1 – Conceito de Conexão;
2 – Teorias;
3 – Crítica ao tratamento dispensado a matéria no sistema processual brasileiro;
4 – Análise das diversas hipóteses de conexão espalhadas pelo Código de Processo Civil;
5 – Conclusão;
1 Conceito de Conexão
Conceitua-se conexão, no mais das vezes, como causa de modificação da competência relativa, que enseja a reunião de processos, para processamento e julgamento simultâneo, com o escopo de evitar decisões contraditórias, tudo em conformidade com o princípio da economia processual. Não obstante a autoridade dos que defendem essa conceituação simplista, deve-se ter em mente que o instituto da conexão não se confunde com as suas conseqüências, os seus efeitos jurídicos que irradiam no processo. Os efeitos processuais da conexidade traduzem-se sob a forma de modificação da competência, em virtude da reunião dos feitos em um mesmo juízo. Tais efeitos processuais (reunião dos processos, modificação da competência, entre outros) não refletem o conceito de conexão (fato), esta vista, em regra, antes e fora do processo (pré-processual), revelada numa dada relação de direito material, como veremos mais adiante. Nesse sentido a lição de Tomás Pará Filho, citado por Sandro Gilbert Martins (2002, p.118), que esclarece:”Dizer-se que a reunião de causas, num juízo único, com a prorrogação da competência deste para o conhecimento de ações que, normalmente, deveriam ser submetidas a outro foro, decorre da necessidade lógica e político-jurídica de evitar julgamentos contraditórios, não é bastante para explicação do fenômeno, cuja essência, na verdade, permanece inatingida; o que assim se faz é conceituar o fenômeno em função do fundamento de uma só de suas conseqüências”.
Dessa forma, o estudo da conexão deve-se desgarrar desse paradigma, e buscar efetivamente a causa que justifique essa reunião dos processos, mesmo porque há casos nos quais, apesar de verificar-se a conexão, por razões determinantes, a junção dos feitos se torna impossível. É o que ocorre quando os processos tramitam em juízos com competência absoluta distintas. Nessa linha de raciocínio, elucida Fredie Didier Júnior (2005, p.143) que “essa distinção entre fato (conexão) e efeito (reunião) está bem posta no enunciado n. 235 da súmula da jurisprudência do STJ: a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. Feitas essas considerações preliminares, nota-se que o estudo da conexidade é tarefa árdua, pois se apresenta bastante controverso tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Etimologicamente, segundo o dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, a palavra conexão originou-se do latim connexìo, ónis, e significa “ligação, ajuntamento, conclusão de um silogismo, associação”. Nos ordenamentos jurídicos, o tratamento dado à matéria não é uníssono, oscilando muitas vezes quanto à possibilidade de sistematização dos casos de conexão. As legislações francesa e alemã optaram por não sistematizar o instituto, em razão da dificuldade de encontrar pontos comuns entre as várias formas de manifestação desse fenômeno. Nos dizeres de Olavo de Oliveira Neto (1994, p.37), para esta corrente, é “impossível a elaboração de norma hipotética e abstrata sobre a matéria, pois as exceções seriam mais freqüentes que a própria regra”. Relega-se, dessarte, ao prudente arbítrio do magistrado a tarefa de aferir casuisticamente a ligação de uma ação à outra e a possibilidade de advirem julgamentos contraditórios. Já os ordenamentos jurídicos italiano e brasileiro admitiram a sistematização das várias hipóteses de conexão de causas. Assim, passa-se, por oportuno, à análise de algumas das principais teorias que buscaram compreender o fenômeno da conexão, apoiadas na possibilidade de sistematizar tal matéria.
