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Brasil – Estado Democrático?

A democracia brasileira, tida academicamente como uma democracia semi-direta, por ter o poder emanado do povo e exercido diretamente e principalmente pela representação, é um tema a ser refletido e analisado com a devida atenção por todos os cidadãos brasileiros; e de imediato, se faz pertinente uma indagação: Brasil – um Estado Democrático?

Deve se argüir com devida atenção, praticidade, funcionalidade, real finalidade, alcançabilidade. Questionar a pseudo-realidade, ou seja, algo que existe positivado legalmente, – na Constituição Federal, Lei Suprema no ordenamento jurídico – contudo faltando-lhe a materialidade, ou pelo menos a real efetividade.

Antes, se faz mister delinear alguns conceitos academicamente, de suma importância para o tranqüilo discorrimento do assunto.A política. Palavra oriunda do vernáculo grego, ta politika, advinda da polis. Polis, na Grécia, seria a comunidade organizada, já nos dando uma noção de Estado, e proveniente de tal a expressão ta politika, que compreendia o negócio público, dentre eles, costumes, leis, cultura, serviços públicos, enfim, toda a organização da polis. A política seria toda a discussão, planejamento, orientação da res publica, ou seja, da coisa pública. A política é a ciência que enseja a discussão e direcionamento do poder público, visa o método, o caminho de se dar um mínimo de organização necessária e dar o máximo de crescimento, alcance e progresso do bem comum.

A palavra “política” faz menção a um importante ponto, o Poder Político, qual seja ele uma força coordenada capaz de determinar medidas sociais visando o bem comum. Algo oriundo da vida sócio-cultural, que ditará métodos de se alcançar os fins comuns daquela sociedade. E mais que o ato volitivo individual, deve o poder político advir da vontade social. Diz José Afonso da Silva acerca do Poder Político: … três características fundamentais do poder político: unidade, indivisibilidade e indelegabilidade… (SILVA, José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo, pág.107.)Levando em conta o Brasil, um Estado Federado formado pela união indissolúvel dos estados-membros, onde quem é o titular do Poder é o povo, se diz, soberania popular, detém o poder político uno, não havendo sua divisão e nem tampouco a delegação deste poder. O que ocorre no Brasil é a escolha de representantes, que exercerão o poder em nome da coletividade, poder que não sofre divisão potestativa, e sim divisão funcional, quais sejam Executiva, Legislativa e Judiciária.

Diz-se democracia quando o poder político está concentrado na mão do povo, ou seja, prevalece a soberania popular. Democracia é a forma política que visa piamente o bem comum, o poder emana do povo que o exerce em bem próprio, ou seja, a favor da sociedade. A gênese da democracia está na Grécia, o berço da democracia direta, da democracia pura. Na ocasião os cidadãos reuniam-se em praça pública, a Ágora, e ali discutiam todos os problemas da polis, sejam eles políticos, econômicos, sócio-culturais, jurídicos, enfim, todas as questões provenientes da polis. Os cidadãos detinham ali, a soberania e legitimidade executiva, legislativa e judiciária. A polis para os cidadãos gregos era uma extensão de suas vidas, sua realidade exterior. Pode-se tomar como a mais perfeita democracia, e com ela abalizar-se academicamente. Nela se podem perceber todos os princípios básicos democráticos, os quais maiores a igualdade e o civismo, com ressalva a escravidão. O Estado para o homem e o homem para o Estado, a materialização perfeita do estado social, e personificação do zoon politikon de Aristóteles.

A definição lincolniana, é uma das mais perfeitas e geniais acerca da Democracia: …Governo do povo para o povo, pelo povo; Governo que jamais perecerá sobre a face da Terra… (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Pág. 267. Extraído em “Lincoln´s Address at Gettysburg, in Riverside Literature Series” )

O Estado Democrático de Direito, princípio fundamental do Estado Brasileiro, remete aos conceitos anteriormente citados e com a junção de tais, formar o seu conceito, o qual seria uma organização social, onde se tem o poder emanado do povo, que o exerce e o detém soberano, sob o julgo da lei magna, a Constituição Federal e demais leis infraconstitucionais. Democrático refere-se ao Estado, sua forma. Com essa assertiva, denota-se que o principio democrático deve estar presente em qualquer elemento constitutivo do Estado, inclusive no direito que nascerá das necessidades de organização da sociedade civil. Agora, já delineados os conceitos básicos, discutir-se-á com mais clareza a celeuma proposta.

Ao adentrar ao assunto, emerge a primeira questão: O Brasil está sendo realmente um Estado Democrático de Direitos? E como resposta, infelizmente não. O que se percebe é o poder concentrado nas mãos de poucos que ditam ao seu bel-prazer a política nacional. A voz dos cidadãos se vê calada e desmotivada, frente aos abusos e incoerências de seus representantes perante ao Estado. De cara, jogamos por terra os princípios democráticos. Não seria nossa realidade uma Aristocracia?

