Contrato de seguro de automóvel só pode ter seus efeitos suspensos após interpelação promovida pela contratada ao segurado inadimplente. A decisão dos ministros integrantes da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) favorece a publicitária Lucilene Fantuci. Ela fez o seguro de seu carro junto à Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais para pagamento em quatro parcelas, quitando as duas primeiras e atrasando as duas últimas. O veículo acabou sendo roubado e encontrado após uma colisão, com perda total. A seguradora recusou-se a pagar a indenização, cancelando a apólice automaticamente. Com a decisão do STJ, Lucilene vai receber a indenização contratada, deduzidos os valores da sucata e das prestações atrasadas.
Quando entrou com a ação de indenização contra a companhia de seguros, a publicitária afirmou ter firmado o contrato com vigência de agosto de 1995 a agosto de 1996. Depois de pagar as duas primeiras parcelas, no valor de R$ 203,62 cada uma, perdeu o emprego e deixou de pagar aquelas referentes aos meses de outubro e novembro de 1995. No dia 14 de dezembro, o carro foi roubado e encontrado pela polícia, totalmente destruído, na rua Tereza Cristina, na cidade de São Paulo. No entanto, a Justiça paulista julgou a ação improcedente.
Ao recorrer ao STJ, a consumidora alegou que o inadimplemento parcial não afasta seu direito a receber a indenização. A Porto Seguro, por outro lado, insistiu que o pagamento do prêmio é requisito essencial para o segurado exigir da seguradora o cumprimento de sua obrigação. “Aliás, compulsando as cláusulas do contrato, pode-se notar que a obrigação do segurador surge após a quitação pontual do prêmio”.
O relator do recurso no STJ, ministro Aldir Passarinho Junior, afirma que a matéria ainda gera discussões no âmbito do STJ. O relator esclareceu que dois órgãos fracionários do Tribunal têm entendimentos diversos. Ele citou julgamento de abril deste ano, quando a Terceira Turma decidiu não ser devida “a indenização decorrente de contrato de seguro durante o período de mora, no qual o seguro existe, mas não opera efeitos. A indenização só é devida se o pagamento do prêmio é efetuado antes da ocorrência do sinistro”.
Já em abril de 1996, a Quarta Turma do STJ firmou posição no sentido do incabimento da recusa à cobertura. “A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio”. Conforme este entendimento, a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, para avaliar se o inadimplemento é suficiente para a extinção do contrato.
Seguido em seu voto pelos demais integrantes da Segunda Seção, o relator adotou uma linha mais flexível, intermediária entre as decisões anteriores do Tribunal. “Atento ao fato de que a via judicial é extremamente onerosa, obrigar-se a seguradora, todas as vezes em que houver atraso no pagamento de uma parcela, a ingressar com uma ação postulando a resolução do contrato, é, na prática, o mesmo que impedir a contratada de exercer seu direito de defesa”.
O ministro Aldir Passarinho concluiu ser necessária e suficiente “a interpelação feita ao segurado, advertindo-o sobre a mora e a suspensão dos efeitos do contrato até o pagamento, para eficazmente impedir procedimento igualmente lesivo do contratante, sob pena de se estimular o ilegítimo hábito de não pagar. Em suma, dispenso o ajuizamento da ação pela seguradora, admitindo, no entanto, a suspensão do contrato após interpelação promovida pela contratada ao segurado, colocando-o em mora”.
No caso da publicitária, não houve a interpelação para constituição em mora, nem a ação judicial para a resolução do contrato. De acordo com o relator, “sem tais requisitos, a seguradora não poderia dar como dissolvido o contrato automaticamente, deixando de pagar a indenização contratada”. Sendo assim, o relator julgou a ação procedente e determinou à seguradora o pagamento da indenização, deduzidas as prestações atrasadas e o valor da sucata, tudo monetariamente atualizado e acrescido dos juros moratórios legais.