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Novas perspectivas do Direito Falimentar

Em tempos prístinos, aquele que devia para outrem, utilizava-se de seu próprio corpo, ou seja, por meio da escravidão, pena corporal (reclusão ou detenção) e até mesmo, a própria vida.

Foi o direito romano, através de um processo evolucionista de regulamentação e codificação, por exemplo, a Lei das XII Tábuas, acabou abolindo este sistema perverso, sendo que no ano 428 a.C. foi totalmente proibido o sistema de execução pessoal do devedor, circunscrevendo-se apenas aos seus bens, ou seja, passou para o aspecto patrimonial.

No direito brasileiro, o diploma atualmente em vigor é o Decreto Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

A falência implica numa fase de crise, a qual requer administração capaz de lidar com as dificuldades, levantando e sanando possíveis irregularidades. Pode dar-se tanto a nível pessoal ou empresarial.

No âmbito pessoal, a lei dispôs que se opera a insolvência “toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor” (CPC, art. 748).

Quando uma pessoa física ou natural, na linguagem do Código Civil, possui um passivo maior que seu ativo, ou seja, mais débitos do que créditos disponíveis, incluindo bens móveis e imóveis.

Deste modo, não vai a falência, mas insolvente, demandando execução por quantia certa contra devedor insolvente, cujo rito procedimental vem previsto no Código de Processo Civil, artigos 748 usque 786-A.

Logo verificamos que a insolvência é um estado de fato, no qual o patrimônio do solvens tornou-se incapaz de saldar suas dívidas. Mas, não se pode olvidar que quando ocorrente o concurso universal de accipiens, através da ação executória adequada – execução por quantia certa contra devedor insolvente – cuja regulamentação foi supra mencionada, instruindo o pedido com título executivo judicial ou extrajudicial (CPC, art. 754).

Ao revés a falência é um estado de direito, sendo condição a soma de certos pressupostos, dentre os quais: a) qualidade de empresário comercial do solvens; b) a sua insolvência; c) a decretação judicial da falência.

Outrossim, “sem título executivo, não há como se requerer, com fundamento no art. 1º da Lei de Falências, a quebra do devedor”. (TJSP – Ap. 271.137-1/1 – 4ª C. Cív. – rel. Des. Barreto Fonseca – j. 30.11.1995)

Assim a insolvência existe a partir da mera constatação do balanço patrimonial de certa pessoa, enquanto que a falência somente estará caracterizada quando for pronunciada pelo juiz competente.

De acordo com Jorge Tarcha : “A falência é, pois, a execução coletiva do devedor comerciante, seja ele individual, seja empresa comercial ou industrial”.

Todavia, a empresa, por possuir uma função social, agora realçada pela nova legislação civil, aberta com a sua promulgação em 2001, e vigorante a partir de 2002, constituindo, pois, uma nova empresarialidade, ou seja, trouxe uma conotação mais voltada para as características econômicas que a sociedade empresária representa dentro do cenário brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça, na súmula 53, já preconizava: “Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.(grifo nosso)

A empresa, é de bom alvitre ressaltar, tem uma função social, tal como o contrato e a propriedade, pois constitui num elemento fundamental de geração de renda e empregos, movimentando a economia.

Diante do novo Código Civil, aboliu-se o termo comerciante, para considerar, consoante Carlos Roberto Gonçalves : “…empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (CC, art. 966). Percebe-se que o novo diploma, na parte referente ao direito de empresa, aboliu a figura do comerciante individual e do prestador autônomo de serviços, do modo como eram considerados”.

Ora, o processo falimentar, é na verdade, um sistema complexo, pois exige uma série de regras tendentes a regularizar sua tramitação, demandando, em suma, a formulação de um micro sistema jurídico.

Com efeito, o Brasil possui uma lei, datada de 1945, a qual previa dois procedimentos basilares: a falência e a concordata.

Entrementes, vivemos um mundo em que globalização avança em todos os campos, quais sejam: político, econômico, cultural, e também legislativo.

A dinâmica do direito está acelerada justamente pelo fato da economia do planeta estar sediada em um formato capitalista, onde imperam as regras de mercado – oferta e procura – as quais regularizam todo o sistema mundial, proporcionando inclusive maior instabilidade, principalmente econômica e legislativa.

Deste modo, no legislativo brasileiro, vem tramitando a nova lei de falências, com o objetivo maior de modernizar a vetusta norma destoante da realidade.

O projeto de lei 4.376, aboliu a concordata para instituir em seu lugar a recuperação judicial ou extrajudicial das empresas e a falência da sociedade empresária, da sociedade simples, da sociedade cooperativa e do empresário individual.

A sociedade empresária engloba todos os tipos sociais previstos no atual Código Civil, das quais podemos mencionar as seguintes: a) sociedade em nome coletivo; b) sociedade em comandita simples; c) sociedade limitada; d) sociedade anônima; e) sociedade em comandita por ações; f) sociedade cooperativa; g) sociedades coligadas.