2 Teorias
A primeira teoria que tentou sistematizar e definir conexão foi criada pelo processualista italiano Matteo Pescatore, em sua clássica obra Sposizione Compendiosa della Procedura Civile e Criminale nelle somme sua ragioni e nel suo ordine naturale com appendici di complemento sui temi principali di tutto il Diritto Giudiziario (ARAGÃO, 1983, p.50). Essa teoria, também chamada de tradicional ou clássica, propaga que o conceito de conexão deve ser aferido segundo a identidade de alguns dos elementos da ação. Noutros dizeres, Pescatore, tomando-se por parâmetro de análise os três elementos da demanda (partes, pedido e causa de pedir), verificou que a identidade entre alguns desses componentes faz nascer um elo, um vínculo, que enseja a reunião das causas, diminuindo a possibilidade de julgamentos contraditórios. A propósito, eis o escólio do referido jurista italiano citado no trabalho Conexão e “Tríplice Identidade” de autoria de E. D. Moniz de Aragão (1983. p.50), nestes termos:
“Causas conexas são as que têm alguns elementos comuns e alguns diversos; se todos os elementos forem comuns, disso resultarão causas idênticas e não apenas causas conexas. Se todos os elementos forem diversos, faltará qualquer vínculo de conexão. Ora, os elementos constitutivos de todas as causas são: 1.º) as pessoas litigantes; 2.º) o título do litígio, isto é, aquilo em que se apóiam o pedido e a respectiva exceção; 3.º) a coisa que se pede (personae, causa petendi e excipiendi, res); de onde emergem dois sumos gêneros de causas conexas; o primeiro, das que têm dois elementos comuns e um só diverso; o segundo das que têm dois elementos diversos e só um comum. Cada um desses gêneros se subdivide depois em três espécies, porquanto, sendo três os elementos, os elementos diversos no primeiro gênero e o elemento comum no segundo podem variar três vezes”.
Assim, conforme a teoria tradicional há conexão de causas quando alguns dos seus elementos constitutivos são idênticos e os outros diversos .
Partindo da doutrina de Pescatore, Mattirolo sustentou que as relações entre as causas são de três espécies: a identidade (causa de pedir, pedido e partes iguais), a diversidade (os três elementos constitutivos diferentes) e a analogia (alguns elementos constitutivos idênticos e outros diversos). Na concepção do citado jurista, para que haja a reunião das causas, além da analogia, é preciso analisar a própria finalidade do instituto, que é garantir julgamentos uniformes, poupando as energias processuais.A terminologia empregada por Matirollo sofreu diversas críticas, pois a acepção analogia dava azo a diversas confusões, não sendo a mais adequada para individuar o instituto.Influenciado pela teoria tradicional de Pescatore, o legislador pátrio adotou-a no artigo 103, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2005, p. 330), que prevê: “reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhe for comum o objeto ou a causa de pedir”.O Código brasileiro incorporou a teoria clássica com algumas nuances, pois levou em conta, apenas, os elementos objetivos da demanda – pedido e causa de pedir – para a configuração legal da conexidade.
Essa opção legislativa foi muito criticada, como se verá minuciosamente mais adiante, pois não abarca todos os casos de conexão e deixa de explicar algumas situações mais complexas, como é o caso das demandas de despejo e consignação em pagamento.
Buscando preencher as lacunas deixadas pela teoria clássica, Carnelutti encabeçou nova corrente, segundo a qual se deve apurar o conceito de conexão tendo em vista a existência de questões (pontos controvertidos), fugindo da idéia de identidade dos elementos da ação.
Olavo de Oliveira Neto (1994, p.52), valendo-se das lições de Carnelutti, elucida que:
“Essa definição já demonstra um afastamento das idéias veiculadas pela teoria tradicional. Se para aquela, o que importa é a identidade dos elementos da ação, para Carnelutti a essência da conexão reside na existência de questões idênticas entre duas lides diferentes.
As operações lógicas do juiz são, portanto, diversas em ambos os casos. No que toca à teoria tradicional, deve-se identificar e separar os elementos de cada uma das ações, verificando se eles são ou não semelhantes. Constatada a comunhão do elemento haverá conexão. Já no caso da teoria de Carnelutti, deve-se identificar quais são as afirmações contidas nas razões de pretensão e de discussão, atentando para a circunstância delas gerarem ou não dúvidas. Em outras palavras, deve-se identificar quais são as questões de cada uma das lides, reputando-as conexas se elas coincidem”.
Dessa forma, para essa corrente, o que indica a conexão de lides é a existência de dúvidas quanto às razões de fato ou de direito comuns, formuladas pelas partes, na pretensão e na resistência, e não a identidade parcial dos elementos da demanda.
