1 – Foro por prerrogativa de função no Brasil; 2 – Posicionamento do STF com relação ao foro por prerrogativa de função; 3 – A Lei 10.628/02; 4 – Conseqüências da nova Lei – distribuição arbitrária da competência; 5 – Do posicionamento dogmático e jurisprudencial 6 – Casuística – O Caso do Presidente do Banco Central do Brasil;7 – Conclusão;
1- Foro por prerrogativa de função no Brasil
A Constituição estabelece que todos são iguais perante a lei, entretanto este não pode ser observado como se todos devessem sempre serem tratados de forma igual em decorrência de uma determinada lei, pois para que a isonomia seja observada, são necessárias desigualdades que levam a uma igualdade efetiva. O foro por prerrogativa de função então surgiu devido a este tratamento desigual aplicado a algumas autoridades, tendo em vista a importância do cargo ocupado, sendo processadas criminalmente por órgãos jurisdicionais superiores, escapando do foro comum às demais pessoas.
Não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, já que não se estabelece a preferência em razão da pessoa, mas da função. (…) Na verdade, o foro por prerrogativa visa preservar a independência do agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa (1).
As hipóteses de foro especial são os casos relacionados na Constituição Federal, referentes ao STF, ao STJ e aos TRF. Neste mesmo documento se estabelece que a competência dos Tribunais de Justiça será definida na Constituição de Estaduais, observando o princípio da simetria com a Carta Magna, às autoridades equivalentes às do âmbito federal. É razoável, portanto, que um juiz de direito, um deputado estadual ou um promotor de justiça seja julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado, e não por um magistrado de primeira instância, em razão da “necessidade de resguardar a dignidade e a importância para o Estado de determinados cargos públicos (2).
2- Posicionamento do STF com relação ao foro por prerrogativa de função
Uma questão que se coloca é se o foro por prerrogativa de função é um privilégio ou uma prerrogativa. Relevante notar, neste ponto, é a opinião de Fernando da Costa Tourinho Filho, reforçando também o entendimento sobre o fato do foro especial ser em decorrência do cargo e não quanto à pessoa.
A Corte Superior estabeleceu, com fulcro nos artigos 59, inciso I, 62, 88, 92, 100, e 101, inciso I, alíneas a, b e c, 104, inciso II, 108, 119, inciso VII, 124, incisos IX e XII, da Constituição de 1946, e ainda das Leis nº 1.079/50 e nº 3.258/59, erigindo uma interpretação ampliativa dos dispositivos constitucionais então vigentes, estendendo o foro especial mesmo para aqueles que tivessem deixado cargos na administração pública, independentemente do crime que estivesse sendo o agente processado (3).
Devido a esta questão ter sido amplamente debatida nos Tribunais, o STF editou a Súmula 394, em 3 de abril de 1964, com o seguinte teor: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o Inquérito ou a Ação Penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício 4. Exigia, com isso, uma relação de contemporaneidade, resguardando, desse modo o preceito que o processo iniciado numa Corte deveria nela continuar, apesar da cessação da função.
As principais razões de respaldo deste entendimento consistiam, em síntese, na premissa de que, ainda que cessada a função do agente, poderia surgir a possibilidade de outrem tentar exercer influência sobre quem poderia julgar o ex-funcionário ou ex- titular de posição política, este reduzido então, freqüentemente, à condição de adversário da situação dominante (5). Poderia parecer, a primeira vista, que esse tratamento especial conflitaria com o princípio de que todos são iguais perante a lei (…)e, ao mesmo tempo, entraria em choque com aquele outro que proíbe o foro privilegiado. Pondere-se, contudo, que tal tratamento especial não é dispensado à pessoa (…) e sim ao cargo à função. E tanto isso é exato que, cessado a função, desaparece o privilégio. O que a Constituição veda e proíbe, como conseqüência do princípio de que todos são iguais perante a lei, é o foro privilegiado e não o foro especial em atenção à relevância, à majestade, à importância do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe (6).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o STF, interpretando artigo 102 da Carta Magna, concluiu que cessando o exercício da função pública, a prerrogativa também desaparecia. Assim, este foro especial só teria sentido enquanto o autor de infração penal estivesse no exercício da função pública. Cessado tal exercício, perderá todo o foro funcional, evitando-se a transformação deste em um privilégio pessoal. Partindo desta premissa, devido ao Inquérito n. 687-SP, em 25.08.99 foi cancelada a súmula 394, que assegurava tal prerrogativa (7), retornando os autos à primeira instância, sem prejuízo dos atos processuais até então praticados.