Sociedade simples, anteriormente sociedade civil, é uma espécie de sociedade personificada, o que requer em princípio seu registro. Conforme o artigo 998, do moderno estatuto civil, temos que: “Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede”

De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery : “Sociedade simples (ou não empresária) é o negócio jurídico celebrado entre pessoas com o objetivo de exercer atividade econômica que não seja comercial ou empresária. É a forma mais simples de constituição de uma sociedade”.

Anteriormente, conforme a jurisprudência: “A sociedade civil formada mesmo que com o título por quotas de responsabilidade limitada, por médicos e leigos para legalizar prestação de serviços médicos-hospitalares, está excluída do regime falencial, destinado por tradição secular aos comerciantes”. (TJSP – AP. 076.105-4/5 – 3ª CDPriv. – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – j. 17.03.1998)

Assim, Fábio Ulhoa Coelho proclama: “A distinção entre sociedade simples e empresária não reside, como se poderia pensar, no intuito lucrativo. Embora seja da essência de qualquer sociedade empresária a persecução de lucros – inexiste pessoa jurídica dessa categoria com fins filantrópicos ou pios – , este é um critério insuficiente para destacá-la da sociedade simples. Isto porque também há sociedades não empresárias com escopo lucrativo, tais as sociedades de advogados, as rurais sem registro na Junta etc.”.

Não se confundem com as associações por força do próprio art. 53 do Código Civil, sendo que estas: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”.

Logo as sociedades simples são aquelas sociedades de profissionais, que não possuem fins empresariais, mas ficarão estabelecidos os direitos e obrigações dos sócios. Ratificando este argumento, diz Fábio Ulhoa Coelho : “As atividades econômicas de natureza intelectual, como as artísticas, científicas ou literárias, ainda que exercidas em sociedade com o concurso de colaboradores, não se consideram empresarialmente exploradas (CC, art. 966, parágrafo único).”

A futura lei começa traz em seu Capítulo II as disposições comuns aplicáveis tanto à falência, bem como para a recuperação judicial.

Inova no sentido de exigir as multas ambientais em ambos os procedimentos. Isto denota a própria evolução da ciência jurídica, que se encontra numa quarta geração de direitos, preocupada com as questões encontradas nos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Releva o direito ambiental, pois conforme a própria Constituição Federal, e, a Carta de Direito Humanos da ONU, todos tem direito a um meio ambiente saudável, não sendo cabível, pois, que a empresa mesmo falindo ou necessitando ser recuperada, deite fora obrigações que tem com a coletividade, no sentido de evitar atitudes poluidoras.

Há uma nova proposta classificatória dos créditos, os quais seguirão a seguinte ordem: 1) créditos derivados das relações de trabalho; 2) créditos decorrentes de contratos de adiantamento de câmbio; 3) créditos tributários; 4) créditos com direitos reais de garantia; 5) créditos com privilégio especial; 6) créditos com privilégio geral; 7) créditos quirografários e 8) créditos subordinados.

Mas a modificação estrutural de maior relevo, vem a ser a recuperação judicial ou extrajudicial, extinguindo a concordata.

Na recuperação judicial será nomeado pelo Juiz um comitê e administrador.

Conforme o projeto, o juiz, de ofício, poderá determinar a constituição de Comitê de Recuperação Judicial, quando: I – entender de sua necessidade, ante o grau de complexidade do procedimento concursal em questão; ou II – em razão de sua avaliação a respeito do porte econômico-financeiro da empresa.

O Comitê será necessariamente formado por cinco membros e seus respectivos suplentes.

A sua composição será, portanto, de: um administrador judicial que provenha das searas jurídica, econômica, administração ou contabilidade; um representante dos empregados; um representante da classe de credores com garantia real ou privilégios; um representante da classe de credores quirografários ou subordinados; e um representante do devedor, todos designados já com os seus respectivos suplentes. Serão nomeados por ordem do magistrado competente, sendo selecionados dentre os maiores credores de cada classe.

De outro modo, a recuperação extrajudicial se constituirá na convocação, pelo devedor, de credores ou de classes de credores para apresentação de proposta de plano de recuperação extrajudicial, não caracterizando ato de falência. Poderá ser requerida a sua homologação judicial, mas somente quando a proposta de recuperação extrajudicial for aprovada por dois terços dos votos do total dos créditos abrangidos pelo acordo ou pela maioria dos votos dos credores que representem, em cada classe, 50% do total dos créditos com garantia real e privilégios e dos créditos quirografários e subordinados.

Porém, ficando evidenciado, durante a tramitação da recuperação judicial, a inviabilidade econômica e financeira da empresa ou o descumprimento do plano traçado, o Ministério Público, os credores, ou quaisquer interessados poderão requerer a conversão daquela em falência.

Em síntese, podemos afirmar que a legislação vindoura trata da questão com ênfase nos preceitos função social, que é a preocupação com os interesses sociais e coletivos, em detrimentos dos individuais, sinalizando para primeiramente tentar a recuperação da empresa, a qual não sendo possível implicará num processo falimentar.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais inovações no código civil de 2002: breves comentários. São Paulo: Saraiva, 2002.

NERY – NERY. Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

TARCHA, Jorge. Falências e concordatas (uma abordagem didática). São Paulo. 1998.