1. O MODELO DE ESTADO REGULADOR1.1 O ESTADO REGULADOR NO BRASIL2. AGÊNCIAS REGULADORAS2.1 A ORIGEM DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO ÂMBITO DO DIREITO COMPARADO2.2 O DESENVOLVIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NOBRASIL
1. O MODELO DE ESTADO REGULADOR
Nas palavras de Marçal (2002, p. 16), o modelo de Estado Regulador consiste em “uma organização institucional que se relaciona às concepções do Estado de Direito”. Todavia, para que se entenda como o Modelo Regulatório se transformou em uma organização tão ligada à idéia de legalidade, é importante observar como esse modelo se desenvolveu no plano mundial; de forma que possa analisar como a figura estatal se posicionou frente aos interesses econômicos e sociais em diferentes épocas.
Deste modo, para entender como o Estado, de agente executor, passou a ser agente regulador, deve-se partir, primeiramente, da idéia do Estado Moderno, século XVIII, mais especificamente, da Teoria do Liberalismo Econômico, onde o Estado quedava-se inerte às relações sociais, agindo somente como sujeito passivo das relações econômicas e sempre na defesa da classe burguesa; a figura estatal apresentava-se omissa às realidades sociais. José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 749), discorrendo sobre o assunto afirma que:
(…) por essa doutrina que, diga-se de passagem, atendia aos interesses da burguesia que passava a dominante, cada indivíduo deve ter liberdade de promover seus interesses, porque ninguém melhor que ele para avaliá-los. Ao Estado não caberia a interferência nem a regulação da economia; limitava-se apenas a uma postura de mero observador da organização processada pelos indivíduos. O laissez faire, laissez passer dava bem a idéia da passividade do Estado diante dos fenômenos econômicos e sociais.
No mesmo sentido, entende Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 47) ser este modelo estatal “um novo sistema político e econômico afinado com a liberdade no desempenho das atividades econômicas”. No entanto, sempre em nome e na defesa dos interesses de apenas uma classe.
De fato, torna-se claro que o Estado Liberal foi fruto da consolidação do crescimento econômico da burguesia. Tal opinião é também compartilhada pelo professor Paulo Bonavides (2004, p. 29) ao narrar que “no Estado burguês, a motivação da atuação pública era dar aos governantes os fundos necessários para que alcançassem os fins particulares seus e/ou da classe burguesa governante (única eleitora), não havia um fim estatal típico e permanente voltado para a sociedade como um todo”.
Contudo, o modelo do Estado liberal veio a decair por conta das grandes desigualdades sócio-econômicas que causava, por conta da ampla autonomia dada apenas a um certo grupo de pessoas. José dos S. C. Filho (2004, p. 750) narra de forma bastante clara tal declínio. Vejamos:
A pretensa liberdade na ordem econômica conferida pelo Estado aos indivíduos surtiu efeito contrário, revelando-se na forma de alcançar o abismo entre as classes sociais e tornando o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais abastado. A liberdade para as classes desfavorecidas transformando-se em escravidão. Definitivamente, o Estado não podia ficar indiferente ao crescimento das desigualdades sociais.
Com tudo isso, foi indispensável a criação de um novo modelo de Estado que atendesse ao anseios das classes esquecidas; um governo que ouvisse o resto da sociedade, pondo um fim a todos seus inconformismos. Era o Estado do Bem Estar Social, onde o Estado passa a se preocupar não só com a manutenção da economia, mas, sobretudo, com as relações sociais como um todo, abrangendo todos os indivíduos. Destarte, o ente estatal, no modelo do Bem Estar, começou a assumir a assumir a função ordenadora não só em relação ao fator econômico mas também relacionado à sociedade. Aí, como diz Marçal Justen (2002, p. 17), “o Estado e o Direito buscam (têm de buscar) a promoção da dignidade da pessoa humana. Esses ideais políticos conduziram ao florescimento e ideais de ativismo e intervencionismo estatal”.
Desse modo, para garantir com efetividade os direitos econômicos e sociais o Estado começou a exercer uma função intervencionista, deixando de lado a idéia de Estado mínimo ou, melhor dizendo, sua omissão e impassibilidade frente às situações existentes. Assim observa José dos S. C. Filho (2004, p. 750) que “o Estado saía de sua posição de indiferença para uma posição atuante e fiscalizadora e, o que é mais importante, uma postura compatível com os reclamos invocados pela própria sociedade. Do modo liberal o Estado passou a adotar o modelo interventivo”. Ademais, afirma também que, “o intervencionismo compreende um sistema em que o interesse público sobreleva em relação ao regime econômico capitalista”.
O Governo, de forma direta, através de suas estruturas, procura instituir uma eqüidade na distribuição das riquezas e garantir melhores condições de vidas para todas as categorias sociais, principalmente, à classe menos favorecidas. No entendimento de Marçal Justen (2002, p. 17), “o Estado transformou-se em prestador de serviços e em empresário. Invadiu searas antes reputadas próprias da iniciativa privada, desbravou novos setores comerciais e industriais, remodelou o mercado e comandou a renovação das estruturas sociais e econômicas”.
