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Desemprego é Inconstitucional

Convidado a escrever sobre o “Princípio da Responsabilidade Social”, afora os dantescos dados estatísticos apresentados por instituições respeitáveis, acabo chegando a uma conclusão inesperada: desemprego é inconstitucional. O relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas, de 2000, revela que a disparidade de renda entre os países mais ricos e os mais pobres:

ANO / RENDA PER CAPITA

1820 / 3 : 1
1973 / 44: 1
1992 / 72: 1
1999 / 80: 1

Segundo o mesmo relatório, a renda per capita, entre 1990 e 1998 caiu nos cinqüenta países mais pobres e aumentou nos 28 mais ricos. Cerca de 1,2 bilhão de pessoas (o que equivale a 1/5 da população) mundial vivem em nível de miséria absoluta. Cerca de 200 crianças morrem por hora nos países do Terceiro Mundo, em conseqüência da desnutrição e de doenças banais, para as quais a cura seria simples, desde que houvessem recursos de atendimento. Segundo o “Relatório do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento – Aprofundar a democracia num mundo fragmentado” – de 2002. durante a Conferência do Milênio, promovida pela ONU em setembro de 2000, 191 países – a maioria dos quais representados na conferência pelos seus chefes de estado ou governo, subscreveram a declaração do milênio, a qual estabeleceu um conjunto de objetivos para o desenvolvimento e a erradicação da pobreza no mundo, as chamadas metas de desenvolvimento do milênio (Millenium Development Goals – NDGs).As oito metas são:

  • A erradicação da pobreza e da fome
  • A universalização do acesso à educação primária
  • A promoção da igualdade entre os gêneros
  • A redução da mortalidade infantil
  • A melhoria da saúde materna
  • O combate à AIDS, malaria e outras doenças
  • A promoção da sustentabilidade ambiental
  • O desenvolvimento de parceiras para o desenvolvimento.

    De acordo com o plano, as metas devem ser atingidas, em sua maioria, num período de 15 anos (entre 1990 e 2015).

    A ser sincera a vontade política de atingir essas metas, o papel do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial há de ser questionado. Alguns exemplos da histórica falta de sintonia entre essas instituições e a responsabilidade social são flagrantes: “(…) a Tanzânia, assim que assinou os termos da “ajuda econômica” com o FMI, viu seu produto interno bruto cair de 309 para 210 dólares per capita; a taxa de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza absoluta subir 51 por cento e o analfabetismo crescer cerca de vinte por cento. Como o país apresentava um quadro de expansão da epidemia da AIDS, os técnicos do FMI recomendaram que os hospitais públicos passagem a cobrar taxas de consulta e internação, o que fez com que a freqüência das pessoas aos hospitais caísse em 53 por cento. Resultado: o país tem hoje 1,4 milhão de pessoas esperando para morrer. ”

    Na América Latina, o Brasil tem as mais altas taxas de concentração de riqueza. Esta situação foi agravada pelos efeitos dos pactos de “ajuda financeira” acertados com o FMI e o Banco Mundial, desde o início dos anos 90.

    A síntese de indicadores sociais de 1999, do IBGE, o um por cento mais rico da população detém 13,8% da renda total, enquanto os cinqüenta por cento mais pobres ficam com 13,5% da renda. Vinte por cento das famílias vivem com renda per capita de meio salário mínimo.

    O descompasso experimentado entre os países ricos e as empresas transnacionais de um lado e, de outro, os países menos desenvolvidos levou à ilusão, implementada na prática, de que o modelo de eficiência adotado pelos mais ricos é o ideal para arrancar os mais pobres da sua condição de pobreza. Se a empresa é lucrativa, o Estado que adotar o mesmo modelo também há de ser. A experiência tem mostrado a ineficiência na ponta da “distribuição dos lucros”, como acabamos de apontar. Neste contexto, ganha importância a atuação da sociedade organizada, das associações civis, das Organizações Não Governamentais -ONGs. O Relatório da ONU, de 2002, espelha a influência dessas organizações:

    “(…) pela primeira vez, se estabeleceu de forma categórica que os direitos humanos devem necessariamente incluir direitos econômicos, sociais e culturais e não apenas direitos civis e políticos, conforme estabelecera a tradição liberal. O que significa que o bloqueio sistemático a possibilidades de prosperidade, promoção social ou acesso à educação, à informação e aos meios de criação e expressão cultural constituem violações de direitos humanos. Esse princípio ético-jurídico comporta amplas e notáveis conseqüências. Ele implica que os responsáveis por tais violações, sejam autoridades locais, grupos econômicos ou instâncias internacionais, serão passíveis de julgamento em tribunais internacionais por crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente. ”

