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Direito de reciprocidade no tratamento conferido no ingresso de estrangeiros: uma questão de soberania nacional

Direito de reciprocidade no tratamento conferido no ingresso de estrangeiros: uma questão de soberania nacional e direitos humanos

Após o 11 de setembro, os Estados Unidos adotaram uma espessa camada de restrições em relação a entrada de imigrantes no país. Esta medida é perfeitamente aceitável juridicamente, já que os Estados Unidos é soberano para adotar a forma de ingresso interno que julgar necessária, sendo inerente à sua soberania.

As medidas adotadas surtem efeitos econômicos, principalmente na quantidade de pessoas que preferem mudar de curso a adaptar-se às novas condições de ingresso e aos perigos de atos terroristas, como demonstram as recentes pesquisas realizadas.

Não é novidade os relatos de humilhação e vexame com que brasileiros se indignam. A reação ao tratamento parece natural, porque quando vamos à casa de um amigo esperamos ser cordialmente recebidos, bem tratados e principalmente esperamos possuir presunção de honestidade e retidão.

OS EUA adotaram o programa “US_VISIT” como forma de garantir a proteção dos americanos, argumentando ser uma medida de segurança nacional. Não discordamos que o programa seja necessário, principalmente diante do Iraque ocupado. Entretanto, a situação dos Estados Unidos nada tem haver com o Brasil, nem mesmo há indícios de que há terroristas brasileiros dispostos a perturbar a dourada “liberdade americana”, de forma que se trata de um ato xonofóbico, agressivo, ultrajante e atentatório aos direitos humanos, explicitados na dignidade da pessoa humana, objeto de inúmeros tratados ratificados pelo Brasil e pelos Estados Unidos.

Cumpre observar que a negativa do visto não é um ato ofensor aos direitos humanos, pois trata-se de uma concessão, mas o modo de tratar o imigrante o é. Nenhum país é obrigado a receber um imigrante que não deseje, mas agindo assim, assume o ônus de submeter-se às mesmas condições. O bom tratamento gera cordialidade, ao passo que o mau gera animosidade.

O Brasil repeliu os tratamentos humilhantes ou degradantes até mesmo para os segregados, de forma que gozamos de tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, ao menos em tese, ao qual estendemos aos estrangeiros que queiram ingressar em nosso país. A dignidade da pessoa humana e os direitos humanos devem ser perseguidos pela União, sendo seu dever constitucional lutar para sua manutenção internacional.

O grande problema é que a forma de tratamento dos nossos nacionais nos EUA é inaceitável do ponto de vista da nossa soberania nacional. Estamos sendo tratados como se bandidos fôssemos. Tratamento este incompatível com o que destinamos aos imigrantes americanos. Revistas e negativas injustificadas de ingresso no país, mesmo portando o visto são comuns aos turistas ou estudantes brasileiros, de forma que os tratados internacionais que impunham o tratamento digno recíproco estão flagrantemente sendo violados.

O dado mais afrontoso é que nem todos são tratados da mesma forma, os europeus têm a prerrogativa da presunção de idoneidade, sendo presumidamente não terroristas e uma não ameaça, principalmente pelo peso econômico de uma retaliação e pela riqueza crescente da União Européia. Enquanto os brasileiros são presumidamente perigosos e potencialmente terroristas. De onde surgiu esta presunção não sabemos, mas conhecemos seus efeitos nefastos em nossa moral subjetiva. Podemos afirmar que estamos sofrendo uma discriminação internacional, um preconceito infundado e inaceitável para nossa soberania nacional.

A partir de hoje, 01.01.2004, primeiro dia do ano, inicia-se a paridade de tratamento para com os americanos, ou seja, adotaremos o nosso plano “BRAZIL_VISIT”, que certamente é inspirado no plano deles. E, já que o tratamento que os EUA destinam aos brasileiros é para garantir sua segurança, podemos afirmar que o tratamento que daremos a eles também irá nos assegurar mais segurança porque os americanos são alvo de ataques e do ódio de muitos povos, sendo inseguro recebê-los em nosso território sem rigoroso controle.

Esse novo tratamento está assegurado pela liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Ação Cautelar proposta pelo Ministério Público Federal. O juiz federal Julier Sebastião da Silva embasa-se na assertiva de que enquanto durar os atos de discriminação aos brasileiros, uma vez que os europeus recebem tratamento diferenciado, o Brasil está autorizado a impor aos americanos o mesmo tratamento.

O tratamento é a identificação fotográfica e papiloscópica (impressões digitais) de todo americano que deseje ingressar no país. Certamente os americanos não irão gostar da medida na exata proporção em que os brasileiros sentiram-se ultrajados. Dessa forma, os EUA irão reavaliar o tratamento dados aos brasileiros, uma vez que além da humilhante identificação, ainda passam os brasileiros por revistas, entrevistas, imensas filas nos consulados e triagens, onde sem explicação são recusados e deportados. Isto tudo, após ficarem detidos como se criminosos fossem.

Diante da omissão do Governo Brasileiro o Ministério Público foi em defesa da dignidade dos brasileiros e da soberania nacional, como era de se esperar. O Direito internacional público rege-se pelo princípio da reciprocidade, muito utilizado para questões tributárias não regulamentadas, e que serve em demasia para solucionar a questão. Por este princípio, existe o direito de impor o mesmo tratamento recebido, seja em que seara for, o que certamente resultará na retirada do Brasil da lista dos países perigosos, ou então os americanos terão de acostumar-se a sofrer as mesmas humilhações que os brasileiros em seu país.

A Polícia Federal é o órgão responsável pela execução da medida e iniciou os trabalhos sem maiores alardes. O mais incrível é que seja necessária uma decisão judicial para o Governo Brasileiro atentar para o que de há muito acontecia. A omissão governamental chega a ser entendida como subserviência, submissão o que não se coaduna com a idéia de soberania do Brasil.

A reação do Ministério das Relações Exteriores foi tímida e reservada, de forma que podemos esperar, até mesmo, que o Governo Federal recorra da decisão.

Fato que não irá passar incólume pela mídia. O recurso, se interposto pela Advocacia Geral da União, tem pouca chance de prosperar porque não há argumentos fáticos para justificar uma recusa do nosso governo em agir nesta questão, principalmente diante do tratamento dado a Celso Lafer (ministro das relações exteriores de Fernando Henrique Cardoso) que teve de retirar os sapatos para adentrar em solo americano. Na época, Lula era candidato à presidência e disse que “em seu governo, tamanho desatino não teria acolhida e seria repelido de imediato”, o que seria uma recuada de posição desmoralizante para o nosso Presidente. Juridicamente a situação muda, uma vez que existem saídas jurídicas para quase tudo, e como diria um sábio magistrado aposentado de Sergipe “de cabeça de juiz e bumbum de neném, ninguém sabe o que vem”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARIA, Marília Gabriela Ferreira de. Concessão de vistos para estrangeiros no Brasil. Das disposições pertinentes contidas no Estatuto Estrangeiro (Lei n° 8.815/1980, à luz do Decreto n° 86.715/1981). Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2003.