Porém, este novo sistema político de intervenção estatal acabou por se revelar em uma via de mão dupla, visto que tais atitudes contribuíram para sua própria inviabilização. Podemos ver de forma precisa, nas palavras de Marçal (2002, p. 19), alguns motivos que levaram a essa impossibilidade.A multiplicação da população e a redução da eficiência das atividades desempenhadas diretamente pelo Estado contribuíram decisivamente para o fenômeno denominado “crise fiscal”. A expressão passou a ser utilizada para indicar a situação de insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigações assumidas e do desenvolvimento de projetos mais ambiciosos.
Nesse novo panorama administrativo do Estado, Alexandre de Moraes (2002, p. 18) destaca que: “A insatisfação com a ineficiência do Estado contemporâneo, sobrecarregado na execução de obras e serviços públicos, acarretou uma reforma de mentalidade administrativa com a ocorrência de diversas privatizações, sempre com a finalidade de descentralização dos serviços públicos”.
Desse modo, o Estado não tinha mais verbas para manter serviços tidos como essenciais para o interesse coletivo. Assim, com toda essa falta de orçamento público para a consagração dos deveres assumidos e, conseqüentemente, com a decadência das estruturas e serviços estatais surgiu a necessidade da criação de um novo modelo de Estado, que através de funções reguladoras pudesse assegurar os interesses do bem-estar da coletividade. Com isso, surgiu o modelo do Estado Regulador, modelo este que o Estado não atua mais de forma ativa na execução de alguns serviços públicos, mas apenas atua regulando essas atividades que passaram para o setor privado. José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 754-755) diz que o Estado na posição de regulador “cria normas, estabelece restrição e faz um diagnóstico social da condição econômica”; afirma também, que o Estado sob este ângulo se comporta como “um fiscal da ordem econômica organizada pelos particulares”. Contribui com esse raciocínio Alexandre S. de Aragão (2004, p. 37) ao observar que:(…) a regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas pela quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.
Assim, foi preciso o aparecimento de entes reguladores que pudessem servir de instrumento do Estado para exercer sua atividade fiscalizadora dos serviços públicos que agora eram praticados pelo particular. Surgem então as Agências Reguladoras, que são entes administrativos através dos quais o Poder Público exerce o controle e regulação de certos serviços que foram delegados, na forma do artigo 175, da Constituição de 1988, à atividade privada.
1.1 O ESTADO REGULADOR NO BRASIL
No caso do Brasil, a inserção a nova estrutura de Estado Regulador, ocorreu por volta da última década do século XX, vale dizer, nos anos 90. Nesse modelo, o Estado passa a exercer uma atividade fiscalizadora e não mais executora de alguns serviços públicos, que passaram às mãos do particular. Observa-se que essa nova estrutura estatal situa-se entre outras duas, quais sejam: a do Estado Liberal, na qual apresenta o Estado Mínimo, protetor das liberdades e a do Estado Social, na qual apresenta o Estado como promotor dos benefícios sociais e econômicos. Essa nova estrutura de governo deixa de lado o modelo intervencionista, onde o Estado fechava o setor econômico às iniciativas de capitais, tanto interno quanto externo e atuava como Estado operador e passa a entrar em um novo modelo de Estado, o Regulador, no qual atua controlando e fiscalizando serviço público prestado por particular.
Tratando da matéria, Maria DAssunção Costa Menezello (2002, p. 24) observa que:
Os acontecimentos das últimas décadas, no entanto, evidenciaram o esgotamento desse modelo e, nos últimos anos, na década de 60, um dos assuntos mais discutidos tem sido o modus operandi de retirar o Estado prestador para valorizar o Estado regulador. Mais ainda, o acentuado comércio de bens e serviços internacional que recebe a denominação de globalização veio provocar acalorados debates sobre a conveniência dessa internacionalização da economia e seus resultados para os países com menor força política na comunidade internacional.
Este novo sistema estatal traz, como principais instrumentos, as Agências Reguladoras. Aí, o Poder Público delega a execução de algumas atividades públicas, que antes eram de sua exclusiva função, para a iniciativa privada. Como destaca Alexandre de Moraes (2002, p. 20), “o Direito brasileiro incorporou, principalmente do Direito norte-americano, a idéia de descentralização administrativa na prestação dos serviços públicos e conseqüentemente gerenciamento e fiscalização pelas Agências Reguladoras”.
O processo de desestatização resultou de uma longa evolução histórica, tanto no aspecto econômico como social. A esse respeito afirma Maria DAssunção C. Menezello (2002, p. 43) que “finalizou-se a época do Estado Polivalente, o qual prestava o serviço e também fiscalizava a si próprio. As decisões sobre o modo de conduzir a economia estão inseridas dentro do contexto social de atendimento ao interesse público”.
