Press "Enter" to skip to content

Projeto de pesquisa que trata de Sociologia, Arqueologia e Direito, Sociologia Jurídica.

EntrevistasApreciação de coleta de materialProdução acadêmica

1ª PARTE

A professora Gisele Leite conversa com o professor César Lotufo** sobre um projeto de pesquisas desenvolvido em Itaipu (Niterói).

– Oi pessoal! Hoje eu converso com o meu colega Lotufo sobre um interessante projeto de pesquisas que ele idealizou há cerca de 20 anos e vem batalhando por financiamento.

O projeto em fase inicial, busca parcerias com o Poder Público, a iniciativa privada e ONGs, de acordo com seu idealizador, para a criação de uma reserva arqueológica-ecológica-turística; um “laboratório” ao ar livre para cursos universitários; um diagnóstico sócio-ambiental local, além de produtos, tais como um livro-álbum sobre a trajetória geo-ambiental, histórico-cultural e social da região.

O professo Lotufo observa que, através do apoio da universidade, é possível traçarmos estratégias de propaganda e marketing do local, visando o desenvolvimento de parcerias para a execução do trabalho.

Arqueologia, Antropologia, Pré-História e História da região:

Há cerca de 12.000, começa o atual período interglacial que vivemos, com temperaturas mais elevadas que as de hoje, havendo submersão de diversas áreas litorâneas ocupadas por grupos humanos.

Há cerca de 4.000 anos, grupos nômades chegaram à área litorânea das lagunas, que se formaram com a diminuição da temperatura e do nível do mar para marcas próximas das atuais, onde passaram a adaptar-se ao ambiente do manguezal, alimentando-se de ostras, mexilhões, da pesca e da caça. Construíram suas habitações em palafitas ou em acampamentos nas áreas aterradas com as próprias conchas dos moluscos consumidos para esse fim.

Os vestígios desses povoamentos humanos sobre aterros feitos com restos de conchas, ossos de animais, sepultamentos humanos, artefatos de pedra e ossos encontrados em diversa áreas litorâneas do Brasil, de Santa Catarina ao Rio de Janeiro.

Outros grupos chegaram ao litoral, onde se adaptaram ao novo ambiente. Passaram a viver no alto das dunas, de onde podiam dominar o ambiente. A pesca com arpão e flechas não era tão eficaz quanto no mangue. Desenvolveram, assim, outro tipo de pesca: a de arrastão, com redes feitas de fibras de sisal, uma planta típica da vegetação local.

Observe-se que a técnica desenvolvida por estes grupos pré-históricos é a mesma utilizada até hoje, onde só mudaram os materiais e os meios de transportar as redes (as atuais são feitas de nylon, levadas por barcos a motor).

Há vestígios desse tipo e ocupação, por grupos que possivelmente deram origem aos Jês, com datação de aproximadamente 4.000 anos pelo método do “carbono 14”, em um sítio arqueológico na Duna Grande, localizada na praia de Itaipu, em Niterói – litoral fluminense.

Há cerca de 1.000 anos migraram, a partir da Bacia Amazônica, duas grandes levas de humanos – os Tupi, que vieram pelo litoral, os Guarani, que desceram ao longo dos Andes. Ao se reencontrarem formaram os Tupi Guarani que, ao invadir o litoral, expulsaram os antigos grupos ali estabelecidos.

Mais tarde, com a dominação portuguesa sobre o litoral brasileiro, esses grupos foram dizimados e, sobre seus povoados, construídas vilas e igrejas para reafirmar a dominação européia, principalmente através da ação dos jesuítas.

Na região de Itaipu, foram construídos engenhos, além de uma igreja e um recolhimento, que servia como retiro, para castigo de culpas ou para garantir a castidade das esposas e filhas dos senhores de engenho quando de suas longas viagens. Chamado pelos moradores de “convento”, suas ruínas foram parcialmente reconstruídas e abrigam atualmente o Museu de Arqueologia de Itaipu sob a administração do IPHAN – Ministério da Cultura.

Os índios, expulsos de seus antigos povoados construídos nos lugares mais altos, deslocaram-se para o interior, mas permanece, vivos na memória social local, que através da história oral, preserva os elementos tradicionais destes grupos pré-históricos ao mesmo tempo em que constrói uma identidade cultural para os atuais pescadores, descendentes dos fundadores da colônia aí estabelecida há cerca de cem (100) anos.

Este texto, originalmente, foi escrito pela aluna Sônia Forma de Souza, do 4º período do curso de Direito – unidade Ilha e professora de Física e Matemática, e foi modificado por Gisele Leite e César Lotufo com o objetivo de ilustrar este “bate papo”.

2ª PARTE

A Sônia Forma, que agora integra nossa conversa, descreve os locais de destaques das aulas-de-campo que integram o projeto.

Fala Sônia!!!!!