Essa concepção evoluiu o estudo sobre a conexão de causas, mas não a ponto de representar a fórmula científica mais completa sobre a matéria. Tomando-se como base a construção teórica de Carnelutti, buscou Tomás Pará Filho sistematizar a compreensão do tema, surgindo, a partir de então, o que os doutrinadores chamam de teoria materialista. Nas lições de Pará Filho apud Olavo de Oliveira Neto (1994, p.55), as partes levam ao Estado-Juiz, mediante o processo, apenas parcela do conflito de interesses, demarcado pelo pedido do autor e pela resposta do réu.Ora, pode ocorrer que em relação à outra fração do conflito exista mais de um processo: estaríamos, assim, diante de uma situação na qual um mesmo conflito teria o condão de gerar diversos processos. (OLIVEIRA NETO, 1994, p.55). Assim, autor e réu, então, delimitam, por meio do processo judicial (que serve de veículo), as partes da lide que pretendem sejam solucionadas, tendo cada uma delas autonomia suficiente para gerar inúmeros processos; fica relegada à conveniência dos sujeitos do conflito (autor e réu) a possibilidade de deduzi-lo em juízo através de um único processo ou de vários, cada um versando sobre a mesma relação de direito material, só que com enfoques distintos . Nessa linha de argumentação, se diversos feitos forem frutos de um mesmo conflito de interesses, ou seja, de uma relação de direito material comum, por imperativo lógico, as questões deveriam ser resolvidas de maneira uniforme, pois decorrem dos mesmos fatos. (OLIVEIRA NETO, 1994, p.55). Nesse diapasão, Sandro Gilbert Martins (2002, p.119) citando Tomás Pará Filho, ensina que:
“Nesse passo, concebe-se a idéia de conexão como algo que liga, pelo fio de questões idênticas, ou comuns, lides diferentes. O conceito desborda, destarte, dos equívocos e estreitos limites da teoria tradicional. Não mais se busca a conexão pela identidade parcial dos elementos constitutivos das ações. O que se deve pesquisar, remontando à origem ou ao fim próprio de cada relação jurídica, é o elemento genético, ou finalístico, a que a mesma relação se prende, para discernir se há fatos comuns, causais ou finalísticos. Se a origem ou o fim das relações jurídicas repousar num fato único, ou em fatos iguais por inteiro, ou parcialmente idênticos, ou correspondentes, aí despontará, em maior ou menor grau, o vínculo de conexão; e, à evidência, projetará efeitos processuais”.
Ainda utilizando-se do pensamento de Pará Filho, Sandro Gilbert Martins (2002, p.120) arremata:
“A conexidade, portanto, exprime relação entre ações distintas, caracterizada pela origem comum ou pelo fim, equivalente ou semelhante, dos direitos afirmados, cujo critério identificador é o critério material, pois por via dele, se cotejam em sua origem e nos fins mirados, direitos vinculados aos mesmos fatos, ou às mesmas relações jurídicas”. Nesse diapasão, a relação de conexidade é um fato pré-processual , pois nasce antes e fora do processo, em meio a uma relação de direito material, desaguando os seus efeitos (reunião dos processos, entre outros) no âmbito processual, daí a afirmação de inúmeros processualistas no sentido de ser ela um fenômeno processual .
Destarte, não obstante se tratar de instituto que deva ser examinado sob o enfoque do direito material alegado em juízo, a conexidade, acima de tudo, é fenômeno processual, pois faz incidir sobre o processo os seus efeitos: reunião dos feitos, com a modificação da competência relativa; julgamentos uniformes; economia de tempo e dinheiro . (DIDIER JÚNIOR, 2005, p.147).Em apertada síntese, eis as três principais teorias sobre a conexão de causas: a) teoria tradicional (Pescatore) na qual a conexão é vista segundo a identidade de um ou alguns dos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir); b) teoria de Carnelutti segundo a qual a conexão decorre da identidade de questões (pontos controvertidos) levadas pelas partes (pretensão e resistência) ao Estado-Juiz; c) teoria materialista (Pará Filho) que concebe a causa da conexão na identidade da relação de direito material (mesma origem ou mesmo fim).