    O preâmbulo da Constituição da Republica Federativa do Brasil afirma que lhe cabe “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento…”

    Discute-se sobre o caráter do preâmbulo: normativo ou não- normativo? Negam o caráter normativo Alexandre de Moraes , J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira , Quiroga Lavié , Miguel Angel Ekmekdjian , Pinto Ferreira . Asseguram o caráter normativo: German Bidart Campos , Tupinambá Miguel Castro Nascimento , Edouard Laferrière, Roger Pinto, Georges Burdeau, Carl Schmitt, Hans Nawiaski, Paolo Biscaretti di Ruffia e Giese .

    Entre os fundamentos do Estado brasileiro (artigo 1º da Constituição) se encontram: “dignidade da pessoa humana” e “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.Segundo Alexandre de Moraes, “somente pelo trabalho o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador “.

    O artigo 6º da Constituição brasileira assevera que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados…”

    Estes são direitos fundamentais do homem, que se caracterizam como liberdades públicas positivas, de observância obrigatória por um Estado Social de Direito. Definidos como foram na Constituição, no capítulo dos direitos sociais, resulta que o dispositivo é auto-aplicável, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º. Na esteira, aliás, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Artigo XXIII – Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”Independentemente de outros argumentos, estes bastam para afirmar que, no mundo, o princípio da responsabilidade social está presente nas normas jurídicas constitucionais. No Brasil, expressamente. Entre eles, o direito ao trabalho.

    Cabe perguntar: pela disposição expressa da Constituição, desemprego seria inconstitucional?

    Voltemos ao artigo 6º: o trabalho é direito social. Mas também são a saúde, a moradia, o lazer, a segurança…

    O conceito de trabalho é mais amplo do que o de emprego. O trabalhador autônomo, o camelô, o biscateiro, o “empresário” informal, o sub-empregado podem ser incluídos na categoria no gênero de que empregado é uma espécie. Nessa linha de raciocínio, o que se interpreta da Constituição é que cada indivíduo tem direito a produzir alguma renda que propicie o seu próprio sustento. A própria Constituição ressalva, por exclusão e em outros dispositivos, as crianças, os inválidos, os aposentados, etc. A exceção confirma a regra.

    Uma interpretação outra, possível, seria a de que, assim como a saúde, o lazer, ao se cuidar de trabalho, cuida-se do imponderável.

    A oferta de trabalho não depende de opção política ou econômica, mas sim de fatores vários externos ou internos que podem levar ao desequilíbrio a equação demanda trabalho X oferta de trabalhadores. Baixa demanda gera desemprego ou “destrabalho”.

    Comparando, exemplificativamente, a questão do “destrabalho” com a questão da doença (já que saúde também é direito social), pode-se verificar que as situações não são iguais. Grande parte das doenças, antigas ou recém-instaladas no país está imune à intervenção estatal. Aqui, sim, temos o imponderável sobre os quais o Estado não tem meios para intervir. A pessoa que adoece pode, muitas vezes, não ser vítima da falta ou má atuação do Estado. Seja na área normativa, seja na esfera administrativa. A situação do trabalho, não é igual. É evidente que poderosos fatores podem levar ao “destrabalho” independentemente da atuação comissiva ou omissiva do Estado.

    Porém, quando define estabelece políticas econômicas – muitas vezes em obediência às imposições de organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial – pode estar admitindo que, em benefício de “valores maiores” como inflação, dívida externa, arrecadação tributária, etc., algum sacrifício deve ser feito pela população. Sacrifício esse que se inicia pela queda na capacidade de investimento e de consumo e, conseqüentemente, desemprego.

    A título de mera reflexão, podemos concluir que quando o Estado opta por medidas deliberadamente tendentes a aumentar o desemprego ou que se comprovam desempregadoras (o que, hoje em dia, pode ser apurado em pouco mais de uma semana), está praticando de uma inconstitucionalidade.

    Se não se pode afirmar que o Estado, através de normas ou de atuação concreta, possa e deva agir no sentido de eliminar ou diminuir o “destrabalho”, pode-se, ao nosso ver, assegurar que os governantes (executivos e legislativos) estão proibidos de gerar normas ou praticar ações comprovadamente ofensivas ao direito social de ter trabalho. Ofensivas à Constituição. Inconstitucionais.