Evidenciar-se-ia esta decisão do STF, com o voto do ministro Sidney Sanches, relator do Inquérito, ensejador do cancelamento da Súmula, em face decisão unânime, onde se vale ressaltar os seguintes trechos:
A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas é, realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgado com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele.(…) A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado. (…) Cessada a função, pode muitas vezes desaparecer a influência que, antes, o titular do cargo estaria em condições de exercer sobre o Tribunal que o houvesse de julgar;(…) Além disso, quando a Súmula foi aprovada, eram raros os casos de exercício de prerrogativa de foro perante esta Corte. Mas os tempos são outros. (…) E sempre restará a esta Corte o controle difuso de constitucionalidade das decisões de graus inferiores. E ao Superior Tribunal de Justiça o controle de legalidade.
3- A Lei 10.628/02
A Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, alterou a redação do caput do artigo 84 do Código de Processo Penal, além de acrescentar-lhe dois parágrafos, estabelecendo competência especial por prerrogativa de função a ex-agentes públicos. Nestes ocorreu à inserção de duas novas regras: uma conferindo foro especial mesmo após a cessação do exercício da função pública em relação às condutas relacionadas com os atos administrativos do agente, sendo estes realizados na vigência do exercício funcional, e a outra, estendendo o foro especial a acusados de atos de improbidade administrativa, inclusive após o término da função pública, no tocante a fatos praticados durante o seu exercício.
Disto se evidencia três objetivos político-processuais: adequar o caput do art. 84 do Código de Processo Penal às denominações e competências estabelecidas na Constituição da República de 1988; o segundo seria estender o foro especial aos ex- detentores de cargo público, na conformidade da súmula proposta pelo Min. Sepúlveda Pertence; e o último seria ampliar o foro especial às ações de improbidade administrativa (8).
O que salta aos olhos é a aprovação da lei em data próxima ao término do mandato de muitos que não obtiveram sucesso ao pleito nas últimas eleições e se tal ampliação da prerrogativa de função para após o término do mandato seria constitucional, já que não se protegeria mais o cargo, mas sim à pessoa (9). Não se contesta a competência da União para legislar sobre a matéria de natureza processual, porém são questionáveis os limites, o qual não pode afrontar, especificamente, a Constituição Federal, que tem competência originária para atribuição de competência.
Este tipo de conveniência para garantir a extensão do foro especial poderia até ter sido desejado pela população, ou apenas por quem os representa. Em qualquer das hipóteses, ter-se-ia que ter sido trilhado o caminho da Emenda Constitucional, não sendo feito porque, preliminarmente, eram reconhecidas às dificuldades de obtenção, ao final do mandato em dezembro de 2002, dos 3/5 dos votos exigidos pelo artigo 60 §2º da Constituição da República, pela via derivada da emenda constitucional. Como não havia tempo nem ambiente para emendar a Constituição, adotou-se a lei ordinária com cálculo preciso dos efeitos sobre as pretensões de fazer perpetuar a competência especial por prerrogativa de função para agentes públicos que deixam a função pública (10).
A lei já vem atingindo seu objetivo, ou seja, o de remeter os processos dos privilegiados aos Tribunais Superiores, até nestes serem julgados, pela extinção da punibilidade, ante a prescrição da pretensão punitiva, criando uma incerteza jurídica, suficientemente para prejudicar o bom desenvolvimento da justiça.
