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Posse no STJ: Vidigal diz que “o compromisso primeiro da Justiça é com a Paz”

O presidente empossado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, disse há pouco que “o compromisso da Justiça num Estado de Direito Democrático é com a Paz”.

A seguir a íntegra do discurso do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal.

“Saibam todos que a Paz é boa.

Todo dia nos envolvemos tanto em tantos conflitos – pessoais, corporativos, políticos, religiosos, existenciais, que nem nos damos conta da importância e da necessidade de se viver em Paz.

Pois saibam que o compromisso primeiro da Justiça num Estado de Direito Democrático é com a Paz.

Só em Paz estaremos melhor. O País em Paz, a cidade em Paz, o bairro em Paz, os vizinhos em Paz, a família em Paz, o amor em Paz. A Justiça é um instrumento realizador da Paz. Da Paz social.

Diante de qualquer conflito, é do nosso dever buscar antes a conciliação. Estimular e apoiar as soluções alternativas para a resolução dos conflitos. Esta sempre foi a função do Juiz desde o Velho Testamento à nossa atual Constituição da República. Abortar conflitos. Trabalhar para evitá-los.

Pois como cantam os garotos do Rappa, “paz sem voz não é paz, é medo”.

A beligerância, a agressão, a contumélia, entre nós, Advogados, Ministério Público, Juízes e demais autoridades dos Três Poderes, – não ajudam em nada. Só servem para tirar o sossego da República. Não estando em Paz, não fazemos o melhor do que podemos fazer para o bem da Nação.

Os Poderes da União, Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, manda a Constituição da República. E estamos, cada um de nós, em sua jurisdição, sempre a bradar pela independência, não nos importando muito com a harmonia.

Harmonia quer dizer proporção, ordem, simetria. Harmonia é acordo, é conformidade. Harmonia é equilíbrio, é sinônimo de Paz. Desde os gregos antigos aos novos baianos, harmonia quer dizer sincronia, adaptação de um poema a uma melodia. ( “Acabou chorare / faz zum-zum pra eu ver…”)

Assim, nós da vida pública, nos Três Poderes, temos de nos comportar com a consciência de que somos indissociáveis parceiros e que só podemos fazer o melhor para todos neste País se nos unirmos, nos preservando juntos com o mesmo ideal democrático de Justiça Social, declarando e entregando, em cada demanda, a cada pessoa o que é do seu direito, segundo uma igualdade.

Dizer a Lei e declarar o direito, em tempo, para que a pessoa não morra sem usufruí-lo; acabar com a morosidade injustificável por conta da qual se mantém o ganha-mas-não-leva, onde o Estado, procrastina para não pagar, de pronto, o que deve ao cidadão; descongestionar o tráfego em todo o Poder Judiciário no qual se têm milhões de processos e apenas uns poucos milhares de causas; desburocratizar os Fóruns, os Juízos e os Tribunais para que os Advogados, Ministério Público e Juízes trabalhem com mais agilidade e absoluta transparência; ampliar, no mínimo, para mais quatro mil as Varas Federais e assim tornar verdadeiramente efetivo o serviço da Justiça a todo o Povo, através da presença do Governo do Brasil nos mais distantes e desprotegidos rincões de todos os Estados; entregar à cidadania e aos Advogados, ao Ministério Público e aos Juízes, Leis mais justas no lugar das Leis arcaicas, que engessam muito e provocam o atraso e que ensejam decisões, que embora legais são causadoras de injustiças (como disse Roscoe Pound, professor em Harvard, “as leis devem ser estáveis mas não podem ficar paradas na rigidez do tempo”); atrair para a função de Juiz os verdadeiramente vocacionados mediante seleção mais objetiva pela futura Escola Nacional Superior da Magistratura, que trabalhará também reciclando todos nós, inclusive Ministros, por que não ? Instituir-se um título de dívida pública para quando o poder público for condenado em juízo, acabando, assim, com o sistema de precatórios, que tripudia sobre o direito das pessoas, sonegando-os em sua excessiva morosidade, afora o que tem gerado de corrupção; investir forte na cidadania, de modo a que as pessoas mais distantes, em seus subúrbios, grotões, favelas, sejam tocadas pelo evangelho redentor da democracia; isso tudo ainda é pouco perto do muito que precisa ser feito. Isto é apenas uma pequena parcela dos desafios que vamos ter de encarar, suportar e vencer.

