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Regular a relação de emprego ou proteger o empregado?

Ao contrário do que acontece no Direito Civil, onde se objetiva a todo custo a igualdade entre as partes, o legislador trabalhista preocupou-se bastante em estabelecer maior amparo a uma das partes em especial, objetivou, portanto, a proteção ao trabalhador. No entanto, essa aparente desigualdade tem por finalidade igualar as partes no âmbito do Direito do Trabalho, haja vista a evidente hipossuficiência e vulnerabilidade que o trabalhador possui.

Percebe-se, claramente, nas relações trabalhistas a evidente desigualdade existente entre as partes, notadamente no que se refere àquela de cunho econômico. O empregador possui o poder de dirigir o seu empreendimento e, não se pode negar que, em tempos de altos níveis de desemprego como ocorre hodiernamente, o empregado não se sinta temeroso ante o risco de ser despojado de seu emprego. Desta feita, como poderia o Direito do Trabalho tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais?

Assim sendo, justamente com o escopo de igualar os desiguais que surgiu o princípio da proteção na esfera do Direito do Trabalho. É possível afirmar, sem medo de errar, que este princípio almeja o reflexo da igualdade substancial das partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual.

Essa referida igualdade substancial tem a finalidade de equiparar as partes desiguais, já que dar tratamento isonômico às partes, importa em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Em geral, costuma-se apontar vários princípios que são peculiares ao Direito do Trabalho, dentre os quais, pode-se indicar o princípio da proteção (in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica), da primazia da realidade, da irrenunciabilidade dos direitos, da continuidade da relação de emprego, da boa-fé, da autodeterminação coletiva dentre outros apontados pela doutrina.

Necessário trazer à baila, portanto, o comentário formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos princípios em geral:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

No entanto, faz-se mister destacar o Princípio norteador do Direito do Trabalho, qual seja: o Princípio da Proteção, porquanto preconiza a proteção necessária ao empregado para que este possa fazer jus a seus direitos, pela clarividente desigualdade econômica que marca esta relação jurídica especializada.

Não obstante, a aplicação do princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduz-se, em perfeita aplicação da igualdade entre as partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes, seja nas relações de direito material seja nas relações de direito processual.

Verificado que o fundamento da existência do princípio da proteção é a efetiva igualdade entre empregado e empregador, ainda que para isso seja necessária a criação de normas protetivas ao empregado, torna-se necessário verificar a forma de aplicação prática de tal princípio, para somente depois manifestar a prevalência da proteção ao empregado em relação a regulação da relação de emprego.

Nesta senda, deve-se analisar os desdobramentos deste princípio em três vertentes, quais sejam: a) in dubio pro operario; b) norma mais favorável; e, c) condição mais benéfica.

2.1 In Dubio Pro Operario A regra do in dubio pro operario surgiu em decorrência do in dubio pro reo, existente no Direito Penal, bem como o favor debitoris existente no Direito Civil, onde o devedor deverá ser protegido contra o credor. Essa regra tem por objetivo proteger a parte, presumidamente, mais frágil da relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é cristalino que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum.

Não obstante, a aplicação desta regra dá ensejo a certas dificuldades, haja vista não ser possível a sua aplicação de forma generalizada e incontida. Para que seja possível a aplicação do in dubio pro operario, torna-se necessária à observância de condições específicas.

Neste mesmo sentir, não se pode estabelecer interpretação extensiva em que essa não seja cabível, nem se podem procurar interpretações que fujam da singularidade da norma, já que somente poderá ser aplicada o in dubio pro operario, quando efetivamente ocorrer uma dúvida acerca do alcance da norma legal e, ainda assim, sempre que não esteja em desacordo com a vontade do legislador.

Com efeito, faz-se necessário esclarecer que não se pode afirmar de maneira inequívoca que o empregado sempre será a parte hipossuficiente da relação jurídica, pois, em certos casos, o empregador poderá ser tão, ou mais, frágil que o próprio empregado, razão pela qual, em determinadas situações, a aplicação deste princípio deve ser mitigada, tendo em vista o fato de que a hipossuficiência é recíproca.

Aliás, deve-se trazer à baila que a subordinação que se exige como requisito essencial para a caracterização da relação de emprego não é econômica, mas jurídica. Existem situações em que o empregado, por diversas razões (outra fonte de renda, economias, herança etc.), possui condições econômicas melhores que o seu empregador.

Há de se destacar que existe divergência doutrinária no que tange à possibilidade de aplicação da regra do in dubio pro operario no âmbito processual, sobretudo em se tratando de matéria probatória.

A grande dúvida do legislador pode ocorrer tanto no momento de interpretação da lei ou da aplicação da norma jurídica, bem como na valoração das provas produzidas pelas partes no processo, sendo que, em todas essas hipóteses, pode haver a incidência da aludida regra.