A evolução estatal teve como principal motivo a incapacidade do Estado Brasileiro de investir sozinho nas entidades públicas, a fim de que essas pudessem oferecer serviços eficientes e de qualidade à população. Deste modo, o País não conseguia desenvolver sua economia em índices satisfatórios. Percebe-se que em meados dos anos 80, com o modelo intervencionista, onde o Poder Público passou a atuar ativamente regulando a esfera econômica, a dívida estatal ocupava números exorbitantes. Assim, com essa falta de verbas, o Estado não conseguia mais investir em áreas tidas como essenciais para a população.
De tal modo, com o objetivo de proporcionar um maior desenvolvimento sócio-econômico ao País, bem como diminuir a dívida pública, foi preciso o advento de uma nova estrutura estatal distinta da anterior. Era o chamado Estado Regulador Brasileiro. Nessa nova fase, o Estado Brasileiro deixa de atuar na execução das atividades econômicas, passando a desempenhar atividade de caráter fiscalizador. Esta atividade é prevista no artigo 174, da Constituição Federal, na medida que essa fixa regras disciplinadoras da ordem econômica, a fim de ajustá-la aos interesses sociais. A esse respeito José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 755) observa que o “Estado Regulador é aquele que, através de regime interpretativo, se incumbe de estabelecer as regras disciplinadoras da ordem econômica sem o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça social”. A desestatização retirou do Ente Estatal as tarefas executoras atribuindo-lhe a regulação e a fiscalização, ou seja, controlar sem operar serviços públicos essenciais à coletividade que passam agora às mãos do particular.
Esse processo de desregulamentação vivido no Brasil foi instituído principalmente pelas formas de delegação da prestação dos serviços públicos. Neste contexto, Helly Lopes Meireles (2000, p. 350) observa que:
(…) delegação é utilizado para o traspasse da execução de serviços a particulares, mediante regulamentação e controle do Poder Público. A delegação é essencial para a legalidade da prestação do serviço por parte do particular, sob pena de se tornar “clandestino”, isto é, sem a indispensável regulamentação e controle público.
A delegação dos serviços públicos poderá ser feita através das concessões, permissões ou autorizações, com o fundamento de inteirar a falta de investimento do Poder Público. Orçamento esse tão vital para que os serviços sejam prestados com a devida eficiência e agilidade à população. Nesse contexto surge como íncones indispensáveis as Agências Reguladoras, que agem como um longa manus do Poder Público, já que atuam em setores da responsabilidade estatal, desempenhando funções típicas do Estado. Como salienta Alexandre de Moraes (2002, p. 25), “as Agências Reguladoras estão sendo criadas para realizar as tradicionais atribuições da Administração Direta, na qualidade de Poder Público concedente, nas concessões, permissões e autorizações de serviços públicos”.
É importante notar as considerações feitas por José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 756) quando observa que o Estado, na figura de agente regulador “não deixa sua posição interventiva. A intervenção neste caso se verifica através das imposições normativas destinadas principalmente aos particulares, bem como de mecanismos jurídicos preventivos e repressivos para coibir eventuais condutas abusivas”. Sobre as funções próprias do Estado desempenhadas pelas Agências Reguladoras, Maria DAssunção C. Menezello (2002, p. 57) esclarece que compreendem “as funções do Estado Regulador e fiscalizador dos serviços públicos e da atividades reguladas, a fim de ordenar complementarmente a atuação dos particulares na execução das delegações ou outorgas realizadas pelo Poder Público”.
Necessário ressaltar que a modalidade de concessão dos serviços públicos é a forma mais utilizada pelas Agências Reguladoras – um dos objetos em apreço dessa monografia. Nessa modalidade o Estado apenas transfere a prestação desses serviços, mantendo sua titularidade. Afirma Helly Lopes (2000, p. 351) que “pela concessão o poder concedente não transfere propriedade alguma ao concessionário”.
Como dito, o Modelo Regulador tem como principal mecanismo de atuação as chamadas Agências Reguladoras pois o Estado apenas atua na regulamentação, no controle e na fiscalização dos serviços públicos que foram delegados à execução pelo particular. No entanto, tal tema só será aprofundado no próximo tópico dessa monografia.
2. AGÊNCIAS REGULADORAS
Como visto no ponto anterior, as Agências Reguladoras foram criadas especialmente para atender a uma nova ordem de Governo, ordem essa, que pretende delegar para os particulares a prestação de alguns serviços públicos de responsabilidade do Poder Público. Daí surgiram, sob forma de autarquias especiais, as denominadas Agências Reguladoras. Sobre isso Maria DAssunção Costa Menezello (2002, p. 58) escreve que:
Esse ente, introduzido no ordenamento jurídico com especial status, certamente será um agente importante na nova dimensão que se deseja para a atuação do Estado brasileiro, ou seja, um Estado com menos participação direta e mais atuação regulatória nos setores reconhecidamente de elevado interesse público.