Vamos precisar de mais horas de trabalho, de recrutar voluntários, de trazer mais forças talentosas – a começar pelos Advogados de todo o Brasil. Queremos ouvi-los e com suas forças somar esforços. É com eles que tudo começa e é com eles, representando as partes da demanda, que tudo termina. É inestimável o serviço que os Advogados prestam à realização da Justiça. É também com o Conselho Federal da OAB e demais seccionais, com os sindicatos de advogados e demais entidades representativas que queremos trabalhar.

Igualmente, com atenções especiais, vamos nos voltar ouvindo e apoiando os nossos Juízes e Desembargadores da Justiça dos Estados. É uma Magistratura, em sua maioria, sofrida, mal compreendida, em muitos casos até esquecida no interior do mato, no Brasil mais anônimo, entregue ao sacerdócio difícil de realizar a Justiça. Queremos construir uma parceria, dentre outras, com a Associação dos Magistrados do Brasil, com o Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça, com o Colégio de Corregedores Estaduais, dentre outros.

Vamos ampliar as forças da nossa união. Através do Conselho da Justiça Federal, que também vou presidir, vamos ouvir mais e apoiar mais o trabalho dos nossos Juízes nas bases, no primeiro grau e também nos Tribunais Regionais Federais.

Nada de confrontações.

Temos de nos submeter à sensatez, ao bom senso. Quem serve ao Estado serve ao público em geral. Quem, no serviço público, se deixa levar por suas birras, suas idiossincrasias, seu descontrole emocional, compromete com seu mau humor toda corrente de poder em derredor, em prejuízo do bom senso que deve nortear sempre as decisões de Estado. Entre nós todos há que imperar sempre a harmonia, a coesão.

Ninguém dentre nós, no serviço público, é inimigo de ninguém. Bastam os inimigos do Povo, só por isso, também, nossos inimigos. Contra eles é que devemos estar fortes em nossa união. Estendo as mãos em apelo aos nossos funcionários, todos eles servidores públicos tanto quanto nós Ministros, para que nessa união possamos fazer mais pelo Poder Judiciário, pela afirmação da democracia no Brasil.

O Padre Antonio Vieira dizia que os sacerdotes são empregados de Deus. Assim, da mesma forma, o dinheiro que paga o salário do Presidente da República e dos seus Ministros, dos Deputados e dos Senadores, dos Ministros dos Tribunais é o mesmo que paga o salário de todos os outros servidores, do porteiro ao assessor mais graduado, do cabo ao general. Esse dinheiro vem de um único patrão para o qual trabalhamos, do qual somos empregados. Esse patrão é o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do Povo brasileiro.

Confio no bom senso e espírito público das nossas lideranças políticas, corporativas e sindicais. Juntos, vamos fazer muito. Separados, não nos entendendo, vamos chegar ao final do tempo sem ter conseguido fazer nada.

Se não formos capazes de nos manter unidos na busca de resultados maiores, em favor da democracia, por conseguinte, de todo o Povo brasileiro; se nos dividirmos e, nos agredindo uns aos outros, deixarmos que a raiva gaste as nossas energias positivas, nos induzindo a reações emocionais, o tempo vai dizer que fomos tolos, patetas, arrogantes, burros.

Nada de na lei ou na marra. Na democracia, tem que ser na lei ou na lei.

A insensatez belicosa de tantos homens de Estado pelo mundo afora não condiz com os avanços da humanidade no estágio civilizatório a que chegamos. Essa febre de intolerância que acomete alguns países, em prejuízo da Paz no mundo, nunca vai nos contaminar.

Já não somos mais o País de Macunaíma, o herói sem caráter. Nem o Brasil do Jeca Tatu, o coitado, sem ambições nem horizontes.

Devemos nos conformar com o atraso só porque os problemas que nos aperreiam parecem enormes, incontáveis, insolúveis?

Ora, se não queremos viver em atraso, se queremos viver num País em Paz Social, em prosperidade econômica, não devemos nos intimidar com a grandiloqüência com que falam dos nossos problemas. Os desafios não existem para nos paralisar. Os desafios são importantes exatamente para que nos mostremos capazes de vencê-los.

Progrediremos, se prosseguirmos. Na ordem e na Paz.

Somos hoje o Brasil que tem muito do que se orgulhar, em potencialidades e conquistas. Já enxotamos o arbítrio para bem longe e estamos construindo uma das maiores democracias do mundo.