4- Conseqüências da nova Lei – distribuição arbitrária da competência
O legislador, nos termos da nova lei, criou um privilégio, o que é diferente de prerrogativa. Não existe amparo no princípio da razoabilidade para que fossem criados foros diferentes, um para os ex-ocupantes de cargo ou função públicas e outro para as demais pessoas. Uma vez criando desigualdade, sem critérios razoáveis ou plausíveis, ocorreu uma mudança arbitrária da competência. O intuito da Lei é para que se privilegie a pessoa das que não gozam de cargo ou função pública. Quem deixa de exercer função pública passa a ser um cidadão comum, não podendo ser tratado de forma diferente em relação aos demais cidadãos (11).
Além do ferimento ao princípio explicitado no parágrafo anterior, não se observou a impossibilidade da ampliação da competência destas cortes através de simples alteração na legislação infraconstitucional. Ao ser estendido o foro para após a cessação do exercício da função pública, houve ampliação da competência dos Tribunais Superiores, a qual é fixada através das normas constitucionais. Assim, cabe somente à Constituição Federal e à Estadual a definição a respeito da competência, bem como as circunstâncias e pessoas que estão sujeitas à prerrogativa de foro. Com isso, a lei ao conceder prerrogativa de foro a ex-agentes ampliou o rol de competência dos tribunais, o que só poderia ser feito pelo poder constituinte derivado.
Assim procedendo, houve inconstitucionalidade formal, em decorrência do ferimento do juiz natural, além inconstitucionalidade material pela violação do princípio da isonomia. Esta advém da interpretação do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, onde se garante a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se materialize o dogma nulla pœna sine judice. Relaciona-se também este princípio à proibição da instalação de juízos e tribunais de exceção (12).
Para José Celso de Mello Filho, o juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoas garantidas na Carta Magna. Em decorrência disto, somente os juizes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam ao princípio.
A inconstitucionalidade material, pelo princípio da igualdade judicial, denota-se devido a Constituição Federal assegurar que todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações, ainda que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual tratamento jurídico. Na violação deste princípio, a Ação Penal se tornará nula.
São atingidos, reflexamente, os princípios da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. O primeiro reflete que no uso arbitrário da competência, os ex-ocupantes de funções públicas serão processados perante tribunais políticos, onde estes exercerão uma influência mais eficaz, procrastinando o processo. E quanto ao segundo princípio, implícito na Constituição Federal de 1988, veda às partes (autor e réu) de se utilizarem todas as instâncias existentes em nosso seio jurisdicional, onde, por exemplo, o julgamento de um ex-senador, por já ser de acordo com a lei de 2002, será no STF, somente tendo recurso ao Tribunal Pleno (deste mesmo tribunal), cerceando a possibilidade de defender-se amplamente perante o Poder Judiciário.
Evidenciado estes problemas iminentes, ocasionados pela promulgação da Lei, a CONAMP ingressou com uma ADIN no STF. Devido a este Tribunal Superior ter indeferido a liminar, a Lei deverá ter aplicação imediata, por força do art. 2.o do CPP. Com isso, todas as ações penais referentes à ex-integrantes de cargos públicos com foro especial, que se refiram a atos administrativos por eles praticados no exercício do cargo, devem ser imediatamente remetidas ao tribunal competente, onde os atos processuais já praticados devem ser aproveitados (13).
5- Do posicionamento dogmático e jurisprudencial
A lei do foro especial está sendo contestada, como explicita o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato Machado, onde essa lei vai acabar com a moralidade pública neste País. Com os tribunais superiores abarrotados de processos, criar o fórum especial é o mesmo que dizer que não haverá apuração das denúncias e abrir o caminho para a impunidade (14).
