Recentemente, por pronunciamentos de relevantes autoridades dos três Poderes, voltou-se a questionar a insensatez da Lei dos Crimes Hediondos, com propostas de reformulação, especialmente no que tange à definição da natureza hedionda da conduta, bem como no que concerne à imposição do regime integralmente fechado para seu cumprimento.
Essa inquietação não é moderna, afinal, desde a edição da lei, há 14 anos, incontáveis juristas, entre os quais diversos magistrados e quase a totalidade dos advogados criminalistas do País, se insurgem contra os termos da lei, que por muitos é tachada de “Lei Hedionda”.
Entretanto, em que pese um exército de profissionais do Direito lutarem contra a validade da norma por entenderem-na inconstitucional e teratológica, preponderou sua aplicação e, até hoje, muitos magistrados, orientados por jurisprudências de tribunais superiores acatam, irresignados, esse entendimento.Prevaleceu o Movimento do Direito Simbólico que defendeu, e ainda defende, o enrijecimento da norma como medida de prevenção ao crime e de vingança exemplar da conduta infracional.
Crimes bárbaros que causam ojeriza na sociedade acontecem, infelizmente, diariamente nesse país continental e servem para alimentar o ímpeto casuístico daqueles que confortam as vítimas e seus familiares com o discurso forte de combate à criminalidade e de rigorosa punição aos infratores. E, por esse anseio popular que se renova dia-a-dia, surgiu a “Lei Hedionda” e permaneceu viva e operante até hoje, em que pese o protesto veemente de tantos estudiosos do Direito Penal.
Os militantes do Movimento do Direito Simbólico iludem a sociedade com medidas de mera aparência de solução, e têm na Lei dos Crimes Hediondos seu exemplo maior.
Mas não é possível ofuscar a percepção dos juristas sobre a certeza de que aqueles que ingressam no mundo penitenciário, um dia de lá sairão (se não perecerem nesse ambiente) e retornarão para a sociedade, convivendo com todos nós. Portanto, devemos nos preocupar com a preparação e recuperação dessas pessoas para que a sua presença não seja nociva à paz social.
A integralidade do regime fechado é, sem dúvida, incompatível com a percepção de retorno ao convívio social. A pecha de hediondo lançada objetivamente a condutas tão díspares em gravidade e reprovação social intensifica a injustiça perpetrada, excluindo do juiz a análise do caso concreto e suas peculiaridades, e obrigando-o, em muitos casos, a considerar hediondo aquilo que em essência não o é.
A proibição objetiva de liberdade provisória, configurando antecipação da tutela penal em desprestígio à clássica idéia da presunção de inocência é preceito da lei que precisa ser imediatamente revisto.
Tantos anos já se passaram, tantas injustiças se acumularam, tantas derrotas e frustrações registramos nesse período em que prevaleceu a insidiosa letra da Lei nº 8.072/1990, mas graças à galhardia das nossas convicções, perseveramos, intrépidos, nessa luta pela demonstração da necessidade de reforma da lei, libertando-a do casuísmo e do império da vingança que norteou a tinta forte e inconseqüente que a imprimiu com rigor irresponsável.Nós, juristas, cônscios da necessidade de mudança, ganhamos fôlego com a possibilidade revitalizada por pronunciamentos de importantes autoridades, entre as quais, o Senhor Ministro da Justiça, de enfim, vermos as modificações necessárias se operando. Reconheço a relevância da discussão e ressalto que a perseverança e a renovação de argumentos são ferramentas da democracia indispensáveis para os profissionais do Direito, por isso, persistir como “água mole em pedra dura…” é vital para a defesa de princípios e valores edificados por avanços históricos na compreensão do instituto da “pena”.
Artigo finalizado em 10/11/2004.