3 Crítica ao tratamento dispensado a matéria no sistema processual brasileiro Como já dito alhures, o Código de Processo Civil brasileiro optou por sistematizar a aplicação da conexão, criando conceito “adaptável” a todos (quase todos) os casos nos quais ela manifestasse sua magnitude. O conceito legal está insculpido no artigo 103, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2005, p.330), vazado nos seguintes termos: “Reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhe for comum o objeto ou a causa de pedir”. Decalcado nos moldes da teoria tradicional de Pescatore, o conceito de conexão definido pelo legislador pátrio tem sido alvo de severas críticas por parte da jurisprudência e doutrina brasileiras. Isto porque, a definição de conexão, vista sob o aspecto da identidade parcial de alguns dos elementos da ação, não se presta a atender todas as hipóteses em que se verifica este fenômeno processual. Cinge-se, tão-somente, a resolver casos mais simples, de fácil constatação, deixando descoberto um sem número de questões que reclamam uma solução adequada, condizente com os princípios que norteiam o ordenamento jurídico.Nesse passo, vale trazer à baila as lições de Celso Agrícola Barbi (2002, p.348) que, apesar de aceitar a definição legal de conexão, reconhece a sua insuficiência face aos casos mais complexos, nestes termos:
“A afirmação contida no artigo não é errada, porque, realmente, segundo a doutrina dominante, as causas que tiverem aquelas características são conexas. A falha da lei está em que a hipótese prevista é apenas uma, entre as várias em que ocorre a conexão”.
Nessa mesma esteira de pensamento Moacyr Amaral Santos (1999, p.260, v.1) elucida que “na doutrina de Pescatore não se acha toda a teoria de conexão. Ainda haverá outras hipóteses de conexão, mas que não estão suficientemente sistematizadas para serem expostas num breve curso de processo”.
Ainda o entendimento de Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2003, p.66), para quem do esquema fornecido pelo Código de Processo Civil brasileiro, exsurgem problemas relativos à conexão de causas, que a prática revela. O referido autor sustenta uma exegese liberal do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), defendendo uma interpretação sistemática, que leve em conta os dispositivos esparsos no Diploma Processual, como é o caso dos artigos 46 (BRASIL, 2005, p.328), 315 (BRASIL, 2005, p. 342), e outros espalhados pela Lei processual.No mesmo sentido, ademais, Rosalina P. C. Rodrigues Pereira (2001, p.36), José Carlos Barbosa Moreira (1979, p. 126), Fredie Didier Júnior (2005, p.144), Olavo de Oliveira Neto (1994, p.61), entre outros. Também admitindo a insuficiência do conceito tradicional (legal) de conexão alguns excertos jurisprudenciais, in verbis:
“Como alinhado em precedente da corte, não há como escapar a conclusão de que, quando se cuida de reunião de processos, não se poderá ter em conta apenas as hipóteses de conexão, como definida no artigo 103. Indispensável alargar essa possibilidade. Aceito, pois, que se colocando claramente a possibilidade de decisões logicamente contraditórias, se haja de proceder aquela reunião. (BRASIL, 10/05/2005).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ACOES CIVIL PUBLICA E DE ANULACAO DE ESCRITURA PUBLICA DE DOACAO DE QUOTAS SOCIAIS. NECESSIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO POR CONVENIENCIA E PRUDENCIA. 1.Nem todas as hipóteses de conexão estão elencadas, já que outras podem ser conhecidas sem afronta a lei de processo, sobretudo, quando exigem do julgar prudência e bom senso para que o direito prevaleça como sistema axiológico. 2.O Direito deve visar o concerto total da demanda, e não apenas parte dela, e um dos instrumentos processuais que leva a julgar conjuntamente varias ações e a conexão. Agravo desprovido. (RIO GRANDE DO SUL, 10/05/2005).”
Alguns doutrinadores, diante dessa insuficiência do conceito legal, propugnaram a inteira aplicação da regra do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), criando para tanto critérios outros de interpretação. Busca-se, com isso, preservar a definição da norma legal e ao mesmo tempo suprir as lacunas surgidas por uma conceituação incompleta do instituto, abarcando outras situações mais complexas.
Daí o surgimento de inúmeras classificações sobre conexão adotadas por um sem número de doutrinadores, cada qual empregando, muitas vezes, uma nomenclatura diversa para definir situações análogas, o que torna a matéria ainda mais complicada e desordenada (OLIVEIRA NETO, 1994, p. 62). À guisa de exemplificação, surgem as seguintes terminologias: conexão própria e imprópria; conexão subjetiva e objetiva; conexão recíproca; conexão por prejudicialidade; conexão por acessoriedade; conexão por garantia; conexão por reconvenção (OLIVEIRA NETO, 1994, p.57-61), entre tantas outras, não cabendo nesta sede individuar todas, nem ao menos conceituar cada uma delas, pois seria tarefa árdua demais, fora do âmbito deste trabalho.
