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Garantida legitimidade de Associação para defender consumidor

O juiz, o aplicador da lei, não pode deixar de fora da proteção legal a pretensão coletiva que leva ao exame do Judiciário, de uma só vez, os conflitos que envolvem milhares, às vezes milhões de indivíduos, principalmente quando, para isso, apenas se faz necessária uma releitura de alguns conceitos jurídicos. Com esse entendimento, em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto da presidente da Turma, ministra Nancy Andrighi, reformou Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e garantiu à Adcon – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, da Vida e dos Direitos Civis o direito de entrar com ação na Justiça, em nome dos consumidores, para anular várias cláusulas constantes do contrato do cartão de crédito Unibanco, que passou agora a se chamar Unicard.

A decisão da Turma foi tomada no julgamento de recurso especial da Adcon, que não se conformou com o entendimento do TJ gaúcho, de que não teria legitimidade ativa para a defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos, quando se trata, no caso, de pedido não-genérico. A Décima Primeira Câmara Cível do TJ/RS considerou que a associação, na verdade, não está defendendo o direito concreto dos usuários do cartão, mas sim o reconhecimento genérico de um direito que poderá vir a ser exercido, individualmente, pelos usuários do cartão de crédito, no processo de liquidação, ao final da demanda.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, da Vida e dos Direitos Civis, que tem a matriz em São Pedro da Aldeia, no litoral do Rio de Janeiro, entrou na Justiça em Porto Alegre, com uma ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, em nome dos usuários do cartão Unibanco, alegando que os consumidores brasileiros firmam contratos de adesão com a empresa administradora do cartão de crédito, contendo cláusulas manifestamente abusivas, em que são impostas obrigações, aos aderentes, a quem cabe apenas aceitá-las, sem discussões ou modificações, sob pena de não lhes ser fornecido o cartão.

Como exemplo das cláusulas abusivas, citou a cobrança de juros superiores a 12% ao ano, a que autoriza a pós-fixação da taxa de juros, a que autoriza a cobrança de comissão de permanência e de juros sobre juros, o chamado anatocismo. Pediu por isso, a intervenção do Poder Judiciário para revisar os contratos bancários de adesão, declarar a nulidade das cláusulas abusivas e condenar o Cartão Unibanco a restituir em dobro, aos usuários no Rio Grande do Sul, todos os juros cobrados indevidamente, com o estabelecimento de uma multa diária compatível com o porte econômico da empresa.

A sentença deferiu apenas o pedido para obrigar a empresa de cartão de crédito a apresentar nos autos a cópia de todos os documentos padrão que servem de base à contratação firmada com os seus consumidores e a planilha demonstrativa dos juros cobrados nos últimos cinco anos, em valores totais e não individuais, dos usuários de Porto Alegre.

Em razão dessa decisão, a Adcon recorreu para o TJ/RS por meio de agravo de instrumento, pedindo que todos os pedidos de antecipação fossem deferidos. O TJ/RS, no entanto, determinou a extinção do processo, sem julgamento do mérito, por considerar a associação parte ilegítima para deduzir o pedido em nome de todos os usuários gaúchos do cartão de crédito. O Acórdão julgou que não sendo o pedido de condenação genérica, mas individualizado, quanto aos prejuízos causados a cada um dos titulares do cartão Unibanco, se trataria de equivocada pretensão coletiva, desnaturada em sua essência como causa de pedir.

Ao acolher o recurso da Associação, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, argumentou que o TJ/RS de fato tem razão em entender que, num primeiro momento, os interesses individuais homogêneos necessitam de solução idêntica para todo o grupo e, portanto, o pedido deve ser formulado de forma genérica. No entanto, assinalou, da leitura dos pedidos formulados pela Adcon não é possível dizer que todos os pedidos foram formulados sem carga genérica, de forma a impedir que o juiz dê solução ao caso.

Para a ministra Nancy Andrighi, o Código de Processo Civil regula relações individuais, e os interesses individuais homogêneos coletivos e difusos requerem proteção judicial por vezes diferente, porque são interesses de massa que comportam ofensas de massa. Para a relatora, a ética da situação concreta, como o definiu o jurista Miguel Reale, não permite a vinculação à interpretação normativa tradicional. Ao serem ultrapassadas as divisas das relações individuais, muitas regras necessitam de nova carga interpretativa a fim de que possam ser aplicadas ás relações coletivas. E isso é precisamente o que ocorre com a interpretação comumente dada pelo CPC ao chamado pedido genérico.

Assim, para a ministra, porque se trata de ação coletiva e porque a leitura dos pedidos formulados na inicial permite antever carga de generalidade, como por exemplo na parte do pedido que pretende a limitação dos juros a 12% ao ano, cláusula constante do contrato padrão do banco recorrido, é preciso procurar ler, tanto quanto possível, os pedidos articulados como pedidos genéricos. De outra forma, destacou a relatora, estar-se-ia dando à lei processual um alcance e uma envergadura que não tem..

Por tudo isso, acolheu o recurso especial da Adcon, garantindo sua legitimidade processual para prosseguir na demanda, devendo os autos retornarem ao Rio Grande do Sul para que se dê seguimento à ação. O voto da ministra foi acompanhado integralmente pelos ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito. Não participou do julgamento o ministro Humberto Gomes de Barros.