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Palestra “A Jurisdição das Relações Trabalhistas do Mercosul” de Vantuil Abdala

Veja a íntegra da exposição do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vantuil Abdala, feita hoje (22) à tarde no painel “A Jurisdição das Relações Trabalhistas do Mercosul”, realizado no Supremo Tribunal Federal.

1. O Mercado Comum do Sul não iniciou bem quanto ao aspecto social.

Com efeito, a ausência de previsão específica quanto à livre circulação de trabalhadores, no artigo 1º do Tratado de Assunção (1981), parece ser uma evidência disso.

Verifica-se, nesse Tratado, uma acentuada ênfase ao aspecto econômico e uma indiferença, para não dizer um desprezo, à questão social.

A justificativa, no sentido de que na expressão “livre circulação de fatores produtivos”, incluir-se-ia a de trabalhadores, só agrava essa constatação.

Essa justificativa parece reduzir a pessoa do trabalhador à apenas um dos fatores da produção, sem considerar a dignidade da pessoa do trabalhador, inseparável da força-trabalho.

2. A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul (Rio de Janeiro/1988) veio redimir, em parte, essa falta.

Sua existência, no entanto, soa mais como um poema dedicado aos trabalhadores, em virtude de sua tímida eficácia.

De qualquer maneira, cabe aos aplicadores do Direito extrair o máximo de eficácia de suas normas e princípios. Até porque não basta a harmonização das legislações dos países-membros, como recomenda o artigo 1º do Tratado de Assunção, sendo indispensável sua efetiva aplicação e respeitabilidade.

Assim, cabe aos países-membros fortalecer, cada vez mais, os procedimentos de fiscalização e aplicação das normas sociais, até para se evitarem reiteradas acusações, fundadas ou não, no sentido de que qualquer deles não cumpre sua própria legislação e que, em razão disso, obtêm reduções fraudulentas no custo da mão-de-obra.

3. A harmonização das legislações internas de cada país-membro do Mercosul, no campo do direito laboral, é uma preocupação menor, pois, basicamente, já estão harmonizadas. Com efeito, o princípio tutelar permeia a legislação de todos eles, a partir mesmo da Constituição Federal de cada um.

Desse princípio maior, que informa toda a legislação laboral, decorre seu caráter de normas de ordem pública, em regra, dotadas de irrenunciabilidade e inderrogabilidade pela simples vontade das partes.

Assim é que muito se aproximam as legislações respectivas, quer quanto a direitos quer quanto a custos, em seus aspectos básicos, como os tipos de contrato, a indenização por despedida, a jornada de trabalho, as férias, o repouso semanal, a segurança e a higiene.

No campo do direito coletivo do trabalho, no entanto, pelo menos em um aspecto, embora de grande relevância, o Brasil fica para trás, qual seja, o da liberdade sindical.

Com efeito, nosso País é o único do Mercosul, e um dos raros no mundo, que não ratificou a Convenção 87 da OIT, segundo a qual é permitida a existência de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial.

Esse monopólio sindical, aliado a uma contribuição sindical obrigatória, tem implicado na existência de muitos sindicatos sem representatividade e sem capacidade de negociação autêntica, dificultando até uma certa flexibilização de direitos não fundamentais.

O aperfeiçoamento do sistema sindical poderia incrementar até mesmo a negociação coletiva supranacional, celebrada entre empresas e sindicatos de diferentes estados-membros, a exemplo do celebrado entre a empresa Volkswagen do Brasil e da Argentina, de um lado, e os sindicatos dos metalúrgicos da CUT do Brasil e dos mecânicos de automotores da Argentina, do outro. Nesse tratado, estabeleceu-se o intercâmbio de informações; a realização de reunião anual conjunta entre as empresas, os sindicatos e as comissões internas de fábrica; o compromisso de prevenção de conflitos por meio de diálogo permanente e de solução das divergências preferencialmente pela via negocial; a homogeneização dos programas de capacitação e o reconhecimento automático dos cursos realizados em qualquer das empresas do Mercosul, entre outros.

4. O Protocolo de Olivos (2002) regula basicamente o procedimento de solução das controvérsias que surjam entre os Estados-partes sobre a interpretação e a aplicação das normas do Mercosul, mediante negociação direta entre as partes ou do procedimento arbitral, com possibilidade de recurso ao Tribunal Permanente de revisão.

Não se trata, pois, propriamente, de jurisdição.

5. O Protocolo de Las Leñas (1992) tem uma relação e uma eficácia mais direta em relação à solução dos conflitos trabalhistas no Mercosul.

A partir desse Protocolo, tornam-se facilitadas as atividades de prática de atos ordinatórios e probatórios dos processos a serem realizadas em outro Estado-parte.

Mais importante ainda é a disposição de seu artigo 20, que trata do reconhecimento da eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais, observados os requisitos próprios.

No processo Carta Rogatória nº 7.899, oriundo da República da Argentina, o egrégio Supremo Tribunal Federal concedeu o “exequatur”, com o fundamento de que, pelo Protocolo de Las Leñas, “agora, as sentenças estrangeiras, desde que proferidas por autoridades judiciárias integrantes dos demais estados integrantes do Mercosul, poderão, para efeito de sua execução em território nacional, submeter-se a reconhecimento e homologação, mediante instauração de procedimento ritual simplificado fundado na tramitação de simples carta rogatória dirigida à Justiça brasileira”.

Assim, decisão reconhecendo direito ao trabalhador em um Estado-parte poderia vir a ser executada em outro, mormente porque, como já se disse, os princípios de ordem pública, nessa área, são praticamente os mesmos entre eles.

6. Ausência de um Tribunal supranacional.

Enquanto, no entanto, inexistir um tribunal supranacional no Mercosul, o trabalhador deverá reivindicar seu direito no local mesmo da prestação de serviços, segundo a legislação do respectivo Estado-parte.

No Brasil, diferentemente do que acontece nos Estados associados, há uma Justiça Especializada na solução dos conflitos do trabalho, agora não só entre empregado e empregador, mas, também, referentemente a trabalhadores autônomos, avulsos, cooperados e lides intersindicais.

Talvez essa especialização se explique, em parte, pela existência de um número médio de 2 milhões de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, a cada ano.

Esse número, por si só, é uma evidência de que algo está errado e carece mudar.

Mudar como?

Talvez com uma legislação menos conflituosa, com uma fiscalização mais eficiente e com um gravame mais forte ao inadimplente voluntário e consciente.

A criação das Comissões de Conciliação Prévia, por meio da Lei nº 9.958/2000, composta por empregados e empregadores, com a participação de sindicatos, objetivou diminuir os litígios. Não teve muito sucesso, pois, na prática, se verificaram falhas e abusos, que devem ser coibidos com a alteração da lei, já que o instituto em si é importante.

Em suma, se ainda não entramos na reta de chegada em termos de um Mercado Comum, caminhamos pouco quanto à questão social e menos ainda quanto à jurisdição das relações trabalhistas.

Finalmente, deve-se sempre lembrar que é ilusório o progresso econômico que não vem acompanhado do progresso social e que a razão de tudo é o homem, em sua dignidade como pessoa humana.