Em que pese entendimentos contrários, não se pode admitir a elaboração de inúmeras teses (despistadoras), criadas apenas para deixar intacto o conceito de conexão atribuído pelo legislador brasileiro, mascarando uma definição que é, em verdade, insatisfatória e insuficiente.
Aqui, vale-se da crítica apimentada de Olavo de Oliveira Neto (1994, p.62), que alfineta:
“Ocorre que uma regra deve ser formulada tendo em vista todas as hipóteses que pretende regular e não apenas parte delas, sob pena de ter sua aplicação restrita. Adotar entendimento contrário conduziria, em última análise, à falta de sistematização, delegando ao arbítrio do juiz a identificação das ações conexas”.
Ainda tentando resguardar a definição legal de conexidade, parcela da doutrina interpreta o artigo 103, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2005, p.330), de forma liberal, atribuindo-lhe um enfoque diferente. Tal doutrina vale-se da clássica divergência existente acerca das expressões “identidade” e “comum”, para concluir que não é necessária a identidade total dos elementos da ação, para esta doutrina basta que apenas haja entre alguns dos elementos da ação identidade parcial (semelhança); entendem que quando o legislador utilizou o termo comum no artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), o fez de maneira intencional, justamente para distingui-lo da expressão identidade, que é totalmente diferente.
Encabeça a referida corrente doutrinária, E. D. Moniz de Aragão (1983, p.55), que ensina:
“Para que esta se caracterize é indiferente que os elementos “comuns” sejam ou não, idênticos. Tanto poderá ocorrer identidade entre um, ou dois, deles, como poderá dar-se de serem “comuns”, isto é, semelhantes. A comunhão, ou semelhança, pode levar a identidade parcial. Assim é que são “comuns” as “ações” se uma delas a cauda petendi mediata for a mesma, embora seja diversa a cauda petendi imediata. O mesmo acontecerá se o pedido mediato for idêntico, conquanto o pedido imediato seja diverso. Nesses casos, haverá identidade, em parte, e semelhança ocorrerá quanto ao todo”.
Nesse sentido também a lição de Ovídio Baptista (1998, p.209), vazada nestes termos:
“Uma interpretação mais liberal leva à conclusão de que basta a identidade da causa de pedir remota, isto é, dos fatos, para justificar a conexão que possibilita a reunião de duas causas. A identidade absoluta da causa de pedir, englobando a causa de pedir próxima e a remota, levaria quase sempre a uma inaplicabilidade do dispositivo”.
Humberto Theodoro Júnior (2001, p.161) filia-se a essa corrente, asseverando que:
“Para haver identidade de causas, para efeito de litispendência e coisa julgada, é preciso que a causa petendi seja exatamente a mesma, em toda a sua extensão (causa próxima e causa remota), Mas, para o simples caso de conexão, cujo objetivo é a economia processual e a vedação de decisões contraditórias, basta a coincidência parcial de elementos da causa de pedir, tal como se dá no concurso do despejo por falta de pagamento e a consignação em pagamento, em que apenas a causa remota é igual (locação)”.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery (2004, p.570), adeptos também a esta posição, elucidam com clareza o fenômeno da conexão, nesses dizeres:
“Para existir conexão, basta que a causa de pedir em apenas uma de suas manifestações seja igual nas duas ou mais ações. A igualdade de todos os componentes da causa de pedir (próxima e remota) é exigida para a configuração de litispendência ou coisa julgada, que se caracterizam quando há duas ou mais ações idênticas (CPC 301 §2º). Uma ação só é idêntica à outra se contiverem ambas as mesmas partes, o mesmo pedido (mediato e imediato) e a mesma causa de pedir (próxima e remota)”.
A propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se manifestado, no mais das vezes, neste sentido, conforme se depreende do excerto jurisprudencial abaixo transcrito:”[…] Para caracterizar a conexão (arts. 103 e 106 do CPC), na forma em que está definida em lei, não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto); basta que as ações sejam análogas, semelhantes, visto como o escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes, com prejuízos para o conceito do Judiciário, como Instituição. […] A configuração do instituto da conexão não exige perfeita identidade entre as demandas, senão que, entre elas preexista um liame que as torne passíveis de decisões unificadas. (BRASIL, 10/05/2005)”.
Os arautos desta tese citam para comprová-la o clássico exemplo do elo existente entre uma ação de consignação por falta de pagamento dos aluguéis e a ação de despejo . Para eles, a ação de consignação em pagamento tem como pedido mediato a quitação e como pedido imediato uma providência de natureza declaratória; como causa de pedir próxima o direito que tem o locatário em desonerar-se da obrigação e como causa de pedir remota um contrato de locação. Já a ação de despejo tem como pedido mediato a desocupação do imóvel e como pedido imediato uma providência executiva lato sensu; como causa de pedir próxima o direito de perceber os valores do aluguel associado à inadimplência do devedor e como causa de pedir remota um contrato de locação.
Seguindo a linha de pensamento destes autores, a identidade parcial de um ou alguns dos elementos das ações, neste caso, a causa de pedir remota (contrato de locação) permite sejam reunidas as duas causas (ação de consignação e despejo) para julgamento simultâneo, em razão da conexão existente entre elas. Com certeza esta posição liberal, desgarrada dos moldes da teoria tradicional, mitigou o conteúdo do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), mas não levou em consideração a gênese, a essência, a verdadeira origem do fenômeno da conexidade. Essa origem que se menciona não se acha dentro da teoria tradicional de Pescatore, adotada pela legislação pátria, está antes e fora do processo como já comentado alhures. Ademais, em que pese servir para compreender a relação entre a ação de consignação em pagamento e despejo, tal tese ainda sim se revela vazia, lacunosa diante de situações mais complexas, que só serão solucionadas quando os operadores do direito mudarem de concepção, libertando-se do velho paradigma (teoria tradicional), e passarem a enxergar a conexão de causas com os olhos mirados na teoria materialista.
Nesse passo, Olavo de Oliveira Neto (1994, p.63), em lúcida crítica, alfineta que:
“Os reparos à teoria tradicional não elidem as críticas que lhe são formuladas, devendo ser a concepção de Pescatore abandonada, uma vez que não representa o melhor entendimento que se pode dar à matéria”.
Em verdade, o que justifica a conexão das ações supramencionadas não é o fato de haver identidade parcial dos elementos da ação (mesmo que seja apenas a identidade da causa de pedir remota), mas sim o fato de que ambas remontam uma relação jurídica de direito material comum, ou seja, um mesmo fato. É, pois, o critério material que irá solucionar os casos em que se verifica o fenômeno da conexão, pois, segundo Pará Filho citado na obra de Olavo de Oliveira Neto, “por via dele, se cotejam em sua origem e nos fins mirados, direitos vinculados aos mesmos fatos, ou às mesmas relações jurídicas”.
Nesse diapasão, Olavo de Oliveira Neto (1994, p.64), ao estudar a conexão das ações de consignação em pagamento e despejo à luz da teoria materialista elucida que:
“Realmente, a conexão entre a ação de consignação em pagamento e a de despejo reside no simples aspecto que será decidida a mesma relação jurídica material, embora sob enfoques diferentes. Em ambas ações, o ato do pagamento é que determinará a decisão do juiz: se foi recusado ou se a recusa foi injusta, será procedente a consignação e improcedente o despejo. Caso contrário, a sorte das ações será diametralmente oposta. Como se trata do mesmo fato e, consequentemente uma mesma relação jurídica, não pode o juiz decidi-la de forma diferente, sob pena de ocorrer uma contradição lógica”.
Por tudo o que foi exposto, a teoria materialista é a concepção mais ampla e adequada, pois explica a origem do fenômeno da conexão, estando perfeitamente alinhada à finalidade própria do instituto, qual seja, a de reunir causas análogas, para evitar julgamentos contraditórios, tudo em consonância com o princípio da economia processual (DIDIER JÚNIOR, 2005, p.147).