Urge destacar que esta regra não deverá ser aplicada quando versar sobre matéria processual, em razão da existência do onus probandi. A insuficiência de prova ocasiona o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja o empregado ou o empregador.

Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, o magistrado deverá socorrer-se do Princípio da Livre Persuasão Racional, decidindo pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, já que neste campo não há qualquer eficácia daquela regra.

2.2 Norma mais favorável A regra da aplicação da norma mais favorável significa que, caso haja uma pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho específica, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador. Neste mesmo sentido, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador.

Desta feita, não deveria existir para o julgador o problema de se apurar qual seria a norma mais favorável para a aplicação no caso concreto, tendo em vista a existência de hierarquia de leis, pois bastaria a aplicação da norma hierarquicamente superior.

Todavia, em face da existência dessa regra, pode-se dizer que formalmente não existe esta hierarquia, já que no Direito do Trabalho as normas jurídicas conferem um mínimo ao empregado, sendo lícito às partes pactuarem cláusulas que confiram maiores benefícios ao empregado.

Mauricio Godinho Delgado expõe como deve ocorrer a aplicação da referida norma, note-se:

No tocante, por sua vez, ao processo de interpretação de normas, não poderá o operador jurídico suplantar os critérios científicos impostos pela Hermenêutica Jurídica à dinâmica de revelação do sentido das normas examinadas, em favor de uma simplista opção mais benéfica para o obreiro (escolher, por exemplo, uma alternativa inconsistente de interpretação, porém mais favorável). Também no Direito do Trabalho o processo interpretativo deve concretizar-se de modo objetivo, criterioso, guiado por parâmetros técnico-científicos rigorosos. Assim, apenas se, após respeitados os rigores da Hermenêutica Jurídica, chegar-se ao contraponto de dois ou mais resultados interpretativos consistentes, é que procederá o intérprete à escolha final orientada pelo princípio da norma mais favorável. É óbvio que não se pode valer do princípio especial justrabalhista para comprometer o caráter lógico-sistemático da ordem jurídica, elidindo-se o patamar de cientificidade a que se deve submeter todo processo de interpretação de qualquer norma jurídica.

Ressalte-se, oportunamente, que, cf. acima asseverado, existem limites para a utilização da norma mais favorável ao empregado, na medida em que o intérprete ou o aplicador da lei não deve considerar o empregado de maneira isolada, devendo, portanto, buscar a preservação do interesse coletivo.

Não obstante, torna-se imperioso, ainda, esclarecer que, sobrepondo-se ao interesse da coletividade, está o interesse público, não podendo ser subjugado. Assim sendo, a norma mais favorável ao empregado não pode ser desfavorável para a sua categoria profissional.

Contudo, a grande dificuldade na aplicação da norma mais favorável importa em identificar, dentre as várias normas aplicáveis, dada a pluralidade de fontes formais do Direito do Trabalho, tais como as leis, as convenções e acordos coletivos, sentenças normativas, regulamentos de empresa, qual seria aquela que melhor se encaixaria naquele caso concreto.

2.3 Condição mais benéfica A regra da condição mais benéfica consubstancia-se na última das vertentes do princípio da proteção, instituído com o escopo de igualar os desiguais na esfera do Direito do Trabalho.

A referida regra significa a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, independentemente de ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes de regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis.

Conforme já asseverado, a aplicação desta regra pressupõe a existência de um caso concreto, sendo que esse caso pode resultar de lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa, contrato individual de trabalho e, inclusive, regulamento de empresa.

Deve-se destacar, ainda, que a aplicação desta regra pode ser operada de forma restritiva ou extensiva. Será restritiva, quando obrigar o empregador a manter as condições que já asseguram situação mais vantajosa ao empregado, em face da nova regulamentação que subjugaria essa vantagem. Será extensiva, quando for permitido às partes pactuarem condições mais benéficas ao trabalhador, superiores àquelas garantias mínimas já fixadas por lei.

Maurício Godinho Delgado explana com maestria a importância deste princípio, senão vejamos:

Este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º XXXVI, CF/88). Ademais, para o princípio, no contraponto entre dispositivos contratuais concorrentes, há de prevalecer aquele mais favorável ao empregado.

Com base em tudo aqui mencionado, resta absolutamente claro que o direito do trabalho não somente serve para regular a relação de emprego como muitos pensam, servindo também para a preservação das melhores condições de trabalho do trabalhador de modo geral, garantindo, por consectário lógico, a proteção do empregado, já que este faz parte do pólo mais fraco desta relação especializada, por estar subordinado juridicamente e quase usualmente economicamente.

Ressalte-se que essa proteção conferida ao trabalhador não é algo que suplante os comandos legais trabalhistas, porquanto o processo do trabalho não está sujeito a qualquer indício de imparcialidade.