O aparecimento das Agências Reguladoras ocorreu, de maneira especial, com o principal objetivo de fiscalizar a execução dos serviços públicos realizados pela iniciativa privada, bem como a atuação desses particulares, de modo que confira se há um certo ajustamento entre as atividades praticadas e o fim preestabelecido pelo ente estatal. Edimur Ferreira de Faria (2004, p. 46) define as Agências Reguladoras de forma bastante clara:
(…) entidade de direito público, criada por lei específica, destinada a regular a prestação de determinado serviço público e a fiscalizar as delegatárias da prestação dos mesmos, com vistas à obtenção, pelos usuários, do serviço adequado, continuado e em condições módicas, além de estabelecer metas a serem cumpridas no tempo e no espaço.
Essas Agências são autarquias especiais pois apresentam privilégios especiais que a lei prevê para a execução das atividades que lhes foram outorgadas. Com efeito, escreve Maria DAssunção (2002, p. 63) que “com essa natureza jurídica autárquica, essas agências reguladoras devem atuar em nome do Estado, desempenhando as funções típicas de Estado, expedindo comandos normativos obrigatórios, fiscalizando e aplicando sanções administrativas”. Esses entes reguladores pertencem à Administração Pública Indireta e são vinculados ao órgão respectivo da área de atividade para a qual foi criada; por exemplo, a Agência Nacional de Energia Elétrica vincula-se ao Ministério de Minas e Energia.
As Agências Reguladoras, em sua maioria, apesar de serem criadas por leis esparsas, apresentam características comuns, tais como: a) mandato fixo dos seus dirigentes, b) autonomia financeira e, c) competência para edição de normas em matéria de sua área de atuação. Deste modo, elas se revestem de autonomia política, financeira e estrutural.
A autonomia política, caracterizada pelo mandato fixo dos dirigentes das Agências Reguladoras, traz algumas garantias para os usuários e para os agentes regulados de forma que evita a transitoriedade política. Acerca dessa autonomia, afirma Maria DAssunção Costa Menezello (2002, p. 86-87) que não cabe em relação aos dirigentes desses entes reguladores a demissão ad nutum – aquela que se pode demitir livremente em qualquer momento – pelo Presidente da República. A ilustre autora afirma ainda que, não se trata de um privilégio, mas sim de um “requisito essencial para resguardar o princípio da segurança jurídica para os agentes regulados, objetivando maior continuidade nos atos regulatórios”. Sobre a demissão Alexandre de Moraes (2002, p. 28) constata que: “A demissão imotivada do dirigente da Agência Reguladora configurará ilegalidade, sanável judicialmente”. A nomeação dos dirigentes por sua vez, é realizada pelo Chefe do Poder Executivo, porém com aprovação, no âmbito federal, do Senado, conforme previsto no artigo 52, III, “f” da Constituição Federal. Vejamos abaixo a exata transcrição:
Art. 52 – Compete privativamente ao Senado Federal:III – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
Em relação à autonomia financeira é importante observar que seus recursos são provenientes, além de orçamentos governamentais, das taxas de fiscalização e regulação pagas pelos delegatários diretamente às Agências competentes. Dessa forma os recursos não passam para a Administração Direta e, conseqüentemente, as Agências não dependerão de orçamentos públicos para seu custeio, e propicia maior qualidade e eficiência dos serviços públicos prestados pelos delegatários. Essas taxas de regulação têm relação direta com o proveito financeiro obtido com a concessão, permissão ou autorização de serviços públicos; possui um caráter de prestação pecuniária obrigatória e é instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada (tarifas ou preços públicos). Segundo Maria DAssunção (2002, p. 89) essa autonomia consiste na “possibilidade legal de constituir-se em receita da agência a cobrança, dos agentes econômicos regulados, de taxa de fiscalização durante a execução do contrato de concessão ou de parcela das participações governamentais nas atividades petrolíferas”. Sobre essa autonomia financeira Alexandre de Moraes (2002, p. 25-26) afirma que:
A independência financeira deverá ser assegurada pela disponibilidade de recursos humanos e infra-estrutura material fixadas em lei, além da previsão de dotações consignadas no orçamento geral da União, créditos especiais, transferências e repasses que lhe forem conferidos.A competência para edição de atos normativos deverá atender especialmente à finalidade para a qual a Agência Regulamentar foi criada, ou seja, a lei que a instituir fixará o limite de sua competência regulatória. Assim, Alexandre de Moraes (2002, p. 21) ressalta que:
A lei fixará os parâmetros da atuação das Agências Reguladoras – manutenção da centralização governamental –, conferindo suas atribuições administrativas diretamente ligadas à regulação e à fiscalização dos serviços relacionados com os contratos de concessão ou permissão de sua respectiva área, inclusive sobre a fixação de tarifas e a aplicação de penalidades, previamente previstas em lei e mediante procedimento administrativo, garantida a ampla defesa e o devido processo legal, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal (descentralização administrativa).(grifos originais)
Observa-se, neste sentido, que essa maior autonomia e independência atribuída às Agências Reguladoras deve ser conferida segundo normas constitucionais, nos termos dos poderes lá fixados. É o entendimento do professor Marcelo Figueiredo (2005, p.268) ao afirmar que:
Qualquer interpretação acerca do grau de autonomia desta ou daquela agência somente poderá advir do texto constitucional. Em matéria de competência dos órgãos da soberania, não há lugar para interpretações análogas, extensivas, ou inferências hermenêuticas subjetivas.
