O ministro Edson Carvalho Vidigal acaba de ser eleito novo presidente do Superior Tribunal da Justiça (STJ), para um mandato de dois anos e tomará posse no cargo no próximo dia 5 de abril, substituindo o atual presidente, ministro Nilson Naves.
O ministro Edson Vidigal é graduado em Direito pela Universidade de Brasília, onde fez também os cursos de pós-graduação em Teoria Geral do Direito Público, Filosofia do Direito, Criminologia, Administração Pública Municipal e o curso de extensão Direito Americano e Pensamento Político Brasileiro. Na Universidade de São Paulo fez o curso de Legislação Social. Na área do direito desenvolve intensa atividade como professor, lecionando Direito Penal e Direito Eleitoral na UnB, dando aula também na Escola Superior da Magistratura do Maranhão, seu estado natal e onde é membro da Academia Maranhense de Letras.
Na vida pública o ministro Vidigal ocupou funções nos três poderes, tendo ainda desenvolvido intensa atividade jornalística, trabalhando como repórter nos principais órgãos da imprensa brasileira, como o Globo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense e Veja. Natural da cidade maranhense de Caxias, onde nasceu em 20 de julho de 1944, o ministro iniciou ali sua carreira política, entre 1963 a 1964, como vereador eleito, quando foi cassado e preso. Voltou à militância política em 1979, quando foi eleito deputado federal pelo Maranhão, mandato que cumpriu até 1983, período durante o qual, na Câmara dos Deputados, foi presidente das Comissões de Ciência e Tecnologia e de Comunicações, relator da CPI dos Juros e da Subcomissão de Investigações do Projeto Jarí, da Amazônia.
Como advogado atuou no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Superiores, tendo sido procurador judicial do Estado do Espírito Santo e analista-consultor no projeto-piloto do SERPRO, para a informatização do processo eleitoral no país. Na área do direito ocupou ainda os cargos de ministro do Tribunal Federal de Recursos, ministro do Tribunal Superior Eleitoral, corregedor-geral Eleitoral, ministro diretor da Revista do STJ, onde presidiu a 3a. Seção e a 5a. Turma, tendo sido também membro da Comissão de Jurisprudência.
No Executivo foi assessor especial do Presidente da República para assuntos do Judiciário e do Ministério Público e Consultor Jurídico do Ministério dos Transportes. Em fevereiro último, o ministro foi coordenador da IV Reunião preparatória da VIII Cúpula Ibero-americana de Presidentes de Cortes Supremas e Supremos Tribunais de Justiça e IV Encontro Ibero-americano de Conselho da Magistratura que contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do evento.
O ministro Vidigal é filho de Edson Castro Vidigal e Maria Helena Carvalho e é casado com Eurídice Maria da Nóbrega e Silva Vidigal, tendo como filhos Edson Carvalho Vidigal Filho, Everardo José Câmara Vidigal, Erick José Travassos Vidigal, Ernesto José Travassos Vidigal, Eduardo José Travassos Vidigal (in memoriam), e como enteados Rodolpho Augusto, Maria Paula e Ana Catarina Gurgel de Souza.
A seguir a íntegra da entrevista do presidente eleito do STJ, ministro Edson Vidigal:
1 – De que maneira o Superior Tribunal de Justiça, também conhecido como Tribunal da Cidadania, poderá se aproximar mais do cidadão?
R – Intensificando-se a comunicação social. Já temos estudos neste sentido, a nossa equipe de transição já está trabalhando, nós vamos fazer o maior uso possível da Internet, já temos estrutura para a montagem de um estúdio de televisão, para que possamos administrar melhor a nossa participação na TV Justiça. Além disso vamos trabalhar junto ao ministro Nelson Jobim para que este espaço da TV Justiça seja ampliado, para ter maior alcance junto ao chamado grande público. E mais, como já temos estrutura para montar uma estação de rádio aqui no STJ, vou procurar o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, para pleitear, se ainda for possível, a concessão de um canal. Se não for possível vamos trabalhar em canal na Internet. É idéia também trabalhar com as rádios comunitárias, espalhadas pelo Brasil todo, porque montando uma rede com as rádios comunitárias, nós vamos trabalhar a cidadania. Informar ao povo, os cidadãos das camadas mais baixas, o que é uma decisão, informar sobre seus direitos, enfim, trabalhar vinte e quatro horas no ar ajudando a formar cidadania. E, aqui nós estaremos muito à vontade porque não estaremos fazendo proselitismo político. Estaremos fazendo proselitismo constitucional, proselitismo democrático. Isso tudo nós temos imaginado, agendado e dependendo do apoio, que tenho certeza que vou ter, dos meus colegas ministros, nós vamos fazer. Assim, o cidadão dos lugares mais longínquos desse Brasil, vai poder acompanhar, através do computador do Correio as sessões do STJ e vai ficar sabendo dos resultados na hora, do que acabou de acontecer com o processo que ele, eventualmente, tenha interesse. E isso tudo, tecnologicamente, está provado que é possível ser feito. Requer, vontade política, que nós temos e recursos, que vamos atrás.
