exclusivamente no Supremo Tribunal Federal, a ADIN, poderá ser submetida tanto no Supremo Tribunal Federal como nos Tribunais de Justiça, dependendo dos conflitos espaciais, ou seja, da origem da norma, se federal, estadual ou distrital;

2-Ambas cabem agravo do indeferimento da petição inicial por parte do relator, fazendo com que o mérito seja submetido ao plenário do Supremo Tribunal Federal, que decidirá por maioria simples, sendo a sua decisão irrecorrível, seja pela procedência ou improcedência da petição;

3-Os legitimados ativos, ou seja, pessoas jurídicas que podem propor as ações são as mesmas;

4-Os efeitos da decisão são iguais para ambas às ações, ou seja, terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeitos vinculantes;

5-Enquanto que a ADIN e as outras espécies de controle só tem por objeto leis ou atos normativos pós-constituição, a ADPF engloba as leis ou atos pós-constitucionais e também os pré-constitucionais;

6-Ambas admitem a concessão de medidas cautelares (liminares);

7- A ADPF só terá cabimento quando a controvérsia,não poder ser reparada pela ADIN ou por qualquer outros meios de controle concentrado, é o chamado caráter subsidiário;

8- Leis e atos normativos municipais, estaduais e federais, podem ser contestados pela ADPF enquanto que a ADIN só exerce o controle sobre atos e leis federais, estaduais ou distritais.