A ANPR, tanto quanto a CONAMP, autora da ADIN contra a referida Lei, vislumbra evidentes traços de inconstitucionalidade, por considerar, em síntese, que está ocorrendo regulação do tema por lei ordinária, quando, em razão da matéria, somente a Constituição poderia fazê-lo, operando-se, ademais, perpetuação indevida de foro por prerrogativa de função a pessoas que não mais a exercem. Desta petição inicial, destacam-se alguns pontos, como: (…) o legislador ordinário arvorou-se em Poder Constituinte e acrescentou mais uma competência originária ao rol exaustivo de competências de cada tribunal, além de se arvorar, desastradamente, em intérprete maior da Constituição. Se os limites da competência dos Tribunais estão no texto constitucional, quer federal, quer estadual, não pode o legislador ordinário ultrapassá-los, acrescentando nova competência ao rol exaustivo posto na Constituição, como se poder constituinte fosse (15).
Neste sentido leciona, o Min. Athos Gusmão Carneiro, que a competência fixada na Constituição apresenta-se exaustiva e taxativa dispositivo algum de lei, ordinária ou complementar (salvo emenda à própria Constituição), poderá reduzir ou ampliar tal competência (16). Vale ainda lembrar que toda competência por prerrogativa de função tem caráter absoluto e somente a Constituição que pode pronunciá-la.
Karam explicita que a competência atribuída por regras infraconstitucionais visa fundamentalmente à distribuição racional do exercício da atividade dos diversos órgãos jurisdicionais materializada no processo, delimitado pela Constituição. Por isso, a atribuição da competência mesmo quando ditada pelo interesse público, estará relacionada com a conveniência da administração da justiça, de forma a permitir um funcionamento mais eficaz da máquina judiciária.
Quanto a decisões jurisprudenciais, alguns Tribunais de Justiça já decidiram sobre a inconstitucionalidade da Lei, como demonstrado no Acórdão do Órgão Especial do TJ do Estado do Paraná, porém a decisão ainda não transitou em julgado (17). Já para o STJ, este problema do conflito de competência já foi sanado, prevalecendo o entendimento da Lei 10.628/02 (18). Entretanto, somente o STF solucionará ente impasse, sob pena de se abarrotar a Suprema Corte de recursos, em face do controle difuso da constitucionalidade, concorrendo para o retardamento da prestação jurisdicional e para o desprestígio do princípio da efetividade.
Pelo exposto, entendo ser inconstitucional a referida lei, como também os dispositivos por ela acrescentados ao Código de Processo Penal, razão pela qual não devem ser aplicados pelo juiz, devido ao controle de constitucionalidade judiciário brasileiro tem o caráter difuso. Do ponto de vista material, a falta de razoabilidade é ainda mais gritante. A disposição não se harmoniza com o sistema legal de competência jurisdicional, com o princípio do Juiz Natural, e, ao invés de ajudar a combater, vem disseminar ou gerar a impunidade pela desproporcional instituição de mecanismos restritivos de atuação dos órgãos investigativos naturais.
6- Casuística – O Caso do Presidente do Banco Central do Brasil
O estabelecimento da competência funcional originária dos tribunais, para o processo e julgamento de determinadas pessoas, em razão da denominada prerrogativa de função, não consubstancia exceção ao princípio do juiz natural. Mas a questão se põe para os casos pendentes, em duas hipóteses: quando o acusado, após a prática do fato e início do processo penal, assume cargo ou função que lhe garante o processo e julgamento pelo tribunal de segundo ou terceiro grau; e a segunda hipótese quando a Constituição superveniente institui a competência por prerrogativa de função para cargos que não gozavam (19).
Quanto ao primeiro caso, a orientação jurisprudencial é clara no sentido da aplicação imediata da competência por prerrogativa. Corroboro ao pensamento da jurista Ada Pelegrini, no sentido que se for também aplicada o princípio da justiça especializada ao segundo caso, configurar-se-á a instituição de um verdadeiro tribunal ad hoc, ou seja, um tribunal criado pós-fato. A competência por prerrogativa de função não é uma competência hierárquica, uma prerrogativa garantida pela Carta Magna, de hierarquia superior.
Atualmente, verifica-se um antagonismo do Governo brasileiro, devido a este ter concedido a prerrogativa de função ao Presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, atribuindo-lhe status de Ministro de Estado, tendo seu foro do Juiz Monocrático redirecionado ao Supremo Tribunal Federal. Essa prerrogativa de função foi concedida pelo Presidente da República, através de Medida Provisória, com a única intenção de resguardar um elemento-chave no desenvolvimento da economia do país.