2 – Qual sua posição com relação à reforma do Judiciário ?
R – A reforma do Judiciário não é para ontem, é para agora. Trata-se de uma exigência da sociedade, o país precisa de um Judiciário que possa responder aos desafios da sociedade, para se afirmar como um país realmente democrático precisa que suas instituições sejam fortes e sem um Judiciário forte, reformado, atualizado, capaz de corresponder às necessidades da sociedade, fica mais difícil de se ter democracia. Assim, essa reforma precisa ser feita logo.
3 – Essa matéria já tramita no Congresso há mais de onze anos. O que poderia ser feito para agilizar a reforma ?
R – Não insistir na idéia de fazer a reforma de uma vez. Têm-se aí onze anos de discussão, é porque estamos querendo resolver tudo ao mesmo tempo. Eu penso que poderemos separar tema por tema e trabalhar objetivamente naquilo que for mais consensual, no que já está mais amadurecido, como resultado das discussões, para poder avançar. Eu penso que devemos criar logo o Conselho Nacional de Justiça, já previsto na PEC 29, aprovado na Câmara dos Deputados e que está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para receber parecer. Será um órgão superior do Poder Judiciário, que estabelecerá seu sistema de governo, pois o Judiciário é o único poder que não tem governo, não podendo continuar como na canção do Chico Buarque, “o que não tem governo nem nunca terá”. O Judiciário precisa de uma administração central, para planejar toda sua estratégia de gastos dos recursos públicos, de investimentos públicos, de maturação das questões que tem a ver com a área administrativa. Precisamos ter um órgão de supervisão administrativa e orçamentária do Poder Judiciário, de âmbito nacional. E mais, com poderes correcionais, porque o sistema de correição estabelecido já provou que não funciona, porque está sempre a sofrer as influências do conluio e do coleguismo. E, por conta disso, o corporativismo impede que os eventuais desvios de conduta possam ser punidos.
4 – Quais outras medidas, além dessa, poderão ser tomadas ?
R – De pronto e de imediato, a Escola Nacional da Magistratura, para que nós possamos tratar, de uma maneira mais objetiva, a questão do ingresso das pessoas na carreira de magistrado. Hoje temos os cursos de direito tradicionais, que estão também defasados, as faculdades não preparam administradores para gerir o Poder Judiciário, as faculdades não preparam bacharéis em direito para o exercício da magistratura ou para atuar no Ministério Público ou na Defensoria, se limitando a preparar bacharéis em direito. Que fazem a prova da OAB, pegam uma carteirinha e, a partir daí, se julgam habilitados a advogar em qualquer tribunal de qualquer nível, na maioria dos casos sem nem mesmo conhecer o regimento interno desses tribunais. E eu falo com conhecimento de causa porque sou professor de direito na UNB, que tem uma das melhores faculdades do Brasil. E lá não se prepara bacharel em direito para ser administrador de tribunal. Então precisamos readequar, a partir do ensino dado nas faculdades de direito, para que possamos ter a preparação dos candidatos à magistratura, criando uma escola que possa também botar os juízes para estudar, os ministros para estudar, porque não basta-me chegar aqui e ser empossado como portador de notável saber jurídico. Isso não quer dizer que eu saiba tudo. Tenho que continuar estudando. E a Escola Nacional da Magistratura será o fórum próprio para isso. Como medida complementar, promulgar, de pronto, a emenda que estende os poderes correcionais para o Conselho da Justiça Federal, como medida imprescindível.
5 – Como vê a questão da súmula vinculante ?
R – É outro ponto básico da reforma. A súmula vinculante tem que ser a súmula pura. E não esta história da súmula impeditiva de recurso, que isso já existe na prática e não funciona. Porque, se descobri a penicilina para curar determinados males, porque que terei que ir atrás de outro cientista para inventar outro tipo de medicamento igual a penicilina, se já tenho a penicilina. Da mesma maneira, é a súmula vinculante. Se o tribunal superior já entendeu que tais e tais questões terão aquele resultado, não precisa ser inventado tudo de novo se os resultados serão os mesmos. É só aplicar a súmula de uma forma vinculada.
6 – Mas existem os argumentos contrários, prevendo um engessamento da justiça com a medida. Qual sua opinião ?
R – Isso de dizer que a súmula vai engessar o juiz, vai tirar sua capacidade de pensar, isso tudo é uma balela, uma empáfia intelectual de quem se recusa a pensar. Porque o juiz não tem tempo para pensar é com esse monte de processos que lhe chegam às mãos, decidindo as mesmas questões ao mesmo tempo. A súmula vinculante é boa para os advogados, porque se o assunto já está vinculado o advogado pode cobrar dando ao cliente a certeza de que a causa será resolvida em tempo curto. E pode até colocar uma cláusula de êxito sobre o valor da causa, garantindo que a questão será resolvido em tal prazo e o que não estiver sumulado ele cobra numa tabela diferente. É bom para todo mundo, principalmente para a sociedade que vai pagar um menor custo na burocracia da justiça.
