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Maioria do STF nega Habeas Corpus a editor condenado pelo crime de racismo

Após o pedido de vista do ministro Carlos Ayres de Britto, o Supremo Tribunal Federal interrompeu novamente o julgamento do Habeas Corpus (HC 82424) requerido pela defesa do editor Siegfried Ellwanger, condenado pelo crime de racismo. A votação, porém já tem maioria, com 7 votos a 1. A maioria dos ministros já se posicionou sobre o caso e negou o pedido por entender que a prática de racismo abrange a discriminação contra os judeus.

O relator do processo, Moreira Alves, até o presente momento, foi o único favorável à concessão da ordem e declarar prescrito o crime.

Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Antonio Peluso, que votaram hoje, seguiram os votos de Maurício Corrêa e Celso de Mello, que abriram a dissidência, no sentido de que o crime no caso foi mesmo de racismo. O delito, portanto, é imprescritível, conforme prevê o artigo 5º, inciso XLII da Constituição.

Ainda faltam votar os ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. O ministro Joaquim Barbosa não tem voto porque é o atual ocupante da cadeira do relator, Moreira Alves.

GILMAR MENDES

Ao trazer os autos de volta ao Plenário após pedido de vista, o ministro Gilmar Mendes iniciou seu voto abordando o conceito de racismo. Ele citou obras de diversos autores que apresentaram reflexões sobre o racismo e o anti-semitismo, tais como Kevin Boyle e Norberto Bobbio, e lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais “que não deixam dúvida sobre o claro compromisso no combate ao racismo em todas as suas formas de manifestação, inclusive o anti-semitismo”. Sua interpretação foi no sentido de que a Constituição brasileira compartilha desse sentido, de que “o racismo configura conceito histórico e cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-semitismo”.

Em seguida, o ministro Gilmar passou a confrontar as manifestações de caráter racista com a direito à liberdade de expressão. “A liberdade de expressão, em todas as suas formas, constitui pedra angular do próprio sistema democrático”, afirmou. Por outro lado, “a discriminação racial levada a efeito pelo exercício da liberdade de expressão compromete um dos pilares do sistema democrático, a própria idéia de igualdade. (…) Em tese, é possível o livro ser instrumento de discriminação, não parece haver dúvida”.

A partir daí, Gilmar Mendes passou a analisar a questão sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade. Ele argumentou que “a liberdade de expressão não se afigura absoluta no nosso texto constitucional”, pois houve ressalvas, por exemplo quanto à liberdade de informação, que deveria ser exercida de modo compatível como o direito à imagem, à honra e à vida privada (art. 5º, inciso X). “Da mesma forma, não se pode atribuir primazia à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constitucional de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI).”

Por fim, o ministro concluiu que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), de condenar Siegfried Ellwanger, foi adequada e proporcional e alcançou o fim almejado, que é o de “salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância”. Ele disse estar evidente, pelo Acórdão do TJ/RS, que os livros publicados pelo editor não continham simples discriminação, mas são textos que, de maneira reiterada, estimulam o ódio e a violência contra os judeus.

CARLOS VELLOSO

O ministro Carlos Velloso pediu antecipação de voto e também foi pelo indeferimento do Habeas Corpus. Ele fez um histórico sobre a proteção dos direitos humanos desde o advento da idéia de Constituição, surgida a partir da segunda metade do século XVIII até os dias atuais e citou parecer do jurista Celso Lafer ao conceituar o racismo, afirmando que “ele constitui-se no atribuir aos seres humanos características raciais para instaurar a desigualdade e a discriminação.” Ele entendeu que o anti-semitismo é uma forma de racismo.

Segundo Velloso, nos livros publicados por Ellwanger, os judeus são percebidos como raça, porque há pontos em que se fala em “inclinação racial e parasitária dos judeus”, “tendências do sangue judeu”, “judeus como culpados e beneficiários da Segunda Guerra”, entre outras. “Não tenho dúvidas em afirmar que a conduta do paciente implica prática de racismo, o que a Constituição considera crime grave e imprescritível”, disse.

Velloso também enfocou a matéria sob o ponto de vista do direito à liberdade de expressão, argumentando que embora seja garantia consagrada pela Constituição, não tem caráter absoluto. “Se se tem conflito aparente de direitos fundamentais, a questão se resolve pela prevalência do direito que melhor realiza o sistema de proteção de direitos e garantias inscritos na Lei Maior,” concluiu.

NELSON JOBIM

O ministro Nelson Jobim também antecipou seu voto e acompanhou o relator, pelo indeferimento do Habeas Corpus. Ele julgou que Siegfried Ellwenger não editou os livros por motivos históricos, mas como instrumentos para produzir o anti-semitismo.

O ministro rejeitou a linha proposta pela defesa, segundo a qual, sendo os judeus um povo e não uma raça, não estariam amparados pela Constituição Federal, em relação à imprescritibilidade do suposto crime de racismo. Conforme Jobim, a tese “parte do pressuposto de que a expressão racismo usada na Constituição teria conotação e um conceito antropológico que não existe”, disse.

O ministro considerou a matéria em julgamento um “caso típico” de fomentação do racismo. “Vejo nitidamente nas condutas traduzidas no Acórdão e aquilo que está nos autos a evidente e clara destinação da prática daquilo que está coibido na Constituição. A Constituição meramente determina que a legislação infraconstitucional não pode tratar esse tipo de ilícito com as regras da prescrição (…)”, afirmou.

ELLEN GRACIE

A ministra iniciou seu voto pela definição de raça, constante da Enciclopédia Judaica, editada no Brasil pela editora Tradição, do Rio de Janeiro.

O verbete lido por ela narra que “a concepção de que a humanidade está dividida em raças diferentes encontra-se de maneira vaga e imprecisa na Bíblia, onde, no entanto, como já acentuavam os rabinos, a unidade essencial de todas as raças é sugerida na narrativa da criação e da origem comum de todos os homens. (…)”.

“É impossível, assim me parece, admitir-se a argumentação segundo a qual se não há raças, não é possível o delito de racismo”, concluiu Ellen Gracie.

PELUSO

O ministro recém-empossado Antonio Cezar Peluso seguiu a maioria e votou pela denegação do Habeas Corpus. Ele disse concordar com o ministro Nelson Jobim, para quem a definição de racismo deve ser pragmática.

“A discriminação é uma perversão moral, que põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre”, disse Peluso. O ministro acentuou que, neste caso, o que lhe chamou atenção foi o fato de que o mesmo editor se tornou especialista na publicação dos livros. “Se ele se propusesse como um editor de excentricidades eu até consideraria, com alguma generosidade, este Habeas Corpus. Mas ele, na verdade, se especializou em editar e publicar, como autor, uma série de livros que instigam a discriminação. E, portanto, isso tem o significado óbvio, do meu ponto de vista, que se trata de uma prática que contraria a tutela constitucional”.