O Sítio Arqueológico da Duna Grande

Na subida voltada para o mar encontramos, a céu aberto, vestígio de ocupação humana pré-histórica junto resíduos de lixo atual, sobre um depósito geológico do tipo duna.

Esse vestígios pré-históricos consistem de vértebras de peixes trabalhadas para ornamentação, restos de ossos de mamíferos usados como utensílios, fragmentos de rochas utilizadas como machados, mós e mãos-de-mós, raspadores feitos de quartzo. Encontramos também resíduos de hematita, um corante mineral avermelhado que era utilizado pelos habitantes, juntamente com a limonita (coloração amarela), para repelir insetos quando misturado com óleo e aplicado sobre a pele.

Na parte mais alta não havia muito vestígios, o que indica que ali estavam localizadas as moradias que, para serem mantidas mais limpas, eram afastadas do local do trabalho e do depósito de detritos.

Do alto das dunas pudemos observar o processo de assoreamento da laguna, provocado artificialmente através da construção de barreira feitas de pedras que, ao isolarem partes da laguna próximas às margens, levam a uma diminuição de seu nível e facilitam o aterramento desses trechos.

Está em curso uma crescente descaracterização da geografia local, devido à especialização imobiliária, com impacto ambiental direto sobre o ecossistema do manguezal associado à laguna de Itaipu.

A Igreja

Na igreja (Paróquia de São Sebastião de Itaipu) pudemos observar características comuns às daquelas construídas pelos jesuítas: edificação na parte mais elevada do lugar, geralmente sobre os despojos dos povoados nativos, e fachada típica, embora o portal da igreja de Itaipu não seja arredondado como os das igrejas jesuíticas (assemelhados a carrancas, onde a porta seria uma boca gigantesca e as janelas seriam os olhos, com a finalidade de assustar os nativo, segundo uma crença local).

A igreja é uma construção do séc. XVIII (a placa indica que as obras foram concluídas em 1716), com estrutura sólida e utilizando vigas de pedras, que podem ser vistas entre a lateral e os fundos do prédio.

O Museu

No Museu de Arqueologia de Itaipu, que funciona na parte restaurada das ruínas do antigo Recolhimento de Santa Tereza, encontramos diversas peças e artefatos, representativos do tipo de ocupação humana no litoral do Rio de Janeiro na pré-história brasileira, dos períodos pré-cerâmicos e cerâmico – principalmente sambaquis e acampamentos dos grupos que habitavam o alto das dunas.

Encontramos também maquetes representando diversos tipos de sítios arqueológicos, bem como um esqueleto humano incompleto encontrado na região, além de uma maquete do próprio museu e cartazes explicativos sobre o modo de Cida das comunidades que deram origem ao material ali exposto.

Os cartazes educativos explicam como eram feitos vasos com secção reta circular ou arredondada, pela sobreposição de anéis de argila concêntrico, uma vez que essas comunidades não conheciam a roda.

– Vou retornar a palavra e perguntar para o Lotufo que linhas de pesquisa ele vislumbra neste projeto.

– Bem, posso destacar, Gisele, as seguintes linhas de pesquisa, inicialmente:

Direito.

Junto à comunidade de pescadores local, herdeira cultural dos antigos grupos de pescadores indígenas, será pesquisado o nível de acesso dessas pessoas à justiça, principalmente face à crescente especulação imobiliária local, já descaracterizado pela presença do novos moradores e, mais recentemente, pelos veranistas. Além disto, podemos trabalhar com Direito Ambiental e os fenômenos sociais locais.

Turismo.

A área será objeto de estudos quanto a estratégias para o aproveitamento de seu potencial turístico sem danos à cultura e à ecologia do local (mapeamento geo-ambiental e cultural das potencialidades turísticas locais). A criação de um eco-museu (museu de superfície ampla; ao ar livre) e um curso de guias turísticos locais também estão nos planos.

Letras.

Os hábitos culturais e lingüísticos da comunidade serão estudados por alunos e professores do curso de Letras. A narrativa enquanto fenômeno antropológico de memória social estará presente no livro sobre a história da colônia dos pescadores.

Psicologia Social.

Estudos comportamentais da comunidade local diante dos atuais impactos ambiental e tecnológico, e assistência orientada dos moradores, por alunos e professore de Psicologia.

Educação Ambiental e Patrimonial.

Trabalho interdisciplinar visando a divulgação e conscientização sobre a importância da região em contexto local, regional e até nacional.

3ª PARTE

– Agora, vamos deixar o Lotufo falar.

– Fala Lotufo!!!

– Prezada Gisele, precisamos levar muito a sério esta pesquisa multi e interdisciplinar no litoral de Itaipu, pois se trata de uma oportunidade – talvez única –, de desenvolvermos, a partir da abordagem holística, a tão apregoada – e desejável – promoção sócio-ambiental, em consonância com o paradigma da sustentabilidade. Basta uma simples leitura dos trabalhos de Fritjo Capra e Leonardo Boff para localizamos a nosso olhar em direção ao sentimento humanístico da cosmo-ética.