De tal modo, escreve Maria DAssunção Costa Menezello (2002, p. 65) que “as competências atribuídas às agências reguladoras são apenas aquelas constantes da legislação”. Afirma ainda que esses limites legais “integram os preceitos determinantes do Estado Democrático de Direito, onde a autoridade pública só é dado fazer o que a lei permite”.
Alguns poderes próprios da Administração Direta são também extensivos a esses entes reguladores. No entendimento do mestre Helly Lopes Meireles (2000, p. 370) essas autarquias especiais “executam serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis dos mesmos controles dos atos constitucionais”. Alguns exemplos desses poderes assumidos pelas Agências são destacados por Maria Sylvia de Pietro (2003, p. 404) como:
(…) os de fixar e alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares, os de encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa concessionária, poder de direção e controle sobre a execução do serviço, poder sancionatório, poder de decretar a caducidade e de fazer a reversão de bens da concessinária ao término da concessão.
As Agências Reguladoras constituem um tema novo no ordenamento jurídico brasileiro, já que começaram a surgir por volta do século XX, mais especificamente na década de 90. No entanto, as referidas Agências já são consolidadas há mais tempo no direito comparado, nas quais encontram sua origem no regime norte-americano, com as chamadas independent agencies. Assunto que será visto nos próximos subtítulos.
2.1 A ORIGEM DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO ÂMBITO DO DIREITO COMPARADO
Muitos países, uns há pouco tempo outros há mais tempo, recorreram a esses entes provindos de certa autonomia frente ao Poder Executivo. A ocorrência nos países do ocidente de órgãos especiais, que apresentam competência para a atividade de serviços essências, denominados de agências reguladoras independentes, denota a existência do Modelo Regulatório de Estado. Somente a partir da década de 70 é que esses entes foram aparecer nos países europeus, com a denominação de autoridades administrativas independentes.
A tradição européia se próxima mais do Direito Público Brasileiro, relevantemente observado por Odete Medauar (1999, p. 83) ao afirmar que “na França existem as autoridades administrativas independentes, podendo-se notar que a expressão idêntica se encontra no art. 9º da Lei 9.472, de 16.07.1997, que institui a Agência Reguladora de Telecomunicações”. A mesma advertência é feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 399), ao lembrar que,
Enquanto no sistema europeu-continental, em que se inspirou o direito brasileiro, a Administração Pública tem uma organização complexa, que compreende uma série de órgãos que integram a Administração Direta e entidades que compõem a Administração Indireta, nos Estados Unidos toda a organização adminstrativa se resume em agências (vocábulo sinônimo de ente administrativo, em nosso direito). (grifos originais)
A autonomia desses entes reguladores demonstra seu afastamento do Poder Executivo e Legislativo e a natureza de seus poderes que exigiam autonomia e independência. É através do estudo do Direito Comparado que podemos ver a existência de aspectos variados das Agências Reguladoras, já que cada agência tem a estrutura, a função e o regime jurídico próprio, isso em decorrência da variedade de modelos existentes em diversos países.
De fato, foi na Inglaterra, em 1834, provindo do Parlamento, que surgiram figuras autônomas a fim de materializar medidas estabelecidas em lei. Desse modo, em cada lei que criasse um assunto de gravidade à ordem social e econômica, essas figuras também eram criadas para que pudessem aplicar a lei. Através da influência inglesa, nos Estados Unidos, em 1887, com a Interstate Commerce Comission, nasceram as chamadas agencies, que serviam para a regulação de atividades, imposição de deveres e aplicação de sanções. No contexto norte-americano, as Agências Reguladoras independentes surgiram sob a inexistência de uma estrutura legislativa única, fato este relevante para que tenha sido os EUA o berço das Agências Reguladoras. Explica tal fato Alexandre S. de Aragão (2004, p. 226) ao afirmar que “os EUA sempre tiveram uma perspectiva liberal e não-estatizante”. Corrobora com esse entendimento as palavras de Marçal Justen Filho (2002, p. 60) ao afirmar que:
Não existe, nos EUA, uma regulação geral e abstrata acerca da estruturação das agências. Isso significa que cada agência subordina-se ao regime jurídico previsto na lei que a instituiu, propiciando variações no âmbito federal e estadual.
