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Ação contra devedor não pode ser extinta de ofício devido à exorbitância dos juros

Não se pode extinguir o feito por iniciativa e autoridade própria, em razão de valores considerados exacerbados, sem qualquer manifestação do devedor se para a constituição em mora do devedor fiduciário não é exigido que a notificação mencione sequer o valor devido. Esse é o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem admitir essa possibilidade implicaria impossibilitar ao credor reaver o bem ou cobrar quaisquer valores e propiciar o enriquecimento sem causa do inadimplente, que deixou de pagar as prestações e continua dispondo do bem financiado e alienado fiduciariamente (dado em garantia).

A decisão se deu no julgamento de recurso do Banco Bradesco contra Antônio José Jorge, de Passo Fundo (RS), que adquiriu um Fiat Elba CSL 1.6, ano e modelo 1991, financiado pelo banco. A operação se deu em 20 de outubro de 2000, no entanto, Antônio quitou apenas duas de 36 parcelas. Diante da inadimplência, a instituição entrou com uma ação de busca e apreensão com pedido de liminar na primeira instância do Judiciário local.

O pedido foi indeferido. A juíza responsável pelo caso entendeu não ser suficiente para o deferimento da liminar simplesmente a prova da mora e o inadimplemento. O banco não provou, a seu ver o mau uso do bem alienado fiduciariamente, a existência de perigo de transferência ou, ainda, a insolvabilidade (situação na qual o devedor não pode pagar as suas dívidas) de Antônio. Ressaltou, ainda, que notificação realizada pelo banco não serve para os fins pretendidos por não expressar o valor pretendido na inicial e não discriminar o que seja capital, juros e demais encargos. Ao indeferir a liminar antes mesmo da citação do réu, a juíza deu três dias para Antônio Jorge contestar ou eliminar a mora se já tiver pago 40% do preço financiado.

O banco apelou contra da decisão, sustentando que não pretendeu nenhum valor, mas a apreensão do bem. Na notificação, afirma, consta o valor da parcela em atraso, cujo valor está expressamente de acordo com o consignado no contrato ou seja R$ 190,00, vencida em 1/2/2001 e as demais, daí o saldo devedor de todo o contrato ser de R$ 6.486,81. Para o banco, é óbvia a constatação de que não foram pagos 40% do contrato já que apenas as duas primeiras prestações de um total de 36 foram pagas, razão pela qual o devedor não tem a opção de purgar a mora (conservar direitos contratuais e evitar a aplicação de uma pena, pagando a prestação vencida, os juros e demais encargos resultantes do inadimplemento).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também negou a liminar e extinguiu a ação. O fundamento foi que o contrato contém flagrantes ilegalidades, fixando uma taxa de juros mensal de 2,45% e prevendo a incidência da taxa anual em 33,70%. A fixação em tal patamar seria, segundo o TJ, evidentemente ilegal e torna ao menos duvidosa a perfeita caracterização da mora de Antônio Jorge, desaconselhando o deferimento da liminar e tornando o banco carecedor da ação.

Diante disso, o Bradesco recorreu ao STJ sustentando que a circunstância afirmada pelo TJ de o contrato conter encargos abusivos ou ilegais não poderia acarretar a inversão moratória que ocasionou a extinção da ação. Além disso, os requisitos da medida liminar, quando se trata de veículo, não necessitam de maiores demonstrações. “Ou por acaso um veículo circulando não está constantemente sob a ameaça de acidente e roubo”, indaga, acrescentando que o risco está justamente no fato de o carro não estar coberto por qualquer espécie de seguro.

O relator do processo, ministro Castro Filho, destacou que já está assentado no Tribunal o entendimento de que é dispensável constar na notificação do valor atualizado do débito para a constituição em mora do devedor, sendo suficiente a ciência que é dada ao inadimplente. Não efetuado o pagamento da prestação no vencimento já se afigura a mora do devedor, constituindo-se por carta ao inadimplente. “Ora, se para a constituição em mora não é exigida sequer a menção do valor devido, o feito não pode ser extinto, de ofício, o feito, em virtude de valores considerados exacerbados, sem qualquer manifestação do devedor”, sustenta o relator. A seu ver, cabe ao devedor, quando citado, argüir o excesso, podendo obter judicialmente o abatimento da dívida. Assim, afastando a carência da ação afirmada nas decisões anteriores, determinou o retorno do caso à primeira instância para que o pedido do banco seja apreciado.