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SUS é obrigado a garantir medicamento mesmo se o paciente tiver condições de comprá-lo

É dever do Estado fornecer medicamento necessário ao tratamento de paciente com hepatite C mesmo que este possua boa remuneração e condições de comprá-lo. Este foi o entendimento firmado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante o julgamento do recurso interposto pelo delegado de polícia André Luiz Previato Kodjaglanian, que contraiu hepatite C ao socorrer um preso que tentara suicídio. A Turma, à unanimidade, concedeu o pedido do delegado tendo em vista o direito à vida e à saúde.

“O Sistema Único de Saúde – SUS visa à integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando necessitem comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna”, afirmou o relator do processo, ministro Luiz Fux.

No exercício de sua função, André Luiz contraiu hepatite “C” ao socorrer um detento que tentou se suicidar cortando os pulsos com cacos de vidro retirados da janela do cárcere. Por causa da doença, o delegado necessita de uma dose diária do medicamento denominado Virazole, a base de Interferon, fabricado pelo Laboratório Uzi Farma, na indicação de duas cápsulas a cada 12 horas, totalizando 120 comprimidos por mês. Cada caixa contém 30 comprimidos no valor de R$ 210,00, o que lhe custaria, no mínimo, R$ 840,00 por mês.

Segundo André Luiz, apesar de ser delegado de polícia, não possui condições de arcar com o tratamento sem prejudicar seu próprio sustento e o de sua família. Além disso, o delegado afirma que não há como abdicar do remédio, já que a doença poderia evoluir ao ponto de ser necessário um transplante de fígado. Diante dessa situação, André Luiz entrou em juízo com uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada contra a Fazenda do Estado de São Paulo. O juiz de primeira instância negou o pedido sustentando que “o autor não é pessoa pobre na acepção jurídica do termo. Ao contrário, possui rendimento mensal bem superior à média dos brasileiros”.

Inconformado com a decisão, André Luiz apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) sob os mesmos argumentos. O tribunal negou a apelação. Percebendo “salário superior a R$ 3.000,00 mensais e não tendo comprovado ter outros encargos financeiros, pode ser considerado, em face da realidade social brasileira, cidadão não menos afortunado que os demais, em situação realmente precária. Tendo em conta que as verbas públicas têm destinação previamente marcada, há de ser entender que o interesse da coletividade deve prevalecer diante do individual, no tocante aos serviços de saúde da população em geral”, afirmou o TJ/SP.

No STJ, o delegado interpôs um recurso alegando que não tem condições de adquirir o medicamento até que seja possível realizar um transplante de fígado. O ministro Luiz Fux, relator do processo, deu provimento ao recurso. Segundo ele, “não há que se perquerir sobre ser o recorrente Delegado de Polícia e perceber remuneração bem maior que a maioria dos brasileiros, prevalecendo a presunção de que não pode suportar o ônus do tratamento, como decorrência da promessa constitucional de que ‘todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida’ (art. 5º, Constituição Federal/88). Sobreleva ainda destacar que a moléstia foi transmitida no exercício de sua função, e em decorrência do nobilíssimo ato de salvaguardar a vida alheia”.