As Agências Reguladoras compõem o alicerce do Direito Administrativo norte-americano, onde o ordenamento jurídico se deu em torno da atividade regulatória que essas agências desempenhavam. Desse entendimento compartilha Di Pietro (2003, p. 399) ao entender que essas entidades foram se multiplicando de tal forma que hoje o Direito Administrativo norte-americano é praticamente confundido com o “direito das agências”.
Neste sentido, observa-se que a origem das Agências Reguladoras foi fruto da importação de um processo sócio-cultural estrangeiro. No entanto, mesmo tendo o Direito Pátrio importado este instituto regulador, o mesmo foi amoldado à nossa realidade social, através das características que a ordem jurídica nacional lhe impuseram.
Faz-se mister trazer aqui as palavras de Marçal Justen Filho (2002, p. 286) para que “nenhuma importação de instituto jurídico estrangeiro pode fazer-se sem a adaptação à características essenciais locais”. Esclarece ainda que “sob o ponto de vista jurídico, isso significa a necessidade de adequar o instituto estrangeiro ao perfil fundamental da ordem jurídica pátria, especialmente sob o ponto de vista constitucional”. Por isso, Maria DAssunção C. Menezello (2002, p. 59-60) escreve que, no caso das Agências Reguladoras brasileira, “não houve importação pura e simples de um instituto, mas a adequação de um modelo que tem funcionado bem um muitos países ao ordenamento brasileiro, revitalizando nossa autarquia para aperfeiçoamento da máquina estatal”.
2.2 O DESENVOLVIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL
As Agências Regulares são consideradas um instituto novo no Direito Pátrio, surgindo, como já mencionado, a partir da segunda metade dos anos 90, no processo de desestatização do Estado brasileiro quanto à prestação direta de alguns serviços públicos. Assim, diferentemente, do ocorrido no Direito norte-americano, as Agências Reguladoras entre nós se individualizam através de um bojo de competências semelhantes, o que leva a considerar-se ter havido criação de um regime jurídico autônomo.
Se dúvidas essa autonomia, concedida às Agências Reguladoras, é de extrema importância a fim de que esses entes possam exercer suas funções de forma célere e eficiente e sempre respeitando as normas previstas no ordenamento jurídico, já que o que sempre estará em vista é o interesse coletivo à luz, dentre outros, do princípio da legalidade, norteador de toda a Administração Pública. Vejamos algumas palavras de Maria DAssunção Costa Menezello (2002, p. 20) sobre as Agências Reguladoras na ordem jurídica brasileira.
O surgimento das agências reguladoras em nossa estrutura legal deve-se a uma adequação às tendências mundiais que caminham no sentido de implantar o denominado Estado Mínimo, o qual não presta mais serviços para repassá-lo à iniciativa privada por meio de contratos que detêm o poder de regular com a finalidade de alcançar a eficiência administrativa, permitindo maior atuação dos agentes econômicos e dos usuários na prestação dos serviços públicos e na fiscalização das atividades econômicas de interesse público, retirando do Estado sua execução direta.
Antes do processo de desestatização, já existia no país alguns órgãos exercendo uma função reguladora, nos quais se destacam o Banco Central do Brasil, o Conselho Monetário Nacional, a Comissão de Valores Mobiliários e o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), feita essencialmente através de funções controladoras e fiscalizadoras.
Hoje se observa um crescimento na criação desses entes reguladores, tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual, sendo constituídos com o fim de regular as atividades transferidas, nos termos legais, ao particular, seja a título de concessão, permissão ou autorização, pela União, pelos Estados ou pelos Municípios, a fim de ajustá-las aos interesses regionais e locais e aquele referente às atividades pertencente ao interesse nacional.
As Agências Reguladoras brasileiras apresentam alguns aspectos comuns, e Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 437) observa com nitidez que:
(…) devem obedecer aos seguintes princípios setoriais, necessários para assegurar sua independência funcional e a cabal satisfação de suas respectivas missões:
1º) independência política dos dirigentes, a serem nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, mas sob a aprovação do Poder Legislativo, com mandatos estáveis, durante um prazo determinado, e preferentemente defasado dos períodos dos mandatos políticos do Executivo;2º) independência técnico decisonal, com predomínio da discricionariedade técnica sobre a discricionariedade político-administrativa e sem recurso hierárquico impróprio de suas decisões para o Poder Executivo;3º) independência normativa, necessária para a disciplina autônoma dos serviços públicos e das atividades econômicas submetidas à sua regulação e controle;4º) independência gerencial, orçamentária e financeira, preferentemente ampliada por meio de contratos de gestão (acordos de programa) celebrados com o órgão supervisor da Administração Direta.
