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O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Nacional

Nestas épocas de globalização, de derrubada de muros, de abertura de fronteiras, de integração econômica, cultural e social, surge o primeiro instrumento jurisdicional internacional com verdadeira legitimidade para julgar crimes contra a humanidade, ou seja, é a globalização jurisdicional penal, processual e humanitária sendo manifestada de maneira voluntária e soberana, onde nesse tipo de globalização não há alegações de concorrência desleal, de perdas, de prejuízos, nessa flexibilização internacional todos ganham, todos contribuem com suas manifestações democráticas para a busca de uma sociedade mais justa, mais solidária, de respeito ao ser humano e na busca incessante da paz.

O Tribunal Penal Internacional criado pelo estatuto de Roma em 1998, que passou a existir formalmente em 01/07/2002 sendo ratificado por mais de 60 países (número mínimo para a criação do tribunal, art. 126), entrou em vigor em 2003 quando já contava com a ratificação de aproximadamente 80 países, apesar do boicote e resistência de países como China, Rússia, Israel e Estados Unidos. Hoje, o TPI conta com a adesão de quase 100 países membros.

Depois da segunda guerra, passou-se a criar Tribunais Penais Internacionais como o de Nuremberg e mais recentemente o de Ruanda e o da ex-Iugoslávia, são os chamados tribunais (ad hoc), criados no conselho de segurança da ONU para o julgamento de crimes contra a humanidade, de genocídio etc. Tribunais não permanentes que feriam princípios básicos do direito internacional entre eles o do juiz natural e da legalidade e que eram geralmente imparciais, pois, eram criados sob a influência dos vencedores para o julgamento dos vencidos, como foi o caso do tribunal de Nuremberg.

O TPI está sediado em Haia (Holanda) sendo composto por 18 juízes indicados pelos países membros e submetidos à votação, entre os quais a juíza brasileira Sylvia Steiner.

O TPI é um tribunal permanente com jurisdição internacional, sendo criado para o julgamento de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e de agressão, de acordo com o art.5º do estatuto deste Tribunal, sendo tais crimes imprescritíveis, art. 29.

Tem como característica a complementariedade, ou seja, só atua quando houver omissão dos órgãos jurídicos do país membro, ou seja, tem caráter subsidiário. Portanto, indaga-se: caso um brasileiro cometa um dos crimes punidos pelo tribunal qual o órgão competente para julgá-lo? Respondendo a este questionamento o brasileiro será julgado pela justiça brasileira, caso o Brasil não demonstre disposição para julgá-lo, surge aí o princípio da complementariedade, que legitima o TPI para fazê-lo, ou seja, o TPI é subsidiário em relação aos órgãos jurídicos nacionais.

Em casos de crimes cometidos anteriormente a sua criação, mesmo com manifesta omissão do país em julgar o criminoso o tribunal não terá legitimidade de julgá-lo, pois, não tem competência ultrativa, ou seja, só terá competência e legitimidade para o julgamento de crimes ocorridos depois de sua criação, nos termos do art. 11 do estatuto do tribunal penal internacional.

Questões interessantes e polêmicas dizem respeito ao fato da constituição brasileira expressamente proibir a extradição de brasileiros (art. 5º, LI CF), como também a aplicação da pena de prisão perpétua (art. 5º, XLVII, b CF), hipóteses essas que constam no estatuto de Roma nos artigos 89 e 77, b respectivamente, com uma pequena ressalva, o tribunal não fala em extradição preferiu denominar de entrega, art. 102.

Porém, faz-se necessário uma distinção do que é extradição e do que se entende por entrega. Extradição é a entrega por parte de um estado, de um indivíduo acusado ou condenado para outro estado com competência para fazer o julgamento ou aplicar a pena. Já a Entrega diferencia-se não por ser uma cooperação de um estado para outro estado, mas de um estado para um órgão de jurisdição internacional que é o caso do tribunal penal internacional.

No entanto, surge uma questão intrigante. Caso um brasileiro tenha que ser submetido ao julgamento do Tribunal, como conciliar as normas proibitivas pela constituição brasileira e que são permissivas no tribunal pena internacional, já que o Brasil se submete à jurisdição deste conforme §4º do art. 5º da constituição federal. Recorremos aos ensinamentos do ilustre Luis Flávio Gomes:

“No dia em que um brasileiro poder ser julgado pelo TPI, o Brasil não estará extraditando-o (que é vedado pela constituição), senão entregando-o a um organismo internacional, supranacional”.

Como citado anteriormente, extraditar não é a mesma coisa que entregar, aquela é a relação recíproca entre estados soberanos e essa é a relação entre um estado soberano e uma entidade de jurisdição internacional, que é o caso do TPI.

Com relação à pena de prisão perpétua que é proibida pela constituição brasileira (art. 5º, XLVII) e permitida pelo TPI (art. 77, b), o que o Brasil pode e deve fazer é agir da mesma forma que o STF vem agindo nos julgamentos de extradição, que é exigir um prazo determinado para a aplicação da pena, sob condição de não entrega.

Enfim, vejo a criação do tribunal penal internacional como um grande avanço para a busca de uma cultura de paz entre os países, como também uma manifestação de combate à impunidade, de respeito aos princípios do juiz natural, da legalidade, da impessoalidade, do devido processo legal e principalmente na busca da concretização dos direitos individuais e coletivos em detrimento do pensamento momentâneo de um ditador.