Presencia-se, a democracia, unicamente no dia da votação. Talvez nem isso, pois jogos manipuladores insistem em ferir a democracia até nesse dia solene. Suborno, medidas fraudulentas, dentre outras, são atitudes corriqueiras das eleições. Logo nesse dia, em que o povo escolhe seus representantes, e vale reforçar, representantes, porque não há a delegação do poder emanado do povo, é apenas escolhido representantes, que exercerão o poder em nome da coletividade.

O Instituto da representatividade está completamente falido. Presenciar brigas por interesses próprios em meio político, faz parte do cotidiano político nacional. O que se vê são grupos, formados estrategicamente, para defesa das vantagens dos representantes, e não vantagens para a sociedade. Onde devia haver uma singularidade, um livre convencimento, a fim de almejar o melhor para sociedade, perduram os “grupinhos” de interesse, que põem por terra convicções ideológicas políticas, que por sinal estão raras, e o pior, põem por terra a confiança neles depositada por seus eleitores. Trocas de cargos, nepotismo, associações, mudança de partido com intuito de vantagens, não são nem ao menos disfarçadas, são escancaradas, presentes todos os dias em jornais.

O povo por sua vez, da sua contribuição para o enfraquecimento democrático, falar de política, no mínimo, é indesejável ou chato. Vive completamente submisso, e sem voz ativa na política. Exerce seu direito a voto por obrigação, e obrigação esta, legal e não consciente. O homem político de Aristóteles, está morto dentro do povo. A consciência política, que devia ser uma máxima de todos, é contemplada em poucos, raridade. Movimentos, agremiações político-sociais, trabalhos de conscientização estão cada vez mais raros. O exercício da política pelos cidadãos é quase nulo. O cidadão brasileiro não considera e nem pensa em considerar o Estado como um prolongamento de sua vida. Nem de longe se podem comparar os nossos cidadãos aos cidadãos gregos, que na Ágora, exerciam seu direito político perante todos.

Contemplamos um círculo vicioso onde o Estado não dá as condições mínimas aos cidadãos, que por sua vez seguem cada dia mais descrentes e desinteressados pelos assuntos políticos, deixando uma lacuna para que seus representantes se fartem do poder. Em um discurso um tanto quanto pessimista, quanto ao homem ser capaz de absorver a democracia, afirmava Rousseau: …Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente… (Rousseau, J-J. O Contrato Social.)Rousseau, com essas palavras demonstra em contra ponto ao seu pessimismo o grau de perfeição da forma democrática. Por isso tem de se perseguir soluções para a efetividade da democracia. A começar pela detecção da raiz do problema, conscientização política, conscientização democrática, transmutação do cidadão “comum” em cidadão efetivamente político. O problema é de fácil compreensão e difícil solução, falência do Estado, falta de idoneidade e retesa em grande parte de nossos representantes, e falta consciência política a maioria dos cidadãos. Um seria como complemento do outro.

Os representantes devem sentir sua responsabilidade, o peso de carregar consigo o futuro de uma coletividade, perceber que em seus ombros carregam o peso de decidir por milhares, cidadãos que confiaram neles o destino de seu Estado. A retidão dos políticos com certeza trará maior interesse dos cidadãos pela política, além de garantir o melhor funcionamento da máquina estatal, dando melhores condições ao povo.

Ao cidadão falta o sentimento de se sentir parte do Estado e detentor do poder, materializando o cidadão político. Com certeza a consciência política do povo, uma maior participação em forma de idéias, vigilância e cobrança da vida pública do Estado. Com essa mentalidade de conscientização, nascerão na sociedade representantes verdadeiros dos cidadãos, pessoas que levarão os problemas e direcionamentos ao Estado perseguindo o seu objetivo maior, o bem comum. Uma maior participação, ainda que não como um representante político, mais como cidadão mesmo, é de suma importância na democracia. O cidadão deve se sentir parte integrante e indispensável do Estado, como dizia Lênin: “O Estado somos nós”.

O Estado deve dar também condições a esta melhoria dos cidadãos. Todas as práticas do Estado devem primar pelo social, devem ser pautadas na presteza e na retidão, perseguirem sempre a plena satisfação das garantias constitucionais.A democracia participativa é a melhor opção, um novo caminho, uma nova democracia. O cidadão deve se conscientizar do seu direito de detentor do poder e pô-lo em prática. Participar, revoltar, protestar, ajudar, são ações que garantirão essa participação para que se possa um dia sonhar o Brasil com aquela democracia grega, e quem sabe uma ainda melhor que aquela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZAMBUJA, Darcy. “Teoria Geral do Estado”. São Paulo: Globo, 1990.

BONAVIDES, Paulo. “Ciência Política”. Malheiros. 10ª Edição CHÂTELET, François. História das Idéias Políticas. Jorge Zahar Editor. 2000.

CHAUÍ, Marilena. “Convite à Filosofia”. São Paulo: Ática, 1995.SILVA, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”. Malheiros, 2003.

ROUSSEAU, J-J. O Contrato Social. Martins Fontes,1999.