O passo marcante quanto às Agências Reguladoras foi a Lei nº 8.987/95, também conhecida como Estatuto das Concessões. Essa lei proporcionou ao Poder Público um instrumento que permitisse a elevação da qualidade dos serviços públicos utilizados pela população, gerando investimentos ao setor econômico e proporcionando o atendimento dos interesses da sociedade. Essa lei delega aos entes privados a possibilidade de explorar atividade essencialmente pública – o serviço público – regulando a execução da atividade que até então era exercida exclusivamente por seu único titular, o Estado.
A Lei de Concessões protege os usuários dos serviços públicos, atribuindo-lhes o direito de requerer do Poder Público e da concessionária/permissionária informações na defesa de seus interesses, o direito de denunciar as irregularidades que venha a tomar ciência, o de formar Comissões e Conselhos para a fiscalização dos serviços prestados e a possibilidade das Agências compor matérias controvertidas.
Em período relativamente curto foram criadas no país três Agências Reguladoras: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (com a Lei nº 9.427/1996), a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações (com a Lei nº 9.472/1997), e a ANP – Agência Nacional de Petróleo (com a Lei nº 9.478/1997). Após a criação dessas Agências outras se sucederam e entre essas se destacam, a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei nº 9.782/1999), a ANS – Agência Nacional de Saúde Complementar (Lei nº 9.961/2000) e a ANA – Agência Nacional de Águas (Lei nº 9.984/2000).
Vale repetir que, cada uma dessas Autarquias especiais, além das características comuns, apresentam características próprias decorrentes da sua área de atuação. Veremos alguns aspectos das Agências que se mostram relevantes a esta monografia.
A ANEEL foi instituída a fim de regular e fiscalizar a proteção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica no País, sempre em conformidade com as diretrizes previstas pelo Governo Federal (artigo 2º, da Lei nº 9.427/96). Esta Agência é vinculada ao Ministério de Minas e Energia e tem por função a realização de licitações, que através de concessão ou permissão, possa transmitir a prestação dos serviços de energia elétrica, desde da produção até a distribuição desta, acompanhará a execução desses serviços transmitidos e resolverá, por via administrativa, conflitos entre os concessionários e os permissionários e também as divergências entre esses e os usuários dos serviços. A Diretoria da ANEEL é composta por um Diretor-Geral e quatro Diretores, que atuam em regime colegiado, com mandato de quatro anos (artigo 5º, da Lei nº 9.427/96). Para Helly Lopes (2000, p. 370) um aspecto próprio é o poder de “declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação ou servidão administrativa, das áreas necessárias aos concessionários, permissionários de autorizados de energia elétrica”.
A ANATEL se vincula ao Ministério das Comunicações, sua direção está nas mãos de um Conselho Diretor que é composto de cinco Conselheiros, que decidem por maioria absoluta (artigo 20, da Lei nº 9.472/97). O mandato é cinco anos (artigo 24, da Lei nº 9.472/97). E, segundo Helly Lopes (2000, p. 370), uma característica especial é a “submissão a regime próprio de licitações”.
A ANP é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, tem por objeto principal implementar a política nacional do petróleo e do gás natural, além de controlar as atividades relacionadas à indústria de petróleo. É dirigida por um Diretor-Geral e quatro Diretores, onde o mandato é de quatro anos (artigo 11, § 3º, da Lei nº 9.478/97).
A ANVISA é diretamente vinculada ao Ministério da Saúde. Tem por objetivo a proteção da saúde da população, através do controle de vigilância sanitária (artigo 6º, da Lei nº 9.782/99). Sua Diretoria é colegiada, com cinco membros, um é o Diretor-Geral e quatro Diretores. O mandato é de três anos (artigo 11, da lei nº 9.782/99).
A ANS tem por objeto fundamental a defesa da assistência suplementar à saúde da coletividade (artigo 3º, da Lei nº 9.961/00). Tem uma função de fator econômico, pois é através dela que ocorrem os reajustes de preços que estimulam a concorrência dos planos privados de saúde. Vincula-se ao Ministério da Saúde; e será administrada por uma Diretoria Colegiada composta por cinco Diretores, por mandato de três anos (artigo 6º, parágrafo único, da lei nº 9.961/00). Segundo Edimur Ferreira de Faria (2004, p. 48) “integram ainda a administração da ANS um Procurador, um Corregedor e um Ouvidor. Como órgão permanente consultivo, um colegiado denominado Câmara de Saúde Complementar”.
A ANA tem suas atividades de controle e regulamentação se dá através de uma harmonização com as demais entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. É subordinada ao Ministério do Meio Ambiente, e será administrada por uma Diretoria Colegiada composta por cinco Diretores, sendo um deles o Diretor-Presidente, os mandatos dos Diretores são de quatro anos (artigo 9º, da lei nº 9.984/00).
Como visto, as Agências Reguladoras, em regra, atuam no papel de concedente de serviços públicos à iniciativa privada; no entanto, sua função principal é exercida posteriormente, ao fiscalizar, regular, controlar e arbitrar conflitos relacionados ao contrato de concessão dos serviços transferidos aos particulares.
