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Erro no judiciário

Sabe-se que a falta de mobilidade das leis é incompatível com o avanço e desenvolvimento da sociedade, na medida em que as regras são apenas amostras teóricas de comportamentos, às quais traduzem a consciência social de uma determinada época.

Dessa maneira se apresenta o erro judiciário: não apenas a má subsunção do comportamento à norma em vigor à época do fato; o erro de perspectiva ou a falsa percepção dos fatos. Este erro pode ainda decorrer, de uma percepção falsa que o magistrado tem da norma in abstracto, extraindo-lhe inadequada interpretação, no exato instante de aplicá-lo ao caso concreto, como, no exemplo citado por Stoco (1998. p. 01),

“[…] reconhecer atentado violento ao pudor e aplicar a absurda pena de 6 a 10 anos de reclusão prevista no art. 214 do Código Penal àquele que trocou carícias com a própria namorada, ou aplicou disposição anacrônica, reconhecendo a sedução (CP, art. 217) praticada contra mulher devassa e já prostituída, embora ainda virgem.”

O erro judiciário traduz uma situação casuística em que se exige um exame caso a caso. Ademais, não se pode justificar, nos dias atuais o estabelecimento de uma regra específica para o erro judiciário, tal como posto no Art. 630 do Código de Processo Penal, quando já existe uma regra geral, ao nível constitucional estabelecendo a responsabilidade objetiva do Estado por danos que seus agentes causarem a terceiros. Tal dispositivo é o § 6º, Art. 37, da nossa atual Constituição Federal.

Passando, então, agora, à análise do que venha a ser o erro judiciário nas suas duas espécies (o penal e o civil), assim como a falha do serviço judiciário. Esta, no entanto, apesar de não se constituir em erro judiciário propriamente dito, poderá, juntamente com aqueles, dar causa a uma conseqüente reparação civil por parte do Poder Público, em havendo o dano por este causado em virtude da falta do serviço.

4.1 Erro Judiciário Penal

O caso mais notório é o do erro judiciário em matéria penal. Geralmente, quando alguém se refere à erro judiciário está aludindo a uma pessoa que fora condenada , e depois descobriu-se que ela não era culpada, ou mesmo que o crime não existira. Resumindo, sua condenação, da forma como foi decretada, não era correta segundo o fato e o direito.

Assim, supõe-se uma má formação do elemento probante no decorrer da instrução processual, e uma sentença condicionada por essa instrução; mais ainda, que essa sentença tenha passado em julgado, quer pelo decurso do prazo, quer pela exaustão dos recursos, como decorre do § 1º, art. 625, do Código Processual Penal.

Importante instituto conexo ao erro judiciário penal é o da revisão criminal. Havendo erro da sentença penal e esta tenha transitado em julgado, a revisão poderá atacar aquele erro, como previsto nos arts. 621 a 631 do nosso Estatuto Processual Penal.

Sua finalidade é a de permitir o reexame de processos findos, em que o réu tenha sido condenado, e possibilitar a reparação daquilo que constitui a preocupação maior dos penalistas – o erro judiciário.

O pressuposto da inicial da revisão é a condenação já tenha transitada em julgado, como exige o art. 625, § 1º, CPP. A partir daí, e nisso difere da ação rescisória, a revisão poderá ser requerida a qualquer tempo, inclusive depois da extinção da pena, ou até mesmo em ocorrendo a morte do réu.

A procedência da revisão acarreta conseqüências no campo penal e na esfera cível. No pedido de revisão será lícito pedir alteração da classificação da infração, absolvição do réu, modificação da pena ou até anulação do processo, restabelecendo-se, nos dois últimos casos, todos os direitos perdidos em virtude da condenação, de acordo com o art. 626 do Estatuto Processual Penal.

Para o objetivo deste trabalho, é sumamente importante a conseqüência patrimonial prevista no art. 630 do Código, pois trata-se de aplicação do princípio constitucional da responsabilidade estatal prevista no Art. 37, § 6º da nossa Carta Constitucional. Insta lembrar da disposição específica do Art. 5º, inciso LXXV da mesma Carta.

4.2 Erro Judiciário Civil

Na verdade, não é apenas na apenas na Justiça Criminal que existem sentenças errôneas, equivocadas. Por lógico, também o há na área cível. Tanto em uma quanto em outra esfera, os nossos julgadores são homens de “carne e osso”. Falíveis, portanto.

Quando se fala em erro judiciário, geralmente se lembra da sentença criminal transitada em julgado, erroneamente editada, e, por extensão, prisão ou detenção ilegais e injustificadas, cujos danos são óbvios na órbita patrimonial e moral.

