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O imóvel considerado bem de família é impenhorável, mesmo que o proprietário não resida nele

A lei 8.009 de 1990 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

O Código Civil de 2002 dispõe que o bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. (Art. 1.712).

O art. 6º da Constituição Federal estabelece o direito à moradia como sendo um Direito Fundamental do indivíduo em face do Estado.

Também o inciso XXII do artigo 5º da Constituição garante o direito à propriedade e o que lhe segue, inciso XXIII, subordina a propriedade à sua função social, posto que a função social primordial de um imóvel é, sem sombras de dúvida, servir de moradia.

Por conseguinte, o direito à propriedade é garantido pela Carta Magna, em que pese a supremacia do interesse público sobre o individual.

O texto legal citado no início desse trabalho que consagrou o direito à impenhorabilidade do imóvel próprio ou da entidade familiar assevera que os beneficiários da lei têm que ser proprietários e residirem no imóvel.

Entretanto ao se aplicar a norma aos casos concretos encontramos que o fato de o proprietário não residir no imóvel não lhe tira o benefício da impenhorabilidade assegurado. Senão vejamos.

Em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que a locação a terceiros do único imóvel de propriedade da família não afasta o benefício legal da impenhorabilidade do bem, desonerando o imóvel do ônus de penhora, em uma execução fiscal.

Nesse caso concreto o proprietário do imóvel foi considerado, na qualidade de sócio-gerente, coobrigado em uma execução fiscal na qual se cobrava crédito tributário de uma empresa de que participava à época do fato gerador da obrigação tributária de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Como não foi encontrado patrimônio em nome da empresa, operou-se penhora em bem imóvel de sua propriedade que estava locado a terceiros.

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente sob a alegação de que o fato de não residir no imóvel o descaracteriza como impenhorável. Inconformado, ele apelou e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deu parcial provimento entendendo que o objetivo da Lei nº 8.008/90 é garantir a moradia familiar, dando à propriedade privada uma função social.

A Fazenda estadual recorreu ao STJ sustentando que, para que um imóvel não se exponha à penhora, necessário que sirva de residência para o executado. Não basta seja o único imóvel de que tenha a propriedade se o dá em locação, em lugar de nele residir.

Finalmente no STJ, prevaleceu o espírito da lei, pois, para o ministro Franciulli Netto, relator do processo, o objetivo da lei é proteger a entidade familiar e, em hipóteses que tais, a renda proveniente do aluguel pode ser utilizada para a subsistência da família ou mesmo para o pagamento de dívidas. Esse entendimento é o que predomina no âmbito desta egrégia Corte Superior de Justiça, afirmou.

Em outra ocasião, aquele Tribunal anulou a penhora de imóvel considerado bem de família, em que o executado-proprietário nele não residia. In casu ainda que, no único imóvel do executado, residam suas irmãs, ele foi considerado bem de família, sendo, portanto, impenhorável. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proveu recurso e anulou a penhora que havia recaído sobre seu imóvel no curso de uma execução.

Nesse caso concreto julgado pelo STJ, o executado-proprietário não morava no imóvel. O bem era fruto de herança e pertencia ao mutuário e a suas duas irmãs, que atualmente residem no local. Tanto o juiz que proferiu a sentença no primeiro grau quanto o colegiado do TRF 1ª Região, que examinou o caso no segundo grau, entenderam que o imóvel podia ser penhorado por não se tratar de bem de família.

O artigo 1° da Lei nº 8.009/90 explicita o tipo de imóvel que não pode ser penhorado para pagamento de dívida. Mas, ao interpretar esse dispositivo, as instâncias ordinárias concluíram que o imóvel só poderia ser considerado bem de família, portanto impenhorável, se o executado morasse nele. Mas ao examinar a questão no STJ, o ministro Peçanha Martins, que relatou o caso, adotou posição contrária à das instâncias ordinárias. Citando decisões anteriores do Tribunal, o ministro ampliou a interpretação da Lei nº 8.009/90, entendendo não haver necessidade de que o executado resida no imóvel para este ser considerado impenhorável. Segundo o ministro, essa interpretação tem o objetivo de proteger o inadimplente da perda total de seus bens, assegurando, no mínimo, a manutenção do imóvel destinado à residência, ainda que ele não more ali.

No relatório que fundamentou seu voto, o ministro cita precedente do STJ (RESP 182223/SP) no qual o ministro aposentado Luiz Vicente Cernicchiaro defende uma interpretação da Lei nº 8.009/90 que leve em consideração o sentido social do texto. Para ele, essa lei não está dirigida a um número de pessoas, mas à pessoa.Solteira, casada, viúva, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal, escreve o ministro.

Conclui-se, então, que a Corte Superior, ao proferir essas decisões, teve em conta a vontade do legislador ao criar a lei que protege o imóvel, bem de família, afastando de vez o fantasma que rondou por muito tempo famílias de empreendedores que ao irem mal na administração de seus negócios, comprometiam o bem estar inclusive de seus familiares, pois perdiam para os credores todos os seus bens e até ficavam privados da moradia, indispensável a uma vida, no mínimo digna, resguardando, assim, a estabilidade social, imprescindível ao desenvolvimento saudável do cidadão, na preservação dos preceitos constitucionais. Finalizado em: 15/03/2005