Como dito, esses entes reguladores ao editar normas reguladoras atuam dentro dos limites do objeto de cada um, ou melhor dizendo, a lei que os instituíram fixa o limite de sua competência regulatória. Fato discutido na ordem jurídica é o poder normativo das Agências Reguladoras, pois as mesmas, ao exercer as funções de controle e de fiscalização nas atividades econômicas dos serviços públicos exercidos pelo setor privado, editam normas reguladoras – atos administrativos. Vale citar o artigo 175, parágrafo único, da Constituição Federal, que diz:
Art. 175 – Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único – A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
A Constituição não deixou espaço às Agências Reguladoras na edição de normas que não sejam relacionadas aos casos previstos constitucionalmente. Ao discorrer sobre o poder normativo de regulação das Agências Reguladoras, Alexandre de Moraes (2002, p. 20) afirma que esses entes
(…) poderão receber do Poder Legislativo, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, uma delegação para exercer seu poder normativo de regulação, competindo ao Congresso Nacional a fixação das finalidades, dos objetivos básicos e da estrutura das Agências, bem como a fiscalização de suas atividades.
As normas reguladoras das Agências não podem ir de frente com o estabelecido pela lei constitucional. Diz Helly Lopes (2000, p. 370) “naquilo que extravasar desses parâmetros a norma expedida pela agência será inconstitucional”. Nesse entendimento, afirma Edimur Ferreira de Faria (2004, p. 51) que os regulamentos das Agências Reguladoras devem:
(…) estabelecer normas técnicas, regulamentos orientando a prestação de serviços públicos, parâmetros e critérios para a fixação ou revisão de tarifa, metas a serem alcançadas, regras objetivas quanto à qualidade e eficiência dos serviços públicos prestados por particulares ou entidades estatais.
A autonomia e independência das Agências Reguladoras devem ser vista de modo relativo, uma vez que, em relação ao Poder Judiciário, as entidades de regulação estão a mercê do seu controle pois, segundo o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal “a lei não excluirá da apreciação do Poder Público lesão ou ameaça a direito”. Deste modo, qualquer ato praticado pelas Agências Reguladoras que cause lesão ou ameace direito, pode ser apreciado pelo Poder Judiciário. Nesse entendimento escreve a citada Maria DAssunção C. Menezello (2002, p. 65) que:
Elas, as agências, por sua própria natureza autárquica, manifestam-se pela emissão de atos administrativos que têm por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário, tendo em vista o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna de 1988. E essa garantia constitucional alcança também qualquer ameaça a direito, o que significa dizer que os atos que puderem ameaçar direitos que sejam emanados pelas agências reguladoras podem ser objetos de medidas judiciais, a fim de impedir sua efetivação e a conseqüente lesão de direito. (grifos originais)
Paralelo ao controle acima mencionado, também está previsto no artigo 49, X, da Constituição Federal, a competência do Poder Legislativo em fiscalizar e controlar quando se tratar de interferência indevida de um Poder sobre outro. Assim, como já foi observado, as normas reguladoras editadas pelas Agências, como quaisquer normas jurídicas, não podem conflitar com as normas constitucionais, por força do princípio da supremacia constitucional. Por outro lado, a questão do controle externo está diretamente ligada ao exercício dos princípios do Estado Democrático de Direito. Como afirma Maria DAssunção (2002, p. 79) que: “Umas das fórmulas de verificação de quaisquer desses controles externos é realizada por meio da transparência que as decisões da agência devem refletir para que não pairam dúvidas sobre sua legitimidade, razoabilidade e motivação”. Além disso, as Agências Regulares estão sujeitas ao controle na fiscalização contábil, financeira e orçamentária, pelo Tribunal de Contas, para averiguar a legalidade, a legitimidade e a economicidade de seus atos, conforme expressa o artigo 70 da Constituição Federal.Em relação ao Poder Executivo, a independência das Agências Reguladoras é um pouco maior do que em relação aos outros dois Poderes, visto que seus atos não podem ser modificados pelo Poder Executivo; além disso, existe a estabilidade conferida aos Dirigentes. Porém, os entes reguladores não estão totalmente independentes do Executivo, uma vez que ficam sujeitos ao controle e fiscalização do órgão ao qual estão vinculados; ademais, segundo o artigo 84, III, da Constituição Federal “Compete privativamente ao Presidente da República, exercer com auxílio dos Ministérios de Estado, a direção superior da administração federal”.
Neste capítulo, foram analisados fatores que levaram o surgimento e o incremento das Agências Reguladoras, tanto no contexto estrangeiro, quanto no âmbito nacional; além disso, foram expostas algumas características relevantes em relação às estruturas, às autonomias e às funções. No próximo ponto será demonstrado a relação das Agências Reguladoras com o Meio Ambiente e sua responsabilização por eventuais danos ambientais provocados, tema desta nossa monografia.