Somos uma República pacifista, comprometida com os direitos humanos, com a autodeterminação dos povos, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e de quaisquer outras formas de discriminação social, religiosa ou política.

Por isso, pessoas vindas das legiões dos excluídos, dos grotões da pobreza mais distante, já conseguem disputar as oportunidades que por muito tempo só se deferiam aos mais bem nascidos. Filhas e filhos do Brasil comum, do Brasil mais brasileiro, estão chegando aos altiplanos, nas universidades, nas empresas, na vida pública.

Quando nasci, há 59 anos, a expectativa de vida no Brasil era de menos de 50 anos. Portanto, eu já deveria estar morto. Mas agora a expectativa de vida é de mais de 70 anos. Ou seja, vou poder sair daqui a 11 anos, na “expulsória”.

Quando cheguei ao Tribunal Federal de Recursos, em 1987, aos 43 anos de idade, éramos 140 milhões. As mulheres já somavam 77 milhões e não havia nenhuma Ministra no Tribunal. Hoje, elas somam 88 milhões, portanto mais da metade da população. A grande maioria está nas faculdades de direito. Neste Superior Tribunal de Justiça, dentre os 33 que somos, elas são apenas quatro. Melhorou pouco, mas melhorou. Vai melhorar mais.

Num dia desses, li no Talmud que um cão vivo ainda é melhor que um leão morto. Então, nada de olhar para trás. Corremos o risco de nos transformar em estátuas de sal. Seguir em frente, disposição sem medidas, fronte erguida, numa união nacional consciente, determinada. Vamos vencer a depressão, a incerteza, a insegurança, o desalento.

O Brasil, como diz o Presidente Sarney, é muito maior que todos os seus problemas. E o Povo brasileiro é grande, já provou nos mais difíceis momentos da nossa história o quanto é destemido. E vencedor.

É verdade que ainda temos algumas debilidades estruturais para resolver, a começar pela definição de direitos e obrigações de poderes entre a União, os Estados e os Municípios. E também na maior nitidez do papel dos poderes, em nível federal. Precisamos cuidar disso, o quanto antes. Mais desatenção pode resultar em incertezas convincentes quanto aos rumos da nossa estabilidade institucional. Portanto, em prejuízo da paz social.

Deixar para amanhã o que se pode fazer hoje não é comigo. O Brasil tem pressa, o Povo brasileiro quer os seus direitos para ontem. Fiquemos mais atentos ao lema do nosso símbolo maior da República – Ordem e Progresso.

A cultura do adiamento conspira contra os avanços do País. Vamos derrotá-la trabalhando juntos, com agilidade e transparência.

É nossa função no Poder Judiciário, interpretando a Constituição da República e suas Leis, declarar os direitos das pessoas, impor limites ao arbítrio, conter as violências, reprimir a injustiça racial, a injustiça do preconceito.

Neste País todos são iguais perante a lei e quem ainda imagina que não o é, acorde. A democracia não tolera a impunidade. Com o Judiciário que o Brasil quer, e que vamos ter, – todos, todos, vão estar, sim, iguais perante a lei.

Acredito que juntos podemos erguer uma ponte indestrutível sobre o abismo social e econômico, que nos faz sentir acuados. Uma ponte concretada na fé e na determinação de todos os brasileiros. Feita a travessia, chegaremos aos níveis de desenvolvimento do primeiro mundo e assim nossa sociedade e o Estado poderão contemplar o nosso Povo – com mais justiça e paz. E mais saúde e emprego, educação, segurança, justiça e paz.

Agora, peço desculpas e um pouco mais da atenção geral. É que cabe aqui lembrar o Eclesiastes, 26, 2/4.

“Feliz o homem que tem uma boa mulher, pois se duplicará o número de seus anos. A mulher forte faz a alegria do seu marido, derramará Paz nos anos de sua vida. É um bom quinhão uma mulher bondosa; no quinhão daqueles que temem a Deus, ela será dada a um homem por suas boas ações. Rico ou pobre, (o seu marido) tem o coração satisfeito. E o seu rosto reflete alegria o tempo inteiro”.

Eurídice, minha mulher, minha companheira, minha amiga, isto aqui só tem a ver com você. Eu sei que você sabe que serão agora mais dois anos de novas lutas juntos. Um dia vamos sumir para estarmos a sós e mais juntos. Com muito amor e em grande Paz.