Contudo, o que se entende por erro judiciário é a sentença equivocada, quer seja emitida em um processo criminal, quer tenha origem em um procedimento não penal. Nem tampouco poderíamos ignorar a possibilidade de responsabilização do Estado-Juiz por atos ocorrentes na pré-sentença, antes da decisão irrecorrível.

O ilustre professor francês Waline (1963, p. 910), dizia que:

Por outro lado, não se deve pretender circunscrever todos os casos em que o funcionamento defeituoso da justiça pode causar prejuízo ao caso mais espetacular de erro judiciário. Uma simples acusação pode ser suficiente para destruir o crédito de um negociante, a reputação do inculpado. Enfim, não é exato que a autoridade da coisa julgada seja inatacável. Sempre é possível a revisão, quer em matéria civil, quer em matéria penal.

O erro judiciário, em matéria civil, para confronta-lo com a noção usual de erro judiciário penal, seria a sentença não penal irrecorrível, quando eivada em sua prolação ou formação, de algum ou alguns dos defeitos que conhecemos, como culpa, dolo entre outros, por parte do magistrado.

Ademais, a lei processual permite o ataque à coisa julgada civil viciada por erro (o erro judiciário civil) através da ação rescisória, regulada nos artigos 485 a 495 do nosso Código de Processo Civil.

Diferentemente da Revisão Criminal, a qual pode ser proposta a qualquer tempo, mesmo depois da morte do réu, existe o prazo prefixado, o qual é de dois anos, a contar do trânsito em julgado de sua decisão (Art. 495, CPC).

A fixação desse prazo é uma forma indireta de defesa da autoridade da coisa julgada civil, reafirmando-a com maior veemência que a da sentença penal, talvez porque a rescisória verse sobre direitos patrimoniais, e não a respeito da liberdade individual. Na ação rescisória, o requerente deverá, se for o caso, cumular seu pedido com o de novo julgamento da lide, de acordo com a inteligência do art. 488, I c/c art. 494 do CPC. Porém, nem sempre a simples anulação da sentença, ou mesmo esse novo julgamento têm o condão de reparar prejuízos antes ocorridos, ocasionados pela decisão defeituosa. Muitas vezes esse novo julgamento será inócuo, vez que já terão perecidos os seus direitos ou interesses envolvidos.

Assim, reconhecido o erro judiciário civil pela sentença rescisória, poder-se-á, ao exame das circunstâncias de cada caso, acarretar a responsabilidade do Poder Público pela sentença defeituosa prolatada pelo magistrado. Entretanto, em havendo dolo ou culpa do juiz, o Estado deverá, em nome do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, intentar ação regressiva contra aquele, conforme dispõe a última parte do § 6º, Art. 37 da Magna Carta.

De acordo com o CPC, em seu art. 495, o prazo para propor a ação rescindenda prescreve em dois anos. Dessa forma, transcorrido este prazo sem que se demonstre o erro por sentença, estaria o possível prejudicado sem vias de perseguir a sua reparação por parte do Estado.

Porém, existe um entendimento doutrinário crescente no sentido de que em havendo o decurso daquele prazo, possa ser possa ser pleiteada a reparação objetiva do Estado por defeituoso no seu ato jurisdicional. O que se bem argumenta é o fato de que na esfera penal o que se busca é a legalidade do processo em geral, preservando-se a liberdade indivíduo, sendo mister, para tanto, imprescritível a revisão criminal. Já no que concerne à área cível, geralmente, por tratar-se do interesse de particulares, mais ainda, patrimoniais, o que se pretende dar às partes é a segurança jurídica dos julgados, evintando-se lides infinitas. Portanto, necessário é o prazo do art. 495.

Com essa interpretação nasce uma nova relação jurídica, a qual se dará entre o prejudicado e o Poder Público, em vista da Constituição Federal, no seu art. 37, § 6º, já muitas vezes citado neste nosso trabalho de conclusão de curso.

Reforce-se, por fim, com este entendimento repetindo pensamento de Dergint (1994, p. 145):

Mesmo se prescrita a ação rescisória, é de se admitir possa o prejudicado, pelo erro do Estado-Juiz, obter indenização, ainda que mantido o julgamento transitado em julgado. Atente-se para o fato de que na ação indenizatória não se busca a desconstituição da sentença lesiva e não se vinculam as mesmas partes (mas uma delas e o Estado). Assim sendo, a responsabilidade estatal não se contrapõe à coisa julgada, sendo despicienda a desconstituição do ato jurisdicional através da ação rescisória.

