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Costa Leite: “Não cumprir decisão judicial é grave e atinge competência constitucional”

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, admitiu hoje (21/11) que a postura do governo de não cumprir a decisão judicial, envolvendo o pagamento dos salários dos professores, tornou tensas as relações entre o Judiciário e o Executivo. “Baixou-se um decreto para não se cumprir essa decisão”, disse Costa Leite, em entrevista aos apresentadores do programa Bom Dia Brasil, da TV Globo. “Isso é grave porque, na realidade, chega a atingir a competência constitucional”, afirmou.

P – A greve dos professores universitários parece que não tem jeito de terminar. Uma greve que foi parar na Justiça. Está aqui, no estúdio, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite. Ministro, os professores entraram no STJ contra o ministro da Educação. O senhor acha que, com o fracasso das negociações, esta greve vai acabar sendo resolvida pela Justiça?

R – Eu não acredito que, num primeiro momento, se resolva pela Justiça. Pode até ser que aquela ação que foi ajuizada na Justiça Federal de primeiro grau venha a resolver o problema. Mas eu acredito muito mais numa negociação do que propriamente numa intervenção direta da Justiça. O Judiciário foi chamado a intervir e aí, efetivamente, a competência é do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de um ato de um ministro de Estado – o ministro da Educação. A questão foi em relação ao repasse de recursos e o Superior Tribunal de Justiça entendeu, por um de seus ministros, o relator Gilson Dipp, que havia sim uma afronta a um princípio fundamental que está na Constituição, que é a autonomia das universidades e, por isso, deferiu uma liminar. Nós temos, então, uma decisão judicial, que foi proferida quando não se discutia a competência do STJ.

P – Uma decisão que foi proferida e não foi cumprida, é isso?

R – É exatamente aí que eu quero chegar. Acontece que o governo, por meio de um artifício, buscou transferir a competência do Superior Tribunal de Justiça para o Supremo Tribunal Federal, no momento em que baixou o Decreto 4.010 estabelecendo que o presidente da República é quem autoriza, expressamente, a liberação de recursos. Eu não discuto se este decreto deva ou não ser aplicado no futuro. Isto é uma questão que vai ser efetivamente debatida, discutida, não tenho dúvida. Mas nós temos que entender o que está acontecendo hoje. Nós tínhamos uma decisão judicial. Esta decisão judicial necessariamente teria que ser cumprida. Baixou-se um decreto para não se cumprir esta decisão. Isso é grave, porque isso, na realidade, chega a atingir a competência constitucional. A Constituição é que diz: ato de ministro de Estado é competência do Superior Tribunal de Justiça. Por decreto, modificar isso não é admissível, não é concebível.

P – O senhor considera que este decreto não modifica a decisão anterior?

R – Eu entendo que a decisão anterior se aperfeiçoou exatamente naquele momento. Houve o ato de um ministro, o Superior Tribunal de Justiça era o competente e a competência se firma no momento da proposição da ação, e não será pela via de decreto que nós vamos modificar uma competência de índole constitucional. Por isso eu digo: para o futuro poderá ser competência do presidente da República liberar recursos; o que antigamente era coisa de terceiro, quarto escalão, agora passou para o presidente da República. Mas o grave é que isto está hoje interferindo no plano das relações institucionais destes poderes. Na realidade, nós estamos aí afrontando um princípio básico da harmonia, o princípio da independência entre os poderes.

P – O senhor acha que as relações estão em crise hoje?

R – As relações estão tensas, isso nós não podemos negar.

P – Muito obrigado pela presença aqui no Bom Dia Brasil.