Ações judiciais que discutem legalidade da cobrança de tarifa de assinatura básica de telefonia fixa não serão centralizadas. Os ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acompanhando voto do ministro Teori Albino Zavascki, decidiram que a simples possibilidade de sentenças divergentes sobre a mesma questão jurídica não configura, por si só, conflito de competência. A decisão, por maioria, foi tomada na noite de ontem, 14, durante sessão que acabou às 20h30. A votação ficou em quatro a três.
Entretanto, nas ações coletivas ajuizadas pela Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo na Justiça estadual (respectivamente, 32ª e 5ª Varas Cíveis) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor na Justiça Federal (9ª Vara Federal da Capital), há superposição de ações com mesmos substituídos a indicar o risco de decisões conflitantes e inexeqüíveis e da tramitação dessas ações perante juízes submetidos a Tribunais diversos. Reconheceu-se, quanto a essas ações, a competência da Justiça Federal para julgá-las, pois, em ação proposta em face da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), autarquia federal, somente a Justiça Federal está constitucionalmente habilitada a proferir sentença, ainda que seja sentença negando a sua legitimação passiva.
Quanto ao pedido de suspensão das ações individuais até o julgamento das ações coletivas, prevaleceu também o entendimento do ministro Zavascki. Para ele, além de estranho aos limites do conflito de competência, o pedido não pode ser acolhido, “não apenas pela autonomia de cada uma dessas demandas, mas também pela circunstância de que as ações individuais, na maioria dos casos, foram propostas por quem não figura como substituído processual em qualquer das ações coletivas”.
A discussão no STJ
O julgamento do conflito de competência entre as Justiças Federal, estaduais e Juizados Especiais Federais sobre processos referentes à ilegalidade da cobrança de assinatura básica de telefonia fixa havia sido interrompido na última sessão com o pedido de vista do ministro Teori Albino Zavascki (CC 47731, 48106 e 48177).
O relator, ministro Francisco Falcão, havia votado pela concentração de todas as ações coletivas em trâmite no País sobre o assunto na 2ª Vara Federal de Brasília, cidade onde fica a sede da Anatel. Pelo voto do relator, as ações individuais com pedidos idênticos e em trâmite na Justiça comum ficariam suspensas até o processamento das decisões coletivas. Os ministros Luiz Fux e João Otávio de Noronha acompanharam o relator.
A Telemar Norte-Leste, uma das suscitantes do conflito, afirmou que as ações têm abrangência nacional, o que levaria a competência para a Vara Federal de Brasília. Além disso, os processos contra a assinatura, que é cobrada desde 1966, somariam mais de cem mil. Em todos os casos, a pretensa ilegalidade decorreria de ato administrativo da Anatel estabelecendo a cobrança, também definindo a competência da Justiça Federal para o caso.
Ao levar seu entendimento aos demais ministros da Seção ontem, o ministro Teori Zavascki entendeu que não se pode confundir conexão de causas ou incompetência de juízo com conflito de competência. “A incompetência, inclusive a que porventura possa decorrer da conexão, é controlável, em cada caso, pelo próprio juiz de primeiro grau, mediante exceção, em se tratando de incompetência relativa, ou mediante simples argüição incidental, em se tratando de incompetência absoluta”.
Para o ministro Zavascki, a mera possibilidade de sentenças divergentes sobre a mesma questão jurídica não configura, por si só, conflito de competência. Destaca que o nosso sistema jurídico não possui um instrumento de controle da legitimidade (ou da interpretação), em face da lei, de atos normativos secundários ou de cláusulas padronizadas de contratos de adesão. Assim como não há nem mesmo em matéria constitucional, o instrumento da avocação, que permita concentrar o julgamento de múltiplos processos a respeito da mesma questão jurídica em um mesmo tribunal ou um único juiz de primeiro grau. “Assim, a possibilidade de decisões divergentes a respeito da interpretação de atos normativos, primários ou secundários, ou a respeito de cláusulas de contrato de adesão, embora indesejável, é evento previsível”, afirmou. O conflito de competência ocorre ante a possibilidade de decisões antagônicas nos casos em que há processos correndo em separado, envolvendo as mesmas partes e tratando da mesma causa, explica.
Acompanharam o entendimento do ministro Zavascki, respectivamente, os ministros Castro Meira, Denise Arruda, Peçanha Martins e Franciulli Netto, que desempatou a questão. Os ministros Eliana Calmon, Luiz Fux e João Otávio de Noronha acompanharam o voto do relator, ministro Francisco Falcão.
Histórico
A queda-de-braço envolvendo os clientes e as operadoras de telefonia fixa começou em janeiro deste ano. Naquela ocasião, as ações coletivas contra a cobrança da assinatura básica – item da cesta tarifária fixado pelos contratos de concessão – pipocaram dos mais diversos pontos do País. O presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, decidiu concentrar tais processos na 2ª Vara Federal de Brasília.
Como a decisão ocorreu no período de recesso forense, encerrado esse estágio, todos os conflitos de competência envolvendo o mesmo tema foram para o relator, ministro Francisco Falcão. No dia 10 de março, mais um capítulo teve desfecho no STJ. Naquela data, o ministro Falcão decidiu pela centralização de 15 mil ações individuais contra a BrasilTelecom (BT) – holding de telefonia fixa que opera nas regiões Centro-Oeste e Sul e parte da região Norte do País – no juízo da 2ª Vara Federal de Brasília. Na prática, aqueles processos que tramitavam nos juizados especiais ou na Justiça estadual propostos pelos consumidores também estariam na jurisdição da Vara Federal de Brasília.
Também em março, o ministro Francisco Falcão determinou que o juiz da 2ª Vara Federal de Brasília ficasse com a incumbência de decidir, em caráter provisório, as medidas urgentes referentes às ações individuais propostas pelos clientes da Telefônica e da Telemar. Com essa decisão, todos os processos referentes à queda-de-braço em torno da cobrança da assinatura básica passaram a ser resolvidos provisoriamente pelo juízo federal de Brasília.
Cobrança
O ponto central do embate é a cobrança da assinatura básica. O valor médio da assinatura são R$ 36,35 a cada mês – incluído o imposto –, o que representa uma receita para as concessionárias de cerca de R$ 1,4 bilhão por mês. É justamente esse dinheiro que os consumidores não querem pagar.
Para conseguir o intento, a disputa jurídica partiu em duas frentes. Uma delas por meio de ações coletivas, lideradas por entidades de defesa do consumidor e pelo Ministério Público, o que provocou resultados dos mais diversos em cerca de 60 varas das Justiças estadual e federal. Por meio de conflito de competência interposto no STJ, as concessionárias e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) obtiveram vitória preliminar na qual se determinou a centralização dessas ações específicas na 2ª Vara Federal de Brasília.
Na segunda frente de atuação, foram propostas ações individuais. No primeiro round, o ministro Francisco Falcão decidiu que os pedidos da BrasilTelecom, Telefônica e Telemar tinham procedência, mandou que todos os processos ficassem sobrestados e que as questões urgentes passassem a ser resolvidas pela Vara Federal de Brasília.