Oportuna também esta mensagem, pública e especial, aos demais familiares, filhos, irmãos, irmãs, tios, tias, sobrinhos, parentes em geral, aderentes e amigos íntimos.

Vocês vão sofrer todo tipo de assédio, dos mais charmosos aos mais grosseiros. Não esqueçam que os agrados, os gracejos, não serão nestes dois anos por causa de vocês.

Serão anzóis que, perversamente, se lançarão para que, sendo vocês reféns, de alguma maneira, possam os demônios da corrupção, do tráfico de influências, do fascismo ou apenas os invejosos a serviço do mal, chegarem a mim, tentando me fragilizar como já tentaram em outras vezes e não conseguiram e, garanto, jamais irão conseguir.

Recomendo a vocês todos, meus familiares, parentes, aderentes, amigos íntimos, que leiam todo dia no Evangelho de Mateus (4, 1/11) a grande lição do Cristo sobre a firmeza de caráter em que se ensina como reagir às tentações dos demônios, mesmo quando se tem fome e sede no deserto.

Como dizia o poeta, “prá mim basta um dia, não mais que um dia”. Ora, se o que vamos ter serão dois anos pela frente por que então não desatar os sonhos e, sonhando acordados, realizá-los plenamente, espantando fantasmas e sem fantasias ?

Se me deixarem solto, se não me faltar o apoio de todos, dos meus colegas Ministras e Ministros, dos nossos funcionários, dos líderes no Executivo e no Legislativo, dos Advogados, dos Magistrados Estaduais e Federais, do Ministério Público; se não me faltarem esses apoios, vai dar, sim, para se fazer, aqui, vinte anos em dois.

“Mesmo miseráveis os poetas / os seus versos serão bons (…) Os poetas, como os cegos, sabem ver na escuridão”. Nunca vou me separar da poesia. Nem parar de sonhar acordado. Os que sonham insones, dizia T.E. Lawrence, são os mais capazes porque sonhando acordados são os únicos que podem realizar o que sonham. Os avanços do Brasil, prova a história, se fizeram com sonhadores que sonharam de pé, despertados, insones.

“Para a conquista, a audácia, ainda a audácia, sempre a audácia”. Disse Danton, ao final do seu famoso discurso, na Convenção Revolucionária Francesa, em 2 de setembro de 1792. Para reformar, modernizar e tornar mais ágil e transparente a nossa Justiça é preciso audácia. Ainda a audácia, muita audácia.

Isso tudo sem perder de vista a advertência de Shakespeare – “Se não queres ser vítima da calúnia, não digas nada, não faças nada, sejas absolutamente nada”. É o risco que se corre na vida pública quando se quer fazer as coisas bem feitas, bem longe da mediocridade. Como no poema de Gullar, um pouco acima do chão, em luta corporal contra a decadência do mundo.

Acredito é em – “é para fazer”, “podemos fazer”, “vamos fazer”.

Entendo que o presidente do Tribunal é a soma de sua composição. Ele pode ter suas idéias pessoais, mas estas jamais podem divergir ou contradizer o pensamento da Corte.

Sua tarefa principal é o dever e o zelo pelo cumprimento de nossos deveres para com a sociedade. Terei presente no exercício do meu mandato que eu sou a unidade do STJ, que me escolheu, unânime, para esta honrosa missão. Dever e responsabilidade – palavras e ações que estarão juntas na consciência do presidente, expressão da Corte.

Senhoras, Senhores:

Assim que fui eleito para enfrentar e vencer este novo desafio, perguntaram-me como foi para chegar até aqui.Respondi que quando eu era menino me disseram que Deus havia dito – “faz por ti, que eu te ajudarei”. E, assim, nunca deixei de fazer bem a minha parte para, então, sempre merecer a ajuda de Deus.Comecei falando de Paz.

Agora, aproveitando o ensejo, peço encarecidamente aos frustrados, aos invejosos, aos mal amados de todo o País, aos corvos de todos os matizes, que – pelo amor de Deus – me deixem laborar em Paz. Eu quero trabalhar, fazer bem o meu serviço. Os sentimentos negativos, de frustrações desenfreadas, não constroem. Não há quem não precise de Paz para trabalhar.

Muito obrigado a todas e a todos por terem vindo. Minha origem é a estrada, meu destino é o futuro. Vamos continuar seguindo juntos. Temos promessas a cumprir.

Até daqui a dois anos. E muito obrigado, outra vez.