Precisamos, de uma vez por todas, compreender que é o fio condutor antropológico quem tece a teia de construção do conhecimento. Esta complexa malha que envolve a formação profissional dos nossos alunos, futuros advogados, psicólogos, turismólogos, lingüistas, comunicólogos e professores, dentre outros, é construída através do diálogo intelectual da Antropologia, Arqueologia, Sociologia, Filosofia, História, Geografia e Ecologia com as esferas pragmáticas das áreas Jurídica, Comportamental, Informacional, Gerencial, Administrativa e Pedagógica. Para ilustrarmos a nossa fala, vale lembrar, por exemplo, que o Direito, antes de ser jurídico, é sociológico, e, como a sociedade é uma invenção da cultura e a cultura (humana, já que hoje, discuti-se a presença dela em outros animais) é o objeto de estudo da Antropologia, então o Direito é antropológico. O que nos permite falar em Antropologia Jurídica; Antropologia da Informação; Antropologia Lingüística, etc.

Não podemos caminhar na contramão da construção do conhecimento. Os parceiros já estão aí: os nossos alunos participam cada vez mais das aulas-de-campo pertinentes ao projeto, desejando colaborar e forma efetiva, a partir das áreas de saber das profissões que vão exercer daqui a pouco, através de uma ética humanitária e cidadã que pretendemos cultivar através de projetos acadêmicos deste tipo.

Depois de dezessete anos como professor universitário e trabalhando com comunidades tradicionais em vias de extinção, em um estado do Rio de Janeiro pressionado pelos impactos “modernosos” da globalização, percebemos hoje, que temos humildade em dose suficiente para solicitarmos auxilio aos parceiro, que acabaram se envolvendo – emocionalmente –, com esta visão quixotesca, até então, de um megaprojeto acadêmico que pudesse em um só local a memória, sociedade, cultura e ambiente, ao mesmo tempo em que pudesse promover socialmente esta mesma região através da disseminação dos ensinamentos universitários e das novas tecnologias de uma melhor qualidade de vida.

Hoje contamos com o seu apoio professora Gisele Leite, nos estudos sociológicos e jurídicos da solidariedade social, da divisão do trabalho, do Direito Ambiental, da constituição jurídica da reserva extrativista de pesca e do acesso desta comunidade tradicional à justiça.

O professo Juvenal Portela – jornalista premiado e que lecionou no curso Comunicação Social –, está cuidando da cobertura jornalística e do texto-reportagem de parte do livro que estamos escrevendo sobre a memória deste povo. Aliás, tem feito abordagens de campo muito boas no sentido de apurar fatos e coletar informações com moradores da colônia.

Uma outra conquista é a de poder contar com a psicóloga professora Eulina Lopes – do curso de Psicologia –, e que assume, na linha da Psicologia Social a responsabilidade pela investigação sobre os efeitos dos impactos ambiental e tecnológico no comportamento dos habitantes da colônia.

O arqueólogo professor Alfredo Claussen – leciona nos cursos de Psicologia e Fisioterapia –, desenvolve nesta região um interessante trabalho envolvendo Arqueologia, Ecologia e Turismo.

Ainda assim contamos com o premiado roteirista e professor do curso de Cinema Francesco Trotta, com quem pretendemos aprender um pouco sobre a produção de documentários etmográficos.

Do “lado de lá” da Baía de Guanabara, depois de removermos algumas barreiras culturais, conquistamos o apoio – fundamental –, do sr. Aurivaldo José Almeida – localmente conhecido como “seu Barbudo” –, presidente da Colônia de Pescadores (Z-07) de Itaipu, e que está abrindo os arquivos de memória local para o nosso chefe de reportagem, professor Portela.

Além deste fato, já contamos com o apoio do jornalista sr. Laudessi Torquato Soares, que atualmente ocupa o cargo de Diretor do Museu Arqueológico de Itaipu (MAI – IPHAN).

Do “lado de cá” contamos com a simpatia, apreço e o apoio moral de coordenadores de curso-unidade acadêmica e coordenadores de disciplina como o professor Ney Calvano, professor Cleyson Mello, professora Edir Figueiredo e o professor Renato Brandão.

Encerrando esta falação, agradecemos o apoio que estamos recebendo de colegas, de alunos, de ex-alunos, de pescadores e de pessoas ligadas ao Poder Público local, ao mesmo tempo em reafirmamos acreditar neste projeto, que alia diretamente o conhecimento científico-acadêmico, o saber local e o gerenciamento público do Patrimônio Natural e Cultural, todos envolvidos por uma frágil teia sócio-ambiental, cosmo-ética, histórica cidadã que temos o dever de protege-la; mais do que isso: de reforça-la.

“I Have a drean”.

(Martin Luther King – 1968)

Dados conferidos pelos interlocutores