O espólio (bens deixados pelo falecido) deve continuar pagando alimentos a quem o falecido pagava antes de sua morte. Essa obrigação vale até para os alimentos que ainda deverão vencer. O entendimento é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo os ministros, que decidiram por maioria de votos, o possível herdeiro do falecido “não pode ficar sem condições de subsistência durante o processo de inventário dos bens deixados”.
A menor A, representada por sua mãe, moveu uma ação de alimentos contra o espólio de J. De acordo com a ação, o falecido prestava alimentos à menor e, com sua morte, não poderia deixar de cumprir a obrigação. O Juízo de primeiro grau determinou o pagamento pelo espólio (no caso, representado pela inventariante dos bens deixados) de alimentos no valor de sete salários mínimos mensais.
Inconformada, a inventariante, representando o espólio, questionou a decisão de primeiro grau. Ela interpôs um agravo (tipo de recurso) afirmando que a prestação de alimentos teria caráter personalíssimo e, por esse motivo, não poderia ser transmitida aos herdeiros do falecido.
Para a inventariante, a obrigação de pagar os alimentos à menor extinguiu-se com a morte do alimentante, fator que geraria a extinção do processo, e não a concessão dos alimentos. A inventariante afirmou ainda que o espólio não teria renda, o que impediria o pagamento dos alimentos. A menor contestou as alegações da responsável pelo inventário do falecido afirmando sempre receber a assistência moral e material do espólio, com educação, vestuário, habitação, lazer e alimentos.
O Tribunal de Justiça do Estado onde reside a menor rejeitou o agravo mantendo a obrigação do espólio de prestar alimentos. O TJ destacou jurisprudência (entendimento firmado) no sentido de que “cabe ao espólio a obrigação de prestar alimentos a quem o “de cujus” (falecido) os devia, e até que se opere a partilha nos autos do inventário”. O entendimento, segundo o TJ, estaria baseado no artigo 23 da Lei 6.515/77.
O TJ enfatizou ainda que o alimentante, no caso o espólio representado pela inventariante, não teria comprovado a falta de condições econômico-financeiras para cumprir a obrigação de prestar os alimentos. Diante disso, “não há como lhe deferir a pretensão de exoneração da obrigação”.
Tentando modificar as decisões anteriores, o espólio, representado pela inventariante, entrou com um recurso especial. O recorrente alegou que o TJ teria contrariado o artigo 402 do Código Civil (de 1916, vigente à época do processo), pois o artigo 23 da Lei 6.515/77 não teria revogado o 402.
O recorrente reiterou a alegação de que a obrigação de prestar alimentos teria caráter personalíssimo sendo intransmissível aos herdeiros do espólio, além do fato de o espólio não ter renda para arcar com a despesa. Ainda segundo o recurso, o falecido não teria deixado dívida alimentícia e a obrigação para com a menor não teria sido fixada em razão de separação ou divórcio de seus pais, motivo pelo qual não poderiam os herdeiros do espólio serem obrigados a prestar os alimentos.
O julgamento teve início na Segunda Seção antes da aposentadoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do caso. Ruy Rosado rejeitou o recurso mantendo a obrigação do espólio de prestar alimentos à menor. Em seu voto, Ruy Rosado destacou que o assunto em questão – obrigação do espólio de prestar alimentos – realmente teria decisões divergentes nas Turmas do STJ que analisam esse tipo de questão (Terceira e Quarta Turmas).
O relator lembrou voto de sua relatoria em caso anterior sobre o mesmo assunto entendendo que o artigo 402 do CC (de 1916) foi revogado pelo 23 da Lei do Divórcio. “A melhor alternativa decisória é aquela que assegura ao filho necessitado o direito de obter do espólio os alimentos que este possa fornecer, em substituição àqueles que o menor recebia em vida do autor da herança, até o pagamento dos quinhões, quando então presumivelmente o alimentando poderá extrair dessa quota o necessário para a sua sobrevivência”, destacou o ministro na decisão anterior.
Ruy Rosado também rejeitou o argumento de que a inexistência de prova de rendimentos do acervo impede a concessão de verba alimentar. “O credor tem direito a eles (alimentos), ainda que não produzam rendas ou recursos líquidos, bastando a existência de patrimônio suficiente para suportar o ônus”, destacou o relator.
Ruy Rosado finalizou seu voto mantendo seu entendimento anterior “de que o espólio tem o dever de prestar alimentos àquele a quem o de cujus devia, mesmo vencidos depois da morte do obrigado”. O relator ressaltou que, no entanto, no caso em questão, não se examina “se essa obrigação persiste uma vez findo o inventário e pagas as quotas devidas aos herdeiros; porém, enquanto isso não acontece, o autor da ação de alimentos e presumível herdeiro do de cujus, com direito à sua quota, não pode ficar sem condições de subsistência durante o processo de inventário dos bens deixados”.
Os ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Barros Monteiro, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Castro Filho acompanharam o voto de Ruy Rosado. O ministro Ari Pargendler divergiu do relator. Ele votou no sentido das decisões da Terceira Turma de que a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos, prevista no artigo 23 da Lei 6.515/77, é restrita às pensões devidas em razão da separação ou divórcio judicial, cujo direito já estava constituído à data do óbito do alimentante – o que não seria o caso em questão.
Em virtude da aposentadoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar, a finalização do relatório e do voto a serem publicados no Diário da Justiça será realizada pelo ministro Fernando Gonçalves, primeiro a acompanhar o voto do relator na Segunda Seção.