Também, acrescente-se, o posicionamento da ilustre Di Pietro (1997, p.144):

[…] a condenação do Estado a indenizar o dano causado pela decisão não significa sua modificação. A decisão continua a valer para ambas as partes a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece intangível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário.

4.3 Falha do Serviço Público

A falha do serviço público, onde já tivemos a oportunidade de tecer rasos detalhes, enquanto das Teorias Publicísticas, mais precisamente na Teoria do Acidente Administrativo, também, fundamenta a responsabilidade Estatal, no exercício de suas atividades inerentes a sua condição de Poder Público.

Neste caso, aplica-se integralmente a colocação doutrinária do acidente administrativo à atividade jurisdicional exercida pelo Estado.

Quando o serviço público funcionar mal, ou não funcionar quando deveria faze-lo, ou, ainda, funcionar com atraso em relação ao exigível na ocasião pelas circunstâncias, e, disso resultar prejuízo para o administrado, o Estado será responsabilizado. Esta colocação não se contrapõe à noção do risco, pois, assumindo o ente público determinado serviço, deve-se supor que este o realizará de forma adequada, sem falhas, inclusive em termos de organização e funcionamento. Assume, portanto, o risco de que o seu eventual mau funcionamento cause dano ao administrado.

Sendo dessa forma, mesmo predominando a Teoria do Risco, poderá ocorrer, no exercício judicante.

Tal poderia ocorrer de uma forma mais freqüente nos casos de demora na prática de atos na fase da pré-sentença, ou mesmo da decisão propriamente dita, em razão do acúmulo comprovado de serviços e de processos em mãos de determinados magistrados, tornando-se impossível, humanamente, de manter-se a pauta em dia, ocasionando prejuízos ao administrado pelo atraso na prestação da júris dictio.

Para Cavalcanti (1992, p. 112), “a norma existe e deve ser cumprida. Senão foi, das duas, uma: a) ou houve falta do preposto público na formação do seu mister; b) ou não houve o adequado aparelhamento da máquina estatal destinada à realização da justiça”. Comungando com este mesmo entendimento, Delgado (1983, p. 174) afirma que “a demora na prestação jurisdicional cai no conceito de serviço público imperfeito”.

A prestação jurisdicional imperfeita ocasiona dano ao indivíduo na medida em que este está sujeito a ver perecer seu direito de ação devido à morosidade ou mau funcionamento da justiça. Em sendo constatado o dano, fala-se em responsabilidade civil do Estado, independentemente de conduta culposa do agente público, mesmo que seja no âmbito do Judiciário.

A respeito da demora em se decidir a ação é de se verificar o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1966), no qual, mesmo vencido, o Ministro Aliomar Baleeiro assim se pronunciou:

Dou provimento ao recurso, porque me parece subsistir, no caso, responsabilidade do Estado em não prover adequadamente o bom funcionamento da justiça, ocasionando, por sua omissão de recursos materiais e pessoais adequados, os esforços ao pontual cumprimento dos deveres dos juízes. Nem poderia ignorar essas dificuldades, porque, como consta das duas decisões contrárias ao recorrente, estando uma das Comarcas acéfala, o que obrigou o Juiz a atende-la, sem prejuízo de sua própria – ambas congestionadas de serviço – a Comissão de Disciplina declarou-se em regime de exceção, ampliando os prazos.

Neste mesmo julgado, o Ministro Odalício Nogueira ratificou a posição do Ministro Aliomar Baleeiro, com estas palavras:

O Estado não acionou, convenientemente, a engrenagem do serviço público judiciário. Não proporcionou à parte a prestação jurisdicional a que estava obrigado. Houve falta de serviço público. Não preciso atingir as alturas do risco, que é o ponto culminante da doutrina objetiva, para decretar-lhe a responsabilidade. Basta-me invocar o princípio da culpa administrativa, ocorrente na espécie e que não se confunde com a culpa civil, porque procede, precisamente, do mau funcionamento de um serviço.

Existem casos em que o próprio juiz e a coletividade local a que o mesmo está integrado solicitam insistentemente ao Governo a criação de mais varas, mais cartórios, admissão de mais funcionários. Resumindo, o provimento de condições para que se torne possível o funcionamento regular da Comarca, mas o Estado, por motivos diversos, não a dota dessas condições mínimas e essenciais de trabalho.

Assim ocorre que, em havendo a falha do serviço judiciário, o dano acarretará a responsabilidade do Estado e, em tese, sem haver a possibilidade da ação regressiva contra o agente causador do prejuízo, pois, neste caso é o próprio Estado.