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Empresa destruída por incêndio assegura no STJ pagamento de indenização por seguradoras

Destruída por incêndio em 1994, a empresa EME Refrigeração Tecnológica, do bairro de São Cristovão no Rio de Janeiro, será indenizada pelas seguradoras Motor Union e Porto Seguro no valor estabelecido na apólice. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, especializada em Direito Privado, rejeitou recurso das seguradoras e confirmou decisão da instância ordinária, que obriga ambas ao pagamento do teto de cobertura. A Porto Seguro avaliou, em 1996, o valor em R$ 596 mil. Desse total, 70% cabe a ela pagar. Pelo contrato de seguro, quase 40% do total da indenização destina-se ao locador do imóvel destruído onde funcionava a empresa de prestação de serviços de aparelhos de refrigeração.

Paulo Alexandre dos Reis Couto, sócio-gerente da EME, entrou com ação de cobrança na Justiça depois da negativa das seguradoras de indenizá-lo por perda total dos bens. O incêndio matou o administrador da empresa, pai de Paulo Alexandre, destruiu maquinários, matéria-prima, ferramentas, móveis e eletrodomésticos. De acordo com perícia, a possível causa do incêndio, antecedido por violenta explosão, foi uma ignição de GLP. O segurado teve dificuldade de comprovar a perda total dos bens porque a documentação, guardada no escritório no fundo da loja, foi destruída, o que levou as seguradoras a negar o pagamento da indenização.

A Motor Union alegou que Paulo Alexandre entrou com ação de cobrança na Justiça, em abril de 1996, quando já havia transcorrido o prazo de prescrição de um ano. Segundo ela, no dia 29 de julho de 1994, as seguradoras teriam comunicado a ele que, por falta de comprovação de propriedade e aquisição dos bens destruídos no incêndio, não pagariam qualquer indenização relacionada a essa perda. Nesse caso, a prescrição ocorreria um ano depois, como estabelece o Código Civil (artigo 178).

Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entretanto, deveria prevalecer a prescrição de cinco anos prevista no Código de Defesa do Consumidor porque as atividades das seguradoras se enquadram nas regras das relações de consumo. Relatora dos recursos da Porto Seguro e da Motor Union no STJ, a ministra Nancy Andrighi, entendeu ser incabível a aplicação do CDC. A relação jurídica é de consumo, porém o caso, afirmou, é de descumprimento de contrato, cabendo aplicar a prescrição de um ano estabelecida no Código Civil. Ela esclareceu que quando as seguradoras recusaram o pagamento da indenização não houve vício de qualidade ou quantidade do serviço, mas a própria inexistência da prestação do serviço contratado.

Porém, a relatora concluiu que a ação de cobrança foi promovida antes da prescrição. Na data referida pelas seguradoras, a empresa, representada por Paulo Alexandre, ficou ciente dos motivos pelos quais não receberia o valor do seguro, mas consta no registro que ele iria buscar provas para fazer jus à indenização. O segurado concluiu que teria oportunidade de buscar provas, como o fez posteriormente. Apenas em 18 de dezembro de 1995, as seguradoras comunicaram a recusa definitiva das provas e a decisão de não efetuar o pagamento.

No recurso especial apresentado no STJ, a Porto Seguro sustentou que a empresa EME deveria comprovar o prejuízo sofrido, com prova da existência e quantidade dos bens que estavam dentro da loja quando houve o incêndio. A seguradora sustentou que não fez inspeção prévia dos bens existentes no imóvel segurado, um procedimento obrigatório segundo o TJ, porque era variável a quantidade e a qualidade de maquinários, móveis, mercadorias e matérias-primas existentes dentro do estabelecimento comercial. A ministra Nancy Andrighi rejeitou a argumentação e concluiu que a indenização refere-se a todos os bens que se encontravam no imóvel incendiado, o que inclui não somente aqueles periodicamente variáveis e renováveis – como mercadorias e matérias-primas – mas também os que ficavam permanentemente no interior do estabelecimento.

Sentença e decisão do TJ reconheceram, com base em documentos e provas periciais, que tudo que estava dentro do imóvel foi destruído no incêndio. Laudo pericial apontou a existência no local de carcaças de geladeiras, aparelhos de ar condicionado e material diverso, removidos do local, juntamente com o entulho, por determinação da Defesa Civil. “A controvérsia, portanto, não estaria, na existência de prejuízos, mas sim na determinação de sua extensão”, esclareceu a relatora.

O Tribunal de Justiça descartou fraude, o que nem sequer foi levantado pelas seguradoras, e nem foi cogitada má-fé da segurada ou a existência de suspeita de disparidade entre o valor dos vens destruídos e o valor reivindicado pelo representante da empresa, equivalente ao teto da apólice. Com as provas destruídas, Paulo Alexandre apresentou documentos com provas indiretas sobre a aquisição e propriedade dos bens. “Nessa excepcional hipótese, em que comprovada a existência do prejuízo decorrente do risco assumido pela seguradora e evidenciada a boa-fé da segurada, que restou impossibilitada de fornecer elementos precisos para a liquidação do dano, revela-se medida de justiça a determinação da pretendida indenização, no valor especificado na apólice”, disse a relatora. O contrato de seguro, afirmou, rege-se pelo princípio da boa-fé, “devendo as partes contratantes agirem com lealdade e confiança recíprocas”.