O que se denota, como já foi explicitada por Karam, a atribuição do foro foi dado como um privilégio ao ocupante de função pública, pois já ocorria um maremoto de denúncias, através da mídia, e por pedidos de auditorias fiscais, solicitadas pelo Ministério Público. Como o tempo para um projeto de lei, o que seria correto para o caso da qualificação do cargo, seria muito longo, e por pura influência política e tentativa de procrastinar as diligências do Parquet, foi alterado arbitrariamente a competência no processo penal, passando do primeiro grau de jurisdição (ou, em regra, primeira instância) diretamente para o órgão supremo da justiça no país.
Questiono como ficariam às denúncias sobre eventuais crimes cometidos antes da qualificação do foro, sendo denunciados após a cessação da função pública. Entendo que seria mais um motivo alarmante da inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, pois ele seria um ex-agente público, quando os crimes cometidos até então, não se relacionaram com o seu exercício na Administração Pública Indireta, já que a referida lei, por princípios penais irá ser retroativa para beneficiar o réu. Outro ponto que se pode verificar é como uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda poderá ter um presidente com grau hierárquico similar ao do próprio titular da pasta, onde a relevância pública do seu cargo é demasiadamente superior ao do representante da autarquia.
Assim, está mais que evidenciado que a cúpula do Poder Executivo Nacional, questionadora, por tantos anos, da procrastinação de processos de políticos que hoje são oposição, estão procedendo de maneira similar, demonstrando quem realmente deve ser privilegiado no governo.
7- Conclusão
Como já explicitado é natural que exista este critério delimitador da competência, pois a pessoa que exerce determinado cargo ou função pública deverá ser preservada ao responder a um processo criminal, evitando-se ilegítimas injunções políticas que poderiam ocasionar injustiças ou perseguições no julgamento.
O princípio do juiz natural tem três aspectos, que o legitima: são órgãos jurisdicionais aqueles instituídos pela Constituição; devem tais órgãos e a jurisdição, exercida pelo juiz pré-constituído, serem pré-constituídos, delimitados pela distribuição de competências. Com isso será juiz constitucionalmente incompetente, e o processo por ele instruído deverá ser nulo.
Por isso, prova-se que a alteração do artigo 84 do CPP, pela Lei de 2002, é inconstitucional, material e formalmente, pois ao estabelecer a ampliação do foro por prerrogativa de função, o legislador criou um privilégio, beneficiando a pessoa e não o exercício da função pública. Também houve violação ao princípio da igualdade, pois não há razoabilidade para a distinção entre os ex-ocupantes de função pública e os demais cidadãos. A competência dos Tribunais Superiores não poder ser ampliada por lei ordinária, já que o foro por prerrogativa de função é taxativo e fixo na Constituição Federal. E em decorrência desta lei, se passou a ser utilizado distribuição arbitrária de competência, ou seja, um jogo político com intuito de privilegiar algumas personalidades para fiquem impunes administrativa e criminalmente. Desta forma, não resta dúvidas sobre a flagrante inconstitucionalidade da lei, ferindo frontalmente, não só o princípio do juiz natural, como também a pacífica interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a definição taxativa de competências da Corte Suprema, com o cancelamento da Súmula 394.
Assim, concluo que o STF, pelo conflito existente sobre a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02 nos Tribunais inferiores, aliado ao cancelamento da Súmula, julgue procedente a ADIN, expurgando a referida norma do ordenamento jurídico pátrio. Com isso, manter-se-ia garantidos os princípios basilares da Constituição e do Processo Penal. Entretanto, se esta for declarada constitucional, o que seria um retrocesso em nosso ordenamento, deverá ser declarado seus efeitos ex-nunc, para que se evite o atolamento de processos nos Tribunais Superiores, além da distribuição arbitrária de competência, utilizada hoje como jogo político.