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Homens sem lar: direito constitucional à moradia

A República Federativa do Brasil, como um Estado Democrático de Direito, protege constitucionalmente seus homens, mulheres e crianças, garantindo-lhes o acesso à moradia( artigo 6° da Constituição), como uma forma primordial de alcance da cidadania( art. 1° da CF/88) e respeito aos direitos fundamentais do homem( art. 4° da CF/88). Sim, uma pessoa sem morada digna( e aqui não se trata apenas de uma teto, mas de toda uma infraestrutura que o cerca, tais com esgoto, àgua, luz, segurança, etc) não pode ser considerada um cidadão, sujeito participador da formação da vontade nacional, já que antes de poder pensar no país que o cerca, tem que se preocupar com a falta de lar. Por que então, ao andarmos pelas ruas do país, deparamo-nos com os mesmos homens, mulheres e crianças, protegidos constitucionalmente, nas calçadas, praças e sinais, a dormirem em um pedaço de chão, correndo perigo da doença e da violência e o pior: sem perspectivas de verem suas vidas melhores, sem terem condições de contribuir para o crescimento do país, não por não quererem, mas por exclusão do próprio Estado -e repita-se- democrático de direito( direitos esquecidos e colocados apenas para alguns)?.

Foi com a constatação e análise desse aspecto social brasileiro, através de observações ao próprio redor da Faculdade de Direito do Ceará, lugar que tem por base de todo o estudo jurídico a Constituição, não apenas em sentido formal, mas material(e em especial, os valores consagrados como fundamentais) , a quantidade de mendigos- homens sem lar. O exemplo típico é a “casa ” de madeira e ferro que está localizada na calçada da faculdade, em frenta à Praça Clóvis Beviláqua( comumente chamada de praça da Bandeira): pertence a um senhor idoso e que cuida desta como um tesouro. Todos o conhecem, mas a aproximação é impossível. Já houve quem tentasse retirá-lo de lá – muitas vezes por afirmarem que a praça pertence ao público e ele estava atrapalhando o trânsito das pessoas; outras, por pena, oferecendo-lhe uma casa. A resposta é sempre a mesma: um ríspido não. O senhor anônimo, que se banha na calçada de nossa Faculdade Centenária, é um símbolo esquecido dos sonhos que tínhamos ao passar a primeira vez nas portas da academia: mudar o mundo, começando pelo nosso próximo.

O que faz um homem, sem teto, renegar um lar? A sensação é que não podemos fazer nada para transformar a alma ferida de “cidadão” brasileiro. Na mesma praça, há ainda senhores e seus bancos de madeira e lençois de papelão, a passar o dia ociosos, e sem perspectiva sequer do restante do dia. E o ilustríssimo jurista Clóvis Beviláqua, a contemplá-los no centro da mesma.

É grande a desconfiança que esses senhores das ruas têm dos outros privilegiados, que muitas vezes olham para esses excluídos brasileiros, com medo, pena, tristeza, raiva. Mas nunca se olha para os sem-teto como homens iguais em direitos e obrigações. Culpam o governo, mas não lutam com o voto e com atitudes de cobrança para com o mesmo. Como estudantes de direito e protetores da sociedade em geral, não podemos ficar cegos diante do que gira em nossa volta: o que fazemos todos os dias ao passarmos pela mesma calçada, durante cinco anos, a não ser nos lamentarmos? Estudamos a Constituição e percebemos o quanto é bela: mas nos esquecemos que são poucos os que têm um espelho para ver a beleza da Magna Carta.

Enquanto estamos protegendo os direitos dos que “os têm”, há homens sem lar, sendo a moradia um dos primordiais elementos, ao lado da educação e alimento, para a inserção do indivíduo na sociedade brasileira. É hora de os operadores do Direito lutarem pelo cumprimento dos direitos consagrados constitucionalmente. Não podemos admitir que homens sem-teto transformem-se em homens sem sonhos. Todos os homens são importantes: que todos possam ter direito ao menos de sonhar por um mundo melhor.

Base para o artigo: Constituição Federal do Ceará.

Redigido em 15/9/2003