4 Análise das diversas hipóteses de conexão espalhadas pelo Código de Processo Civil
É possível constatar-se diversas hipóteses de conexão distribuídas ao longo do Código de Processo Civil brasileiro, que não se adstringem ao conteúdo de conexidade esculpido no artigo 103 (BRASIL, 2005, p.330), do citado diploma legal.
É o que se verifica pelo exame do artigo 315, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.342) que admite que o réu reconvenha contra o autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Vê-se de forma cristalina que se trata de nova hipótese de conexão, diversa da do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), tendo em vista que, como bem salienta José Carlos Barbosa Moreira (1979, p.130 e 135), “fundamento da defesa não é ação em que se possam discernir os três elementos clássicos, pois, a rigor, não tem pedido nem causa de pedir”.Ainda, se fossem conceitos idênticos, a disciplina da conexão em sede de reconvenção já estaria sobejamente abarcada pelo teor do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), sendo supérflua a disposição do artigo 315 (BRASIL, 2005, p.342) para o mesmo intento; no entanto, não é curial pensar que há dispositivos supérfluos, despiciendos na Lei (MOREIRA, 1979, p. 134).À guisa de exemplificação, pode-se verificar casos outros de conexão, além daquele do artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), como acontece com o artigo 46 (BRASIL, 2005, p.328), da mesma Lei, que prevê as hipóteses nas quais são cabíveis o litisconsórcio facultativo. O artigo 46, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2005, p.328) estabelece que:
“Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – Entre elas houver comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide;II – Os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato e ou de direito;
III – Entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;
IV – Ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito”.
Conforme se verifica, pela breve leitura do dispositivo em comento, o legislador, ao disciplinar o litisconsórcio facultativo, não se ateve à idéia de conexão segundo a identidade de um ou alguns dos elementos da ação [artigo 103, C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330)], foi bem mais além, adotando as três principais teorias acerca da conexidade. (OLIVEIRA NETO, 1994, p.67).
O inciso I (BRASIL, 2005, p.328) – houver entre elas comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide – retrata os casos nos quais figuram como parte, ativa ou passiva, os condôminos, credores e devedores solidários, compossuidores, entre outros; nessas hipóteses todos são titulares de direitos ou todos assumem obrigações na órbita do direito material (OLIVEIRA NETO, 1994, p.66). Daí a conclusão de Olavo de Oliveira Neto, que assevera:
“[…] então existe uma relação jurídica de direito material comum como fato determinador do litisconsórcio facultativo; embora possa ser ela cindida em vários segmentos. Vêem-se, aí, traços de semelhança entre a hipótese e a teoria da conexão pela relação jurídica de Direito Material”.
Destarte, apesar do legislador pátrio não adotá-la expressamente, a conexão da qual trata esse inciso I, artigo 46, C.P.C. (BRASIL, 2005, p.328), é justificada pela teoria materialista.Já os incisos II (BRASIL, 2005, p.328) – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato e ou de direito e III (BRASIL, 2005, p.328) – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir, que ora se examina, podem ser estudados concomitantemente, já que este abarca também a hipótese contida naquele. Ambos, como se constata, estão em consonância com o artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330), tendo em vista que disciplinam a conexão no âmbito do litisconsórcio facultativo segundo a identidade da causa de pedir ou do pedido.
Por derradeiro o inciso IV (BRASIL, 2005, p.328) – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito – revela resquícios deixados pela teoria da conexão adotada por Carnelutti. Apenas para relembrar, segundo o citado jurista, a conexão decorre da identidade de questões (pontos controvertidos) levadas pelas partes (pretensão e resistência) ao Estado-Juiz. Nessa linha de argumentação, quando o legislador menciona afinidade de questões como causa para justificar a reunião de pessoas em um único pólo da ação, sem dúvida alguma trouxe novamente a noção ventilada pela teoria de Carnelutti.
5 Conclusão
Enfim, tais considerações só levam a reforçar a idéia que se pretende sustentar neste trabalho, qual seja, a de que o conceito legal é insuficiente para solucionar satisfatoriamente os casos de conexão mais complexos. Resta, pois, aos operadores do direito a tarefa de analisarem sistematicamente todos os dispositivos da legislação processual civil brasileira, afastando-se da definição legal (que não é regra, pois possui mais exceções que a própria regra), contida no artigo 103, do C.P.C. (BRASIL, 2005, p.330).