7 – E quanto à quarentena, disciplinando a volta dos juízes, depois de aposentados, a voltar a advogar, qual sua opinião?
R – É outro aspecto que tenho como fundamental. A quarentena não tem que ser feita só para os juízes. Ela tem que ser feita para os assessores, tem que ser feita para os parentes dos juízes e isso tudo de modo a que nós possamos ter um código de ética para toda a magistratura, para todo o ministério público, código esse que não seja apenas uma declaração de intenções, mas que possa prever sansões por desvios éticos. Isso tudo faz parte de um processo de construção da democracia que só vamos ter, repito, quando tivermos um poder judiciário capaz de responder aos desafios que a sociedade nos apresenta a cada instante.
8 – E quanto ao controle externo ?
R – Controle externo é uma expressão que se cunhou porque sequer existe na proposta constitucional. O que se fala é no Conselho Nacional de Justiça, que tem uma composição mista, que inclui Ministério Público, representantes da OAB, além de dois cidadãos eleitos pelo Congresso Nacional, sendo um representante da Câmara dos Deputados e outro do Senado Federal. Eu não vejo nada demais nisso. Porque na verdade o que se trata é de um colegiado onde teremos, democraticamente, representados todos os segmentos que operam direito e o Congresso, que faz as leis, também representado pelos políticos, categoria que não podemos ignorar numa democracia. Os juízes precisam estar afinados com os políticos, porque aplicam as leis que o Congresso aprova. Nos Estados Unidos, país considerado como a maior democracia do mundo, o Senado faz esse trabalho. Imagine aqui no Brasil o Senado desconstituindo decisões do STF. Em Portugal o corregedor chega em um tribunal, ou em uma vara, argüi o juiz e emite uma nota. Se a nota for baixa o juiz é mandado embora, por falta de vocação. Aqui no Brasil a gente fica com essa história de soberania. Soberano é o povo brasileiro, que paga a conta. E nós, juízes, temos que meter isso na cabeça. Cada centavo que se gasta na administração da justiça tem que ter uma resposta pronta. E essa resposta se chama eficácia. Não dá para ficar dez anos demandando na justiça para depois começar tudo de novo. O povo brasileiro precisa ser bem informado para estar esperto e saber cobrar. Só assim poderemos afundar as ilhas do nepotismo, as ilhas do atraso e fazer com que o Poder Judiciário ingresse realmente no século 21, porque em alguns aspectos ainda está no século 18.
9 – Existe hoje um clima de desconfiança mútua, para não dizer de animosidade, entre a imprensa e a justiça. O que pode ser feito para mudar isso ?
R – Muita coisa poderá ser feita e muita coisa já está sendo feita. Nós temos que ampliar os espaços dentro do Judiciário para os profissionais da comunicação social. E nós precisamos também que os meios de comunicação credenciem mais seus profissionais para a cobertura dos tribunais. E dentro dos tribunais é preciso abrir mais as sessões. Acabar com as sessões fechadas. A Constituição estabelece o princípio da publicidade na administração pública. E publicidade não é matéria paga no jornal, não é anuncio, não é edital. Publicidade é, principalmente, com que todas as ações sejam públicas. E eu sou a favor disso e tenho demonstrado isso. Quanto mais transparência melhor para a sociedade e melhor, portanto, para os meios de comunicação, que trabalham essa intermediação entre o povo que tem o direito de saber, o profissional de imprensa, que tem obrigação de tudo transmitir e a fonte, no caso, os juízes, que tem o dever de manter as portas de seus plenários abertas, porque as decisões sendo públicas, possam também ser entendidas, tudo em linguagem clara.
10 – E quanto ao combate ao crime organizado, qual sua posição ?
R – Nós precisamos ampliar as varas da Justiça Federal. Foram criadas agora 183 varas e por incrível que pareça, por falta de recursos, só serão implantadas nos próximos quatro anos. Precisamos trabalhar para que as varas sejam implantadas o quanto antes. Precisamos convencer o Executivo que a Justiça Federal, no caso, também contribui para a estabilidade do orçamento, na medida em que as execuções fiscais, não demorando, sendo rápidas, estarão ajudando a sustentar o orçamento. Por isso, não precisamos de 183, mas de cinco mil varas da justiça federal. O mais rápido possível. E dentre elas, especificamente, as varas especiais voltadas para o combate à lavagem de dinheiro. É preciso combater o crime organizado e dentro dele a pirataria, crime que considero talvez o mais danoso. Porque a pirataria vem com a casca de que está ajudando os desempregados, dando emprego ao camelô. Balela. Ali ninguém paga imposto. E não pagando imposto está esvaziando o orçamento público, fazendo com que o estado fique sem condições de cumprir com suas obrigações para com a sociedade. E um estado assim é um estado desmoralizado, sem poder responder às demandas da sociedade. E o povo vai perdendo sua fé na democracia, podendo ser levado à anarquia, como vem acontecendo em outros países. E precisamos enfrentar o crime organizado com um estado organizado, um estado forte, que tenha o povo ao seu lado ajudando a implementar as medidas que precisem ser tomadas nessa luta.