Uma decisão da 2ª Turma do TRF-2ª Região impede que a Fazenda Nacional apreenda o carro importado de um aposentado sob a alegação de que a lei proibiria a importação de carros usados, como é o caso do Chrysler Le Baron conversível, ano 1990, adquirido por ele. Segundo informações dos autos, o aposentado comprou o carro em 1999, em uma agência de automóveis na Tijuca (zona norte do Rio) e o levou para Vitória (ES). Em 1995, uma sentença da Justiça Federal havia permitido que o primeiro proprietário do veículo no Brasil – uma empresa revendedora de automóveis – importasse o carro usado, tendo sido pagas todas as taxas e tributos relativos à importação, como o IPI. Mais tarde, a sentença foi reformada pelo Supremo Tribunal Federal – STF, tendo a Receita Federal decretado o perdimento do veículo. Como o carro não foi localizado, a União Federal ajuizou ação de depósito contra seu proprietário anterior, que efetuou o depósito do valor do veículo, naquela ação. Esse valor foi convertido em renda da União. Em face disto, o juiz extinguiu o processo. Ocorreu que quatro anos após o aposentado ter comprado o carro que foi revendido no Rio e ter pago anualmente as taxas de licenciamento e o IPVA sem problemas, o Detran do Espírito Santo se recusou a renovar a licença do carro alegando que ele estaria em situação irregular no Brasil, atendendo o pedido da Inspetoria da Receita Federal do Rio, que pediu ainda que o carro fosse apreendido e que constasse do Registro Nacional de Veículos Automores – Renavam restrições à transferência, emplacamento e que, ainda, após retido, o automóvel fosse colocado à disposição da Receita Federal, para ser incorporado ao patrimônio da União. No entendimento do relator do processo na 2ª Turma, Desembargador Federal Antônio Cruz Netto, que recebeu a apelação em mandado de segurança do aposentado contra sentença de 1ª instância desfavorável ao seu pedido, a União não pode alienar duas vezes o mesmo veículo pois já recebeu o valor do carro na ação de depósito: “Concordar com isso seria homenagear o princípio do enriquecimento ilícito, na medida em que a União já recebeu o valor correspondente ao carro na ação de depósito, visto que, repita-se, o valor depositado foi convertido em renda dela”.
O aposentado havia impetrado o mandado de segurança na Justiça Federal do Rio de Janeiro contra a Inspetoria da Receita Federal do Estado alegando que agiu de boa-fé ao comprar o veículo que havia sido importado anteriormente por outra pessoa, já que, quando o adquiriu, certificou-se, por iniciativa própria, de que não havia quaisquer restrições para a transferência e emplacamento do carro, de acordo com informações do próprio Departamento Nacional de Trânsito – Denatran. Além disso, ele renovou por três anos seguidos o licenciamento do carro sem que o Detran acusasse qualquer irregularidade. Ele sustentou que sofreu a pena de perdimento do bem sem direito a recorrer sequer administrativamente, o que, para ele, violaria seu direito constitucional à ampla defesa, além de que essa pena, de acordo com o Código Tributário Nacional – CTN, só poderia ser aplicada nos casos de crime de contrabando “de alta de nocividade social”.
Já a Fazenda alegou que o CTN não levaria em conta a boa-fé e que o fato de o valor do carro ter sido pago à Receita não regularizaria a situação do veículo no Brasil. Por conta disso, o carro deveria ser convertido em patrimônio da União.
Em seu voto, o Desembargador Federal Antônio Cruz Netto afirmou que os tribunais superiores têm entendido que quando o comprador da mercadoria importada comprovadamente age de boa-fé, como no caso, em que o bem foi adquirido em estabelecimento comercial regularmente constituído, não pode ser aplicada a pena de perdimento. Para o magistrado, o consumidor que age de boa-fé não pode ser punido, ainda mais que, até a data em que comprou o veículo, não havia qualquer anotação de irregularidade nos registros do Detran: “É sabido que a demora na troca de informações entre os órgãos públicos, em casos como este, gera insegurança e pode causar danos àqueles que, de boa-fé, celebram negócios. Por outro lado, não se pode exigir do adquirente de mercadoria estrangeira, no mercado interno, a cautela de averiguar sua origem, sobretudo quando a importação, como no caso, foi feita por empresa regularmente estabelecida”.