O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, afirmou hoje (13), em visita às justiças estadual e federal em Manaus (AM), que “se querem tirar do Judiciário as suas prerrogativas, todavia não podem arrancar-nos a voz”, numa clara referência à proposta de controle externo do Poder Judiciário defendida pelo Executivo. Naves participou de uma cerimônia no Tribunal de Justiça estadual e na oportunidade recebeu a medalha do Mérito Judiciário.
Nilson Naves esclareceu que o STJ contribuiu com propostas enviadas ao Congresso Nacional para compor o texto da reforma do Judiciário. Entre as principais sugestões o ministro cita a purificação da atual distribuição das competências (STJ e STF), a súmula vinculante, admissibilidade do recurso especial, poderes correicionais ao Conselho da Justiça Federal, a criação da Escola Nacional da Magistratura, a substituição do precatório, a criação dos juizados de instrução, bem como a sugestão de criação do Conselho Nacional de Justiça composto exclusivamente de membros do Judiciário.
O ministro destaca que o projeto tem sido alvo de mudanças e inovações protelatórias. E que uma das últimas “é a incoerente proposta de um controle externo do Judiciário, que afronta a cláusula pétrea da independência dos Três Poderes”. Nilson Naves alerta que é imperativo combater aquela idéia. “Caso contrário, seremos cúmplices de incontestável violação de um dos básicos atributos do Estado democrático de direito e da tripartição. E se não tivermos dito nada, já não poderemos dizer nada mais”.
Íntegra do discurso do presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal, ministro Nilson Naves:
Com grande satisfação, compareço a este colendo Tribunal para receber a comenda Grã-Cruz do Conselho de Ordem do Mérito Judiciário, condecoração que muito me dignifica e que, antes de tudo, honra a Corte que presido e nesta hora represento, o Superior Tribunal de Justiça – órgão convergente das Justiças comuns, a federal e a estadual, verdadeiro desaguadouro do Judiciário brasileiro.
E se o momento é assim significativo, não menos o foram os que o antecederam, pois, quando me foi comunicada a outorga, logo me vieram à memória fatos que teceram a história do Estado brasileiro possuidor da maior biodiversidade do planeta, também de exuberante folclore e de rico acervo lingüístico. História que, assim entremeada de cores, não deixou de ter marcas profundas motivadas pela luta em prol da formação de uma consciência crítica nacional, à qual associo os nomes Mendonça Furtado, Manuel da Gama Lobo D`Alamada, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, José dos Santos Inocentes, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, Manoel Gomes Corrêa de Miranda, Eduardo Ribeiro, Paulino de Brito, Estelita Tapajós, Aprígio Martins de Meneses e tantos outros ─ poetas, filósofos, historiadores, sociólogos, políticos e juristas ─ que, de alguma forma, participaram da construção política do Amazonas, ora cantando e registrando suas glórias, ora sofrendo as dores de sua concepção.
A propósito, a história da Capitania de São José do Rio Negro, criada em 1755, depois Província do Rio Negro, 1832, a seguir, Província do Amazonas, prerrogativa alcançada em 1850, hoje Estado do Amazonas, instituído em 1891, é uma história de jogo de poder, de inconformismo, às vezes de injustiças, mas, sobretudo, de perseverança. Na espera de quase um século para a transição de capitania a província, experimentou a deflagração constante de conflitos internos que fortaleceram, na alma do povo, o sentimento nativista e a coragem cívica para conquistar sua autonomia. Na verdade, esse intervalo só contribuiu para o amadurecimento dos ideais de liberdade e independência, que fariam o Amazonas envolver-se com o movimento pró-independência do Brasil e, mais tarde, com outra grande causa social: a abolição da escravatura. Destaque-se que, já naquela época, mostrava-se à frente de seu tempo, pois aqui nasciam as primeiras leis abolicionistas do país.
Importa-nos, especialmente, relembrar que a história da Justiça neste lugar remonta ao período de sua instituição como capitania. O poder exercido pelos jesuítas foi transferido por lei régia para juízes ordinários, vereadores e oficiais de justiça. Não obstante a proclamação da Província do Rio Negro, em junho de 1832, a partir de dezembro do mesmo ano, com a promulgação do Código de Processo Criminal, nova ordem judiciária foi estabelecida; sua aplicação reduziu a sufocada Província do Rio Negro a simples Comarca da Província do Grão Pará. Depois de anos de luta e esperanças frustradas, em 1850, foi atendida a grande aspiração dos amazonenses: nascia, assim, a Província do Amazonas. E para ratificar o ideal de autonomia, igualmente de grande alcance, para a administração da justiça, em 3 de fevereiro de 1874, instalou-se o Tribunal provincial.
Com o advento da República, a Constituição de 1891 instituiu o Estado Federativo, e o Poder Judiciário, unitário durante o Império, bipartiu-se dando origem à Justiça Federal, vinculada à União, e à estadual, no âmbito das unidades da federação. Assim, no dia 4 de julho do mesmo ano, instalava-se a Corte local, denominada, à época, Superior Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, órgão que assentou seus alicerces aqui e projetou-se como estrutura idônea no país, para apoiar os que reclamam por justiça.
Como testemunho dessa idoneidade, cito episódio de 1964 em que o Judiciário amazonense, ao exercer o dever que lhe cabia de julgar com absoluta isenção e imparcialidade, enfrenta a ingerência de outro Poder, quando o juiz de direito Oswaldo Salignac de Souza foi castigado com a aposentadoria por ter absolvido, em processo regular, um réu que o governador Arthur Reis queria ver condenado. Para não se curvar ao arbítrio do Executivo, o Desembargador Presidente João Pereira Machado Junior, com a anuência de seus pares, suspendeu, em sinal de protesto, as atividades judicantes em todo o Amazonas, até serem devolvidas à magistratura as garantias constitucionais que a amparavam – uma resposta segura e consciente ao desacato ao Estado democrático de direito.
Com efeito, a grandeza desses exemplos nos inspira permanecer na luta pela tão necessária reforma do Judiciário, para a qual o Superior Tribunal está contribuindo, por exemplo, com as sugestões enviadas ao Legislativo; entre outras, cito as referentes à purificação da atual distribuição de competências, à súmula vinculante, aos casos de inadmissibilidade do recurso especial, aos poderes correicionais do Conselho da Justiça Federal, à Escola Nacional da Magistratura, à substituição do precatório, aos juizados de instrução e, mormente, ao Conselho Nacional de Justiça composto apenas por membros da magistratura. Infelizmente, o projeto tem sido alvo de mudanças e inovações protelatórias. Uma das últimas é a incoerente proposta de um controle externo do Judiciário, que afronta a cláusula pétrea da independência harmônica dos três Poderes.
Diante disso, inadiável a luta pelo fortalecimento dos princípios relativos à independência e à soberania deste Poder; uma conquista que não se alcançará por meio da omissão. Se querem tirar ao Judiciário as suas prerrogativas, todavia não podem arrancar-nos a voz. É imperativo, pois, combater aquela idéia. Caso contrário, seremos cúmplices de incontestável violação de um dos básicos atributos do Estado democrático de direito e da tripartição dos Poderes. E se não tivermos dito nada, já não poderemos dizer nada depois.
Estou certo, porém, de que o povo amazonense, porquanto lutou com pertinácia pela sua organização política, pela soberania do Brasil, pela abolição da escravatura e pela independência da magistratura, lutará, de igual modo, em defesa de um Judiciário soberano, sem o qual não haverá democracia que valha a pena.
Sensibilizado, agradeço à Desembargadora Marinildes Costeira de Mendonça Lima, bem como aos demais membros deste Tribunal, a escolha do meu nome como alvo de tamanha honraria. Sinto-me, assim, agraciado pela riqueza desta terra, que é, antes de tudo, a